Integra
Não se confunda ‘competição’ (sinónimo do agonismo grego, pedra basilar da Paideia e da visão filosófica de salvação da existência) com a hodierna ‘competitividade’ (conceito e termo do pérfido jargão neoliberal)!
Aquela ancora-se na estima e imitação do Outro, visando a ‘arété’, a magnificência e a excelsitude mediante a superação conjunta. A segunda estriba-se na egolatria e na busca do sucesso através da destruição do semelhante. Isto é, a degradação da competição a forma de abater o concorrente e rival deixa de ser civilizadora e contribui para a barbárie. Cai sob esta última alçada a ‘competitividade’, tão conclamada pelos fanáticos muezins do neoliberalismo.
A competição desportiva implica um 'contrato' alicerçado na adesão tácita ao princípio da igualdade. Como assinala Fernando Savater (‘O Meu Dicionário Filosófico’), “só se pode competir entre iguais: ninguém pode medir as suas forças com os deuses nem com o monarca absoluto ou o representante de uma casta superior. Só quem me reconhece como igual compete comigo e é capaz de camaradagem na rivalidade (...) Para competir precisa-se dos demais: ninguém compete só”.
‘Alteridade’ e ‘rivalidade’ são, pois, o sustentáculo do desporto. Este é essencialmente uma instituição e modalidade do relacionamento com o Outro, adversário e não inimigo. Sem o Outro, não existiria. Logo, o Outro é entidade valiosa, portadora de alta cotação, merecedora de apreço, de consideração e até gratidão. Muito do que somos provém da convergente concorrência e da complementar oposição. A competição cumpre a função de cooperação e conjunção dos opostos.
Assim, o desporto é uma configuração axiológica e pedagógica do 'trato humano'. Ensina a olhar, avaliar e valorar o Outro com a bitola da admiração. Ora, o teor da humanidade depende, em boa medida, do que fazemos uns aos outros. Fernando Savater (‘Ética Para Um Jovem’) insiste: “Não há humanidade sem aprendizagem cultural”, sem aprender e praticar os significantes e os significados do trato humano. “Ser-se humano (…) consiste principalmente em ter relações com outros seres humanos. (...) A vida humana boa é vida boa entre seres humanos ou, caso contrário, pode ser que seja ainda vida, mas não será nem boa nem humana.”
A ‘ética do jogo’ intima o jogador a dar o melhor, a oferecer as maiores resistências ao oponente, para que ambos se transcendam e o vencido seja também vencedor. Enfim, o humanismo não consente exclusão; advoga a inclusão. Os Outros são centro e referência de nós mesmos. É nesta conformidade que urge entender, renovar e cultivar o sentido do desporto e da existência. Sem 'coexistência' de verdade ficamos aquém da dignidade de que somos ontologicamente portadores.
29.10.2025
Jorge Bento