Sobre
APRESENTAÇÃO
Direito Desportivo - A representação de uma realidade
Não é de hoje que o Direito Desportivo vem sendo testado como ramo autônomo e específico do Direito.
Aliás, a complexidade que o fenômeno desportivo ganhou e alcança nos últimos tempos, catalisada por um mundo cada vez mais conectado e globalizado, apenas confirma que a relação entre Desporto e Direito não pode mais ser encaminhada de maneira simplista, iluminada por diretrizes que não compactuam com a especificidade do liame jurídico subjacente a cada uma das implicações que a profissionalização da atividade desportiva repercute sobre aqueles que atuam e para aqueles a quem se dirigem eventos que contagiam milhões, movendo montanhas de valores.
O que autoriza, desde logo, ensaiar que o Direito Desportivo organiza-se como “um conjunto de princípios e regras que projetam consequências diferenciadas para a equação dos eventos tipicamente desportivos, assim entendidos os acontecimentos e situações que decorrem do universo da prática organizada das diferentes modalidades do esporte”.
Sim, porque não aspirar a uma cientificidade tampouco irá permitir que o Direito no esporte habilite instrumentos e se consolide como meio apto e capaz de equacionar problemas e situações que só num contexto competitivo esportivo despontam e exigem a especialidade de uma solução, ainda que a intervenção estatal, malgrado se exija, excepcionalmente, enquanto decorra da prática esportiva, não deva comprometer a natural autonomia das entidades do esporte em protagonizar a organização do espetáculo esportivo.
Realmente, se a formação e atuação das estruturas desportivas, tal como as conhecemos hoje, teve sua regulação, por muito tempo, adstrita, exclusivamente, ao seio associativo, alheio às ingerências do Estado, não se pode negar, hoje em dia, que a elevação da prática do esporte (formal ou não formal) à condição de direito fundamental assegurado na Constituição Federal, indistintamente (art. 217), faz daquela inicial alheação algo a ser melhor entendido e resolvido, ainda que só para permitir que o desenvolvimento do desporto se implemente, para se valer das palavras de Martinho Neves Miranda, “no efetivo interesse da sociedade, deixando para as organizações desportivas a normatização que diga respeito ao espaço lúdico do jogo e às questões administrativas que decorram do seu exercício” (in O desporto à margem do Direito. RBDD, 2010, v. 18,julho-dezembro, pp. 75-87).
A edificação de postulados jusdesportivos na Lei Maior criou, de fato, condições para uma nova era desportiva no Brasil, seja fortalecendo a iniciativa privada, seja delimitando a ingerência estatal em matéria desportiva (MELO FILHO, Álvaro. Princípios Desportivos em sede constitucional. RBDD, 2012, v. 21, janeiro-junho, pp. 45-60), donde a dificuldade de se enxergar essa realidade e corretamente apreendê-la ainda é uma constante.
Público e privado devem conviver à raiz desse harmonioso concerto, o que não se verifica em qualquer outro ramo do direito, na medida em que menos sobreposições e mais complementariedades são exigidas para essa convivência.
Resistências são encontradas e mostram-se tão ou mais elevadas diante da observação de que o profissional entretido com o Direito Desportivo deve muito menos à especialidade do segmento em que atua, senão à necessidade de ser reconhecido como um operador completo, dotado de conhecimentos multidisciplinares e, portanto, culturalmente mais preparado que qualquer outro bacharel.
Viver para superar esse dilema, portanto, desejando que essa verdade ex- surja como “aceitação” natural dessa realidade é o momento histórico em que ainda nos encontramos. E só uma maior musculatura do Direito Desportivo pode, necessariamente, vencer essa quadra de indefinições, na medida em que permitirá o reconhecimento desse ramo (autônomo) do direito desde os centros de produção científica, o que, via de consequência, resultará num maior oferecimento de cadeiras dessa temática nos bancos das Universidades públicas e particulares, até a inclusão definitiva da matéria, com exigência obrigatória, nas grades de programação dos cursos de graduação.
Algo que, inevitavelmente, permitirá uma maior visibilidade desse ramo do direito, além do que estimulará o desenvolvimento da ciência jusdesportiva e o interesse e dedicação de um maior número de pessoas a sua prática profissional.
Tudo, enfim, a indicar que muito se tem por percorrer, e que esse caminho ainda está no princípio, de modo que esta obra sinaliza o legado que se deixa, de maneira indelével, como efetiva contribuição para que o atendimento desse desiderato se consolide.
Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi
Coordenador do Curso de Especialização “Lato Sensu” em Direito Desportivo na Escola Superior de Advocacia da OAB em São Paulo.
Juiz de Direito em São Paulo.