Resumo

Na Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica no Brasil, a dança está presente, majoritariamente, em dias festivos e em apresentações, por meio de coreografias externamente orientadas pelo professor, com passos e gestos executados de forma mecanizada pela criança, inibindo a sua produção autoral e a sua criatividade. Assim, o protagonismo infantil é deixado de lado, evidenciando-se o olhar adultocêntrico sobre essa arte. Além disso, a dança aparece em dissonância com a dinâmica curricular específica da Educação Infantil, que pressupõe a articulação dessa manifestação cultural com outras áreas do conhecimento, campos de experiências, linguagens e sujeitos. O objetivo geral desta pesquisa é analisar, mediante uma experiência pedagógica, os desafios e as possibilidades para a mediação das danças populares no contexto da Educação Infantil. Trata-se da combinação de dois tipos de pesquisa: a Pesquisa-Ação Existencial e a Pesquisa Bibliográfica. Na Pesquisa Bibliográfica, foram realizados um levantamento e a análise da produção acadêmica da pós-graduação brasileira sobre a dança na Educação Infantil. Para isso, foi utilizado o Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Para análise dos trabalhos encontrados, foram utilizados os seguintes indicadores bibliométricos: fluxo temporal, áreas do conhecimento, regiões e instituições, autoria e metodologias utilizadas. A análise temática foi realizada destacando o foco de cada produção. A Pesquisa-Ação Existencial foi desenvolvida em um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) do município de Vitória/ES, com uma turma de 25 crianças de cinco anos de idade. A pesquisa ocorreu entre os meses de agosto e dezembro de 2021, totalizando 19 idas ao CMEI e 38 encontros com as crianças, com duração de 50 minutos cada encontro. As mediações valorizaram as agências dos infantis e a articulação da dança com a dinâmica curricular do CMEI, levando-se em consideração um currículo decolonial, enfatizando questões étnico-raciais de enfrentamento ao racismo. Como instrumentos para a produção dos dados, foram utilizados registros fotográficos, anotações em diário de campo e produção de portfólio, contendo planejamentos das práticas pedagógicas, bem como os produtos das ações realizadas com as crianças durante as mediações. Os dados produzidos foram interpretados à luz da Sociologia da Infância e dos Estudos com o Cotidiano. Os resultados da Pesquisa Bibliográfica trouxeram um total de 22 dissertações e 2 teses, que aparecem em maior número e com maior regularidade a partir do ano de 2009, distribuídas em diferentes programas de pós-graduação (Educação, Artes, Educação Física, Dança e Psicologia) de diferentes regiões brasileiras, com exceção do Norte e do Centro-Oeste do país. Além disso, verificou-se a predominância de instituições públicas e de mulheres como autoras desses trabalhos, destacando-se o interesse por investigar práticas e métodos de ensino da dança, articulando-se a formação inicial e continuada dos professores. Na Pesquisa-Ação Existencial, a análise dos dados foi realizada a partir de três categorias: agências das crianças, articulação curricular e relações étnico-raciais. Foram trabalhadas as seguintes danças populares: Congo, Jongo, Boi de Goiabeiras ou Boi Estrela, Capoeira e Maculelê. Durante as mediações com essas manifestações populares, foi evidenciado o protagonismo das crianças durante o processo, valorizando a dança pautada na criação das próprias crianças, sem passos externamente orientados pela Professora. Além do protagonismo infantil, foi evidenciado também a articulação da dança com outras linguagens presentes na Educação Infantil como a música, a dramatização, a contação de histórias e as artes visuais. Durante a pesquisa também foram valorizadas as questões étnico-raciais dando ênfase às culturas afro-brasileira e africana, como forma de valorizar as matrizes negras presentes em nossa cultura e promover uma educação antirracista. Foram realizadas diferentes formas de trabalhar a dança no cotidiano da Educação Infantil, realizando esse trabalho de forma integrada com o Projeto Institucional do CMEI, de forma contextualizada e coerente com a dinâmica curricular dessa primeira etapa da Educação Básica. Desafios também foram encontrados durante a execução da pesquisa, em relação à articulação com outros profissionais do CMEI devido à falta de um tempo específico para planejamento entre esses profissionais, dificultando assim a interação da dança com as demais linguagens. Destacamos a importância da valorização do cotidiano como lócus de produção de conhecimento e de relações sociais de interação entre as crianças, entre as crianças e os adultos e entre as crianças e a temática que está sendo trabalhada. Ressaltamos a importância de mais pesquisas que abordem a dança de forma não mecanizada, trazendo essa prática corporal e artística de forma articulada com outras linguagens e valorizando o protagonismo das crianças.

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