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INTRODUÇÃO

Não é pequeno o número de professores de educação física que vêem a relação entre as suas aulas e a política como um verdadeiro tabu. Defendem que em suas aulas não há espaço para as "questões políticas", pois trabalham sério para garantir aos seus alunos a aquisição dos conteúdos de educação física. Esse tipo de professor acredita que uma simples partida de futebol de salão, desenvolvida em uma aula, não tem nada a ver com política. Pois política é coisa dos "políticos" que estão nos partidos, no Senado, nos sindicatos etc. Mas infelizmente, ao pensar dessa forma, esse professor está completamente equivocado.

Ao propormos uma reflexão sobre a contribuição da educação física para os processos políticos da escola, gostaríamos de iniciá-la com uma questão fundamental: Existe uma educação física que não contribua para os processos políticos da escola? Ou ainda, existe uma educação física escolar apolítica?

Na tentativa de responder a essa pergunta, poderíamos seguir diferentes caminhos, mas todos eles nos conduzem a um ponto comum: a ação da educação física na escola é sempre um ato político. Não existe uma educação física escolar do "tipo neutra", como se pudesse eximir-se de explícitos posicionamentos políticos. Vejamos então, dois possíveis caminhos para entendermos a política, que melhor se adequam ao tema deste trabalho.

ALGUNS CAMINHOS DA POLÍTICA

Uma primeira possibilidade de entendermos a afirmação anterior refere-se ao simples fato de vivermos na pólis. Ou seja, pólis é o vocábulo grego que identifica "a cidade [...] como espaço cívico [...], entendida como a comunidade organizada, formada pelos cidadãos" (CHAUI, 2003, p. 349). Tudo aquilo que se relaciona aos cidadãos (do grego, politikós) e à administração da cidade (pólis), assim como às relações comerciais da coletividade constitui-se no que chamamos de política. Sendo assim, qualquer aula de educação física escolar representa um processo político da escola, tendo em vista a estreita relação dessa aula com a "administração da cidade".

A escola e as aulas que nela acontecem, independente da aquiescência do professor, fazem parte da organização política da vida em sociedade. E por conta dessa inserção social, Aristóteles (384-322 a.C.) identifica o homem como um animal político. Para esse filósofo grego, "o homem é por natureza um animal social, e um homem que por natureza, e não por mero acidente, não fizesse parte de cidade alguma, seria desprezível ou estaria acima da humanidade" (ARISTÓTELES, 1997, p. 15). Na perspectiva aristotélica, participar como membro de uma instituição social - seja ela a família, a escola, a igreja, entre outras - é necessário para a saúde mental e física do homem. Assim, participar da escola, como professor ou como aluno, e compartilhar desse espaço social é essencial para que o homem se perceba como membro desse grupo humano.

Outra possibilidade de entendermos porque política e educação física escolar são indissociáveis diz respeito à questão do poder. Toda vez que existe um relacionamento entre pessoas, estabelece-se uma relação de poder. Nessas relações, alguns exercem o poder, outros se submetem ao poder. Nessa perspectiva, poder identifica-se com a capacidade que um indivíduo tem de fazer com que os outros atendam a sua vontade. Ou seja, genericamente, podemos conceituar poder como "a capacidade ou possibilidade de agir, de produzir efeitos desejados sobre indivíduos ou grupos humanos" (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 214). E o que nos permite afirmar que a relação estabelecida entre política e educação física escolar tem a ver com a questão do poder?

Quando o professor solicita a seus alunos que se dividam em quatro equipes, onde cada equipe deve criar um jogo com um determinado material disponível a cada uma delas, esse professor está apenas exercendo seu poder na medida em que os alunos atendem seu pedido. Nesse contexto, a atividade pedagógica do professor é sempre política, pois em uma perspectiva mais ampla, "a política se refere às relações de poder" (ibid., p. 214).

Mas o fato de constatarmos que a educação física na escola é sempre um ato político, não nos permite afirmar que os professores tenham consciência disso. Diante desse quadro, os professores podem assumir o papel de "objeto" ou de "sujeito" da história. O papel assumido depende do grau de conscientização que o professor de educação física tenha em relação a sua atuação política na escola.

O PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA: SUJEITO OU OBJETO DA HISTÓRIA?

Ao tomar para si o papel de objeto da história, o professor de educação física sofre passivamente a ação do tempo, dos movimentos sociais e dos modismos, "sem assumir a consciência e o papel de interferidor nesse processo" (LUCKESI, 1984, p. 24). Dessa forma, esse professor vive em estado de alienação, pois se caracteriza como um "indivíduo que não mais se pertence, que não detém o controle de si mesmo" (JAPIASSÚ; MARCONDES, 1996, p. 6).

