Resumo

Apresento uma meditação, conjugando os vieses biológico, existencial, social, pessoal e artístico, encadeada pela vivência da condição de pandemia da Covid-19, a partir da perspectiva de um artista, docente e pesquisador de dança no Brasil/Nordeste, nos âmbitos pessoal e coletivo. Inicialmente, trato da condição biológica que diz respeito a todas as formas animadas, seres não humanos e humanos, utilizando as noções e conceitos desenvolvidos por Maxine Sheets-Johnstone de processos evolutivos, encaixe/adaptação existencial [existential fit] e habitabilidade [livability] no mundo. Aponto que humanos e coronavírus estão “no mesmo barco” biológico e questiono até que ponto podem se diferenciar. Em termos evolutivos da humanidade, também utilizo dados de Yuval Noah Harari acerca da constante transformação genético-morfológico-comportamental que os humanos têm desenvolvido desde seu aparecimento e os embates, controle, convívio e extermínio de/com outras formas de vida que têm composto seu histórico de sobrevivência. Em um segundo momento, resgato de Antonin Artaud, via a abordagem realizada por João Silvério Trevisan acerca da condição epidêmica estabelecida pelo vírus HIV, a analogia entre peste e teatro, a imagem espiritual da peste, a força catártica de uma epidemia e a peste como revelação, para problematizar o que temos vivenciado atualmente em termos existenciais, sociais e políticos. Adiciono a essa problematização argumentos de Harari de que, faltando líderes à humanidade para administrar apropriadamente a crise atual, o sentimento de caos e descontrole se exacerba. Assim como Trevisan conclui que a Aids nada criou, mas tem exacerbado elementos que as convenções sociomorais não deixaram aflorar à luz do dia, jogo a pergunta “o que o coronavírus tem feito aflorar?”. Complemento-a com o questionamento de Harari se o coronavírus transformará nossas atitudes diante da morte. Em seguida, exponho minha experiência pessoal de uma reação inicial de paralisia nos primeiros meses após a eclosão da pandemia, em meus fazeres de artista, docente e pesquisador. A essa experiência faço uma dupla referência: a relação entre stir/stillness [ebulição/imobilidade ou pausa] proposta por Rudolf Laban e o estado larval do qual fala Gilles Deleuze. Refletindo em retrospecto, encaro paralisia como inação, até mesmo como resposta radical à urgência de se manter produtivo, mas também, assim como a larva, gestante de transformação. Para Laban imobilidade não significa falta de movimento, mas constitui um estado de potencialidade. Por fim, relato o impulso para voltar a atividades de dança, fazendo uma relação com o conceito de densidade do agora de Sheets-Johnstone, na feitura da videodança Transiterrifluxório REC com o grupo Cláudio Lacerda/Dança Amorfa, no contato tátil-cinestésico dos/as bailarinos/as entre si e com espaços abertos do Recife Antigo. A dança se refaz e ressignifica nossa existência/sobrevivência no atual contexto.

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