Resumo


 

Integra

A grande deusa lusíada é a saudade. Não do pretérito, mas do que há de vir. “O futuro é a aurora do passado”, proclamou Teixeira de Pascoaes (1877-1952).
Para onde te levam os ventos desta era? Que fará de ti o grande escultor que é o tempo? Creio que continua a haver em ti bom senso; mas anda escondido, com medo do senso-comum. Não me sinto bem com o rumo que te impuseram e aceitas impavidamente, como se a rota seguida não tivesse nada de ruim. Não seria sensato abrirmos o Livro do Desassossego, mesmo sabendo que “há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer”? Isto pede correspondência nas determinações e ações.
São a qualidade, a alma, a paixão e a emoção dos professores que fazem a diferença na habilitação dos estudantes. Tais grandezas não se medem; sentem-se. Os números não servem para avaliar a função e a proficiência pedagógicas.
Liberta-te da insensibilidade e insanidade dos burocratas, contabilistas e gestores que se instalaram na cabine do comando e matam, nos docentes, discentes e funcionários, os genes da dedicação, motivação, inovação e criatividade. Coloca no centro da agenda as questões do ensino e da formação.
O balanço, por mais que desejasse, não logra ser risonho. Ele constitui o hemograma do inconformismo obrigatório e do pessimismo realista no tocante ao antes, ao agora e ao porvir. Recorro a Miguel Torga (Diário VII) para o fundamentar: “É fatal nesta pobre terra começarmos todos por ser revolucionários e acabarmos todos em académicos (…) Cada geração que chega vem, naturalmente, possessa de desígnios subversivos. Mas como daí a pouco tempo verifica que também ela não fez nada, que falhou, que envelheceu, acomoda-se e põe-se a justificar o que a princípio combatia. Mudam-se os sinais aos manifestos de outrora, e os ímpetos juvenis passam a mesuras senis.”
Eis a descrição perfeita, tecida como luva, da atitude prevalecente numa larga fatia do povo universitário! Sócrates (ca. 469-399 a.C.), o filósofo da maiêutica, afirmou que não ensinamos nada a outrem; o melhor que conseguimos é tentar ensiná-lo a pensar. A isso acrescentou que a vida sem reflexão não vale a pena ser vivida. Sublinhe-se que uma vida refletida não é pera doce; é um fruto colhido por poucos.
Essa tarefa dignificante da docência é impossível de ser cumprida por quem não sabe, nem gosta de pensar. Tal e qual como confiar à raposa a guarda do galinheiro! A aversão à reflexão, ao pensar e compreender, e a recusa em ver a forca, erguida à sua frente, são confrangedoras e fechadas à esperança de ressurreição. A academia inclina-se mais para a cumplicidade do silêncio e omissão do que para o protesto e intervenção. Não se afigura disponível para erguer o pendão das exigências e da responsabilização. Prefere ser distraída e entretida. O deixa-andar e a espera de um salvador expressam a conduta interiorizada. Para desgraça geral, a ‘coisa’ está feia, o céu carregado de nuvens e o sol encoberto. Não há luz no horizonte!
Annah Arendt (1906-1975) acusa e corta com fio de espada: “Em nome de interesses pessoais muitos abdicam do pensamento crítico (…) Abdicar de pensar também é crime.”
Os académicos estão obrigados à responsabilidade social. Porquê? Porque, assevera Noam Chomsky, têm condições para denunciar as maquinações, mentiras e intenções ocultas dos governantes e poderosos. Do que se trata? É deveras simples! Não devem imitar Mefistófeles, celebrar pactos com o diabo, renunciar a nobres sentimentos (amor, compaixão, solidariedade, tolerância), assistir quedos e mudos à incubação da serpente do mal, aceitar o exercício efémero do poder terreno e a danação eterna, a satisfação de ambições a qualquer preço, incluindo a queda nos tenebrosos abismos da perdição.
Tinha atravessada na garganta esta espinha; acabei de a retirar. Alivei o coração e a alma, e desobriguei a consciência. Disse-te o que vejo, com toda a franqueza. Sinto-me apaziguado e tranquilo. Semeio as mágoas no vento de dezembro, para que as espalhe e delas floresçam camélias. Quem sabe, Jano trará um 2021 com cara auspiciosa!
Não deites fora estas cartas. Peço-te que pares e reflitas um pouco. Se o fizeres, mesmo que não me respondas, o intento valeu a pena.