Resumo
(Introdução) Dispõe-se, atualmente, de evidências fortes e consistentes de que o estilo de vida está associado a diversos eventos relacionados à saúde. Mesmo nas populações jovens, a importância de um estilo de vida ativo e saudável tem sido apontada como elemento fundamental para prevenção de doenças, tanto as que podem se manifestar precocemente (obesidade) quanto aquelas de manifestação mais tardia e insidiosa (cardiovasculares). Além disso, estudos de tracking têm demonstrado que quando a exposição a comportamentos e fatores de risco à saúde ocorre na infância e adolescência, estes são mais estáveis na vida adulta e, portanto, mais difíceis de alterar. Mas, apesar de todo o corpo de conhecimento que vem sendo acumulado com relação à importância do estilo de vida para saúde de todas as pessoas, há ainda amplo desconhecimento sobre a proporção de jovens brasileiros que estão expostos a comportamentos de risco à saúde, particularmente à falta de atividades físicas e padrão alimentar inadequado. Além disso, mesmo considerando os estudos internacionais, foram poucos os que procuraram testar a eficiência de intervenções para promoção de atividades físicas e de hábitos alimentares saudáveis no contexto da escola de ensino médio. (Objetivos) Diante deste cenário, procurou-se, neste trabalho, ampliar o nível de conhecimento sobre a exposição a dois comportamentos de risco à saúde em estudantes de ensino médio. O objetivo, na primeira fase, foi identificar: (a) a proporção de escolares expostos a baixo nível de atividade física e padrão de consumo alimentar inadequado; (b) os determinantes da exposição a estes comportamentos; e, (c) os subgrupos populacionais expostos a maior risco. Num segundo momento, procurou-se elaborar e testar a eficiência e o impacto de uma intervenção para lidar com estes problemas no contexto do ensino médio. (Material e métodos) Trata-se portanto de uma investigação abrangente, subdividida em dois estudos independentes, mas complementares. O primeiro foi um estudo epidemiológico transversal e de base populacional (estudantes do ensino médio das escolas públicas estaduais em Santa Catarina), desenvolvido mediante análise secundária de dados. Medidas foram obtidas de 5.083 estudantes (59,4% moças), com idade entre 15 e 19 anos e que foram selecionados aleatoriamente através de amostragem por conglomerados em três estágios, sendo que “turmas” foram as unidades amostrais no último estágio. O segundo estudo foi uma intervenção experimental randomizada com duração de 13 semanas, sendo que os dois grupos acompanhados (intervenção e controle) foram submetidos a avaliações pré e pós-intervenção. A intervenção, baseada nos conceitos e filosofia do programa Escola Promotoras de Saúde, consistiu de um conjunto de 11 ações visando a promoção da prática de atividades físicas e de hábitos alimentares saudáveis. As ações foram organizadas em torno de três focos principais: modificação ambiental e em normas, ações educativas, e treinamento e engajamento de pessoal. Participaram da intervenção estudantes do ensino médio de 36 turmas de seis escolas de Florianópolis (SC), sendo 18 em três escolas de intervenção (n=452 estudantes) e 18 em três escolas controle (n=300). xv (Análise de dados) No tratamento estatístico dos dados foram utilizados testes paramétricos e não-paramétricos, segundo natureza das variáveis e distribuição dos dados. Análises bivariadas incluíram a aplicação dos testes de Quiquadrado (associação e tendência), McNemar (medidas repetidas), teste da razão crítica de Z (proporções extraídas de amostras independentes) e análise de variância simples. Na análise multivariada, recorreu-se a regressão logística binária (simples e múltipla) e à análise de variância medidas repetidas (modelo linear geral). Análises foram realizadas utilizando o programa SPSS e o EpiCalc. (Resultados) Com relação ao primeiro estudo (análise secundária), observouse que 46,2% dos estudantes do ensino médio em Santa Catarina não atendiam às recomendações de prática de atividades físicas (≥420 minutos AFMV/semana), sendo que a proporção de moças insuficientemente ativas (53,5%) foi significativamente maior que entre os rapazes (36,1%). Verificou-se, também, que aproximadamente um em cada quatro sujeitos estava exposto a padrão alimentar de risco (baixa freqüência de consumo de frutas e verduras e elevado consumo de refrigerantes), comportamento de risco mais prevalente entre os rapazes (30,6%) que entre as moças (19,4%). Após ajustamento, mediante análise multivariada, identificou-se que os subgrupos expostos a maior risco foram: (a) em relação à falta de atividades físicas, as moças, os estudantes do período noturno e aqueles que se deslocam de carro/ônibus para escola; (b) em relação à dieta inadequada, os rapazes, os residentes em áreas urbanas, estudantes que se deslocam de carro/ônibus para escola e que tem percepção de saúde negativa. No segundo estudo, onde se procurou avaliar a eficiência na implementação e impacto de uma intervenção para promoção de atividades físicas e alimentação saudável, verificouse que a taxa de participação/cobertura foi baixa (em média 20%), mas que as ações foram satisfatoriamente implementadas. Aproximadamente 40 a 60% dos sujeitos participantes referiram que a participação nas atividades oferecidas aumentou o seu nível de conhecimento e incentivou a fazer mudanças em comportamentos de risco. Entretanto, apesar de ter sido razoavelmente implementada, a intervenção teve um impacto modesto. Os efeitos observados, em relação à alimentação saudável, foram: o aumento do nível de conhecimento; e a redução na proporção de sujeitos que percebem a textura/sabor dos alimentos como barreira. Quanto às atividades físicas, houve um efeito positivo sobre a percepção de barreiras (falta de vontade e falta de energia) e um aumento no número de atividades físicas que os estudantes relataram participar habitualmente. (Conclusões) Desprezadas as limitações inerentes aos estudos baseados em medidas auto-relatadas e, no segundo estudo, o reduzido número de estudantes no grupo controle em comparação ao grupo intervenção, pode-se extrair duas conclusões principais: (1) a prevalência de estudantes (adolescentes com idades entre 15 e 19 anos) insuficientemente ativos e com dieta inadequada é alta e, infelizmente, comparável à observada em países como os Estados Unidos e Canadá, onde estes problemas já são enfrentados como uma prioridade de saúde pública; (2) no contexto da escola de ensino médio, intervenções que são baseadas na filosofia e conceitos do programa Escolas Promotoras de Saúde provocam efeitos modestos após 13 semanas de acompanhamento, mas parecem ser bem aceitas pelos estudantes que encontram nas atividades: incentivo, informações e oportunidades para mudar comportamentos de risco à saúde. Futuros estudos deverão acompanhar estudantes por um período de intervenção mais longo, permitindo assim controlar a interferência das variações sazonais observadas neste estudo.