Resumo

Buscou-se, inicialmente, investigar como se constitui e é vivenciada a Educação Física em uma escola indígena em Aracruz-ES. Durante o processo de revisão da literatura e imersão no campo de pesquisa, outros aspectos emergiram e impulsionaram este estudo a investigar a formação docente, a interculturalidade e as possíveis implicações para a Educação Física na Escola Municipal Pluridocente Indígena Aldeia Três Palmeiras. O estudo se constituiu como qualitativo, configurando uma pesquisa de campo descritiva e interpretativa. A metodologia se deu por meio de: levantamento e estudo de trabalhos publicados em seis revistas da área a partir de um recorte temporal de dez anos (2000 a 2020); observação participante das aulas de Educação Física e da dinâmica escolar no contexto da aldeia; anotações em diário de campo, viabilizadas pela observação e pelas conversas pautadas em diálogos, momentos e contextos vivenciados, seguidos de impressões e interpretações; registro de imagens, que colaboraram na interpretação de outras informações levantadas e ilustram o trabalho de campo; entrevistas remotas, no período de isolamento social, por meio de aplicativos de conversa/interação. No período entre outubro de 2019 e março de 2020, foram realizadas 7 visitas à escola, a fim de construir uma aproximação com o campo de forma progressiva. Em 2020, com o advento da pandemia de COVID-19, foram realizadas conversas e entrevistas utilizando tecnologias de comunicação virtual. As entrevistas foram realizadas com professores, administradores, dirigentes, alunos e lideranças da aldeia. As questões versaram sobre os usos e as apropriações da Educação Física pela escola Três Palmeiras. Os depoimentos foram captados por mensagens de texto e áudio disponibilizadas em aplicativo de conversa/interação virtual, a partir da autorização da pessoa entrevistada. No contexto de revisão permanente do que estava sendo construído e a partir dos encaminhamentos do processo de orientação e qualificação, efetuamos análise dos documentos e dos relatos dos sujeitos da pesquisa e constatamos que a formação de professores indígenas se constitui como importante fator nas relações estabelecidas na escola, na aldeia e, consequentemente, na Educação Física. Foi nesse contexto que o processo de formação de professores passou a ganhar destaque na busca para a compreensão da EF. Assim, a concepção do objeto de estudo, as trilhas e as estratégias metodológicas foram sendo reconstruídas, estabelecendo interfaces com as constatações do campo no próprio movimento da pesquisa. Nesse processo, estabelecemos duas categorias analíticas: I) relação entre formação de professores indígenas e a interculturalidade em uma escola Pluridocente e II) aspectos que culminam na compreensão de Educação Física entre os gestores e professores da escola Guarani. No contexto de análise das categorias articuladas ao referencial teórico e dados do campo, foi possível constatar repercussões importantes e contraditórias dentro do contexto denominado “pluridocência” e no âmbito da Educação Física Escolar Indígena. Isso significa que as características culturais e o processo de formação local podem influenciar na adesão das aulas, na compreensão do que é Educação Física, assim como na formação de novos docentes. No que se refere à segunda categoria, a Educação Física é compreendida e vivenciada por meio das práticas corporais da cultura indígena (caça, pesca, danças, jogos, brincadeiras, etc.) e do esporte (futebol). De maneira geral, a compreensão de Educação Física se apresenta em duas perspectivas principais: A primeira se refere à apropriação do termo e identificação da própria existência do Ser Guarani (daí sua valorização, pois se manifesta como prática corporal inerente ao se movimentar do indígena), a qual está ligada, em alguma medida, com a identidade Guarani e, por isso, não há necessidade de um saber externo. A outra está associada à Educação Física escolar institucionalizada, que deve incorporar a cultura corporal indígena local. Entretanto, além das práticas corporais daquela “Educação Física natural” do Ser Guarani, está embutido, na prática observada, o esporte. Simultaneamente, a Educação Física escolar é objeto de desconfiança por parte do grupo pelo receio de abandono das práticas corporais tradicionais. Nesse caso, a Educação Física Escolar Indígena vem sendo construída no dia a dia da escola como expressão da cultura local (tradicional e esportiva), a partir das experiências não positivas do passado, com ênfase no esporte, e dentro de uma conjuntura da escola indígena com predominância de professores de outra etnia.

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