Quem não lembra de algum professor de educação física que nunca participa dos "conselhos de classe" e faz questão que os colegas da escola saibam que ele considera essas reuniões uma grande "perda de tempo"? No entanto, ele não tem coragem ou argumentos para ir a essa reunião e posicionar-se politicamente diante desse "conselho" que ele critica, e quem sabe, tentar mudar a forma como é conduzido.

Quem não conhece aquele professor de educação física que espera ansiosamente pela "Semana da Pátria" para ficar liberado de ministrar suas aulas, em troca de "treinar" os alunos para o "desfile de 7 de setembro"? Abre mão de suas atividades pedagógicas, enquanto ato político do qual ele pode ter o controle da direção a ser seguida, para participar da política que lhe é imposta e da qual ele não tem "controle de si mesmo", já que apenas treina os alunos para fazer um grande espetáculo diante das autoridades que estarão assistindo ao desfile.

Ser um professor alienado, nesse contexto, é assumir para si funções que nem mesmo sabe para que servem (ou acredita que sabe, sem saber realmente). Dessa forma, esse professor "não mais se pertence", pois sua maneira de pensar a realidade, sua visão de mundo, já foi determinada por outros. Ao adotar passivamente uma grade curricular para o ensino fundamental, enviada por uma secretaria municipal de ensino, por exemplo, o professor de educação física deixa-se alienar, na medida em que não se reconhece como autor dessa proposta.

A falta de questionamento e posicionamento político em relação aos conteúdos impostos pelos sistemas de ensino é um sintoma da alienação do professor que vive como objeto da história. Esse professor, ao preocupar-se apenas em ensinar os fundamentos dos esportes sugeridos nas determinações oficiais, muitas vezes deixa de refletir sobre a "relevância social" desse conteúdo. Como objeto da história, o professor pensa que é livre na sua forma de pensar e agir, e não percebe que na maior parte do tempo sua ação pedagógica apenas reflete os interesses de quem o "formou" professor, ou seja, o Estado.

Essa afirmação nos alerta que não existe um Estado neutro, a serviço de toda a população. Mas pelo contrário, entre as teorias que buscam esclarecer a formação do Estado - destacando-se a de Marx (1818-1883) e Engels (1820-1895) - ele aparece como um conjunto de instituições que tem por objetivo assegurar a manutenção do poder nas mãos de um grupo que historicamente apropriou-se do poder. Segundo Engels (1991, p. 199), "a força de coesão da sociedade civilizada é o Estado, que, em todos os períodos típicos, é exclusivamente o Estado da classe dominante e, de qualquer modo, essencialmente uma máquina destinada a reprimir a classe oprimida e explorada". Para esses autores, o Estado, assim como o poder político, são frutos da dominação econômica do homem pelo homem. Serve de instrumento de dominação de uma classe sobre outra, atuando como uma ordem coercitiva.

Entendendo que a escola é uma instituição sob a tutela do Estado, não podemos, em hipótese alguma, pensar que o currículo - vulgarmente entendido como o que um professor ensina a seus alunos em determinada disciplina - é um conjunto neutro de conhecimentos, que aparece nos campos, quadras e salas de aula do país. Pois na verdade, "ele é sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento" (APPLE, 1994, p. 59). Seguindo o mesmo raciocínio, Moreira e Silva (1994, p. 29) nos apresentam, de forma bem clara, um resumo desse contexto quando afirmam que "o currículo, enquanto definição óficial’ daquilo que conta como conhecimento válido e importante, expressa os interesses dos grupos e classes colocados em vantagem em relações de poder".

Da maneira como desenvolvemos nossa reflexão até o momento, nosso intuito é ajudar o professor a abandonar o papel de objeto da história, e assumir o papel de sujeito, superarando seu estado de alienação. Para isso é necessária a adoção de um modo crítico de desenvolver a prática educativa. Ou seja, ao pretender ser sujeito da história, o professor deve compreender-se "como o ser humano que constrói, pedra sobre pedra, o projeto histórico de desenvolvimento de um povo. Um ser, junto com outros, conscientemente, engajado no ‘fazer’ a história" (LUCKESI, 1984, p. 24).

Nesse contexto, quando o professor de educação física passa um bimestre letivo desenvolvendo aulas de fundamentos técnicos de futebol, ou de voleibol, ou ainda, de basquetebol, por exemplo, caberia indagar: Qual a relevância social desse conteúdo para o aluno?

Quando o professor trabalha com as práticas esportivas como conteúdo de suas aulas