Resumo
A investigação baseia-se numa analogia entre o livre brincar e se movimentar da criança e a crisálida como metáfora da infância que autogermina crianças-borboletas, em desenvolvimento e em constante transformação pela autopoiesis, em processo semelhante à metamorfose. O brincar e se movimentar promove as condições necessárias para que elas estabeleçam um diálogo profícuo com o corpo-mundo, de modo a realizar experiências significativas, necessitando apenas do auxílio dos adultos para prosseguir na luta pela sobrevivência. Os pressupostos teóricos fundamentam-se nos estudos da teoria do movimento humano com o aporte da fenomenologia, a enaltecer a perspetiva dialógica relacional e a conceção do fenómeno como linguagem metamórfica. O objetivo foi desvelar e compreender as representações das crianças e dos adultos sobre o brincar e se movimentar em liberdade no jardim-de-infância. A metodologia é de abordagem qualitativa com intenção etnográfica. Os sujeitos são 22 crianças entre os 5 e os 6 anos de idade, de um jardim-de-infância da cidade de Braga (Portugal). Os dados foram colhidos através da observação livre com registo em diários campo e das entrevistas semiestruturadas. Privilegiámos o protagonismo das crianças através da escuta interpretativa e utilizámos a análise de conteúdo para compreender as mensagens comunicadas por palavras e gestos, de onde extraímos as categorias e subcategorias de análise. Confirmámos as hipóteses que preconizam uma diferença substancial entre as representações das crianças e dos adultos. As representações das crianças situam-se no campo da fenomenologia e manifestam-se, predominantemente, no mundo vivido como ontológicas e existenciais. As dos adultos, são forjadas, eminentemente, no mundo pensado, configurado pela racionalidade científica moderna, a atribuir grande importância às análises funcionais e mecânicas do movimento humano. O hiato entre as representações, resulta na sobrepujança do trabalho escolar em detrimento da liberdade para brincar, em virtude da concentração do processo de tomada de decisões na figura dos adultos, que pré-determinam as atividades e rotinas, sem que as crianças demarquem as suas escolhas. O brincar e se movimentar está condicionado a tempos e espaços residuais e exíguos. A ausência da liberdade é acompanhada por um conjunto de regras que governam os corpos das crianças, a fim de as disciplinar. Como contraponto, procedemos ao elogio do mundo da vida da criança. As crianças são os seus próprios sentimentos e elas vivem intensamente com total atenção no presente, dialogando com os contrafactuais, recursivamente. As crianças dão sentido ao que fazem a seu modo, e esse é o alimento da autopoiesis. A vida da criança é brincar, o que significa dialogar a interagir naturalmente consigo mesma, com os outros e com o mundo. Elas são espontaneamente curiosas e, como as borboletas, adoram explorar, pois a vida humana é um projeto inacabado e não prescinde do diálogo corpo-mundo para tornar-se. A dimensão lúdica e sensível da corporeidade é primordial e humanizadora para o ser humano. Concluímos que o jardim-deinfância é o lugar ideal para desabrochar os pequenos pupos em borboletas coloridas, desde que permitam que as crianças descubram o mundo por si mesmas, libertas da coerção dos adultos. Aspiramos a que as crianças respirem por si mesmas, livremente, para habitar legítimos jardins-de-infância como lugares férteis que cultivam crianças-borboletas, esvoaçantes e curiosas, a fecundar inúmeras flores pelo mundo afora. A alegria das crianças é o pólen que irá pelo vento e pelas patas das borboletas, semear e fazer brotar um mundo melhor.