Desporto: olhar epistemológico e socioprofissional
Integra
O desporto, as outras artes performativas e formas do ludismo motor são técnicas da corporalidade. Cada uma aborda, cultiva e afeiçoa o corpo de modo distinto, segundo a respetiva estrutura de exigências, capacidades e habilidades. Todas utilizam o orgânico; porém visam para além dele, ou não fosse o corpo o suporte do que o transcende. São exercícios ‘totais’: metafísicos, anímicos, volitivos, éticos e estéticos. Servem diversos fins, tão plástica é a sua valia intrínseca. Beneficiam e, quando mal reguladas, também prejudicam a saúde. Esta, embora seja ganho apreciável, tal como o leque de relevantes externalidades, não constitui causa e finalidade primeira do ato desportivo e lúdico.
A saúde sempre fez parte da ementa de objetivos da Educação Física e do Desporto. Nas últimas décadas ela e a condição física saltaram para primeiro plano, devido à valoração da aparência e à pandemia da obesidade das crianças e adolescentes. Estes motivos geraram uma onda de ativismo e intervenção no corpo sem precedentes. Isso trouxe consigo uma vasta rede de serviços, ao lado das organizações tradicionais.
As novas frentes comprovam a polimorfia e polissemia do fenómeno desportivo: ‘plural’ nos modelos e ofertas, para corresponder à diversidade e singularidade de razões da procura e da prática, inerentes às diferentes idades e condições. Nesta conformidade os seus quadros passaram a atuar em terrenos antes estranhos: hospitais, prisões, centros de assistência, de reabilitação e inclusão, turismo e animação cultural, sistema de saúde, autarquias, etc.
A evolução traduz um extraordinário potencial, longe de estar esgotado. Mas, não há bela sem senão! A vaga da ‘atividade física’ – expressão tola e desprovida de fundamento epistemológico - exige reflexão e suscita inquietação.
O desporto tornou-se parente pobre nas linhas de investigação e nos alvos preferenciais de estudo e formação. Parece até que algumas instituições gostariam de se livrar dele na designação. Ademais, anda por aí uma pretensão falha de rigor e visão. Qual é ela? A de chamar ‘Profissionais da Saúde’ aos diplomados pelas Escolas da área, cuidando que, assim, acresce o reconhecimento do ofício nesta sociedade doente e medicamentosa, sacrificadora da vida e veneradora da saúde como deusa suprema.
Não sigo por essa via. ‘Profissionais da Saúde’ são os médicos, os enfermeiros e outros agentes do ‘ato médico’, curativo e terapêutico, no setor hospitalar e afim. Não deito fora nenhuma parcela do património amealhado no universo desportivo; tampouco abandono a riqueza do ‘ato pedagógico’ (ensino, treino, gestão e orientação) adstrito ao campo das práticas desportivo-lúdico-corporais, axiológica e culturalmente instituídas e consagradas. Sim, não abdico do estatuto de Professor de Desporto e de Educação Física! Estou ao serviço da educação e formação gestual e comportamental da Pessoa, das suas emoções e expressões, da exaltação, qualificação e realização do supremo sentido da vida. Isto basta e dá muito que fazer! Se querem arrumar-me numa prateleira, escolham a da arte, da cultura e das humanidades. Um dia, elas vão abrir uma via luminosa para a excelsitude da existência.
07.07.2025
Jorge Bento