Corpos negros em campo: desconstruindo o racismo no futebol amador português.
Por Pedro Almeida (Autor).
Em IX Colóquio de Pesquisa Qualitativa em Motricidade Humana
Resumo
Nas últimas décadas, as pesquisas académicas sobre desporto, raça e racismo têm tido um desenvolvimento notável, especialmente no contexto internacional. No entanto, uma parte significativa dessa produção teórica permanece presa ao ‘paradigma do preconceito’, sugerindo que os autores dos discursos e práticas racistas são extremistas. Contrariando esta tese, argumenta-se que o racismo não deve ser visto como uma conduta moral, que conduz a comportamentos individuais baseados na ignorância. Considerando que o racismo é uma estrutura de poder historicamente construída, que teve as suas raízes na escravatura e no colonialismo, é necessário examinar seus efeitos contemporâneos a partir de uma perspetiva ideológica mais ampla Partindo destas premissas teóricas, a presente comunicação aborda os discursos e práticas racistas produzidas no contexto do futebol amador desenvolvido na região de Trás-os-Montes. Assim como em outras esferas sociais, argumenta-se que não é possível debater o racismo no futebol, as suas origens e impactos, sem reconhecer os legados coloniais. Seguindo a proposta de Ben Carrington (2010), um dos autores que mais se tem destacado na discussão crítica das relações entre desporto e raça, mostra-se em que medida a invenção do ‘atleta negro’ é determinante para se perceber a forma como o racismo contemporâneo se reproduz e naturaliza nestes espaços. A nível empírico, as conclusões apresentadas neste trabalho resultam de uma pesquisa etnográfica que tem vindo a ser desenvolvida junto de uma equipa que compete no campeonato distrital da Associação de Futebol de Bragança e que é composta quase exclusivamente por atletas africanos. O trabalho etnográfico evidencia claramente que a figura do ‘atleta negro’, construção produzida a partir das fantasias do reportório colonial permanece assente num pretenso ‘excesso de fisicalidade’ (Carrington, 2002) dos corpos negros. O facto de os discursos hegemónicos continuarem, em larga medida, a reduzir estes corpos às suas capacidades atléticas, negando-lhe assim disposições intelectuais, é demonstrativo de que as narrativas edificadas no princípio do século XX continuam a orientar as visões dominantes, dentro e fora do contexto desportivo. Independentemente de alguns dos discursos racistas não assumirem necessariamente as mesmas formas do passado, a sua persistência revela como o paradigma racista, colonialista e eurocêntrico permanece naturalizado no imaginário nacional, regional e local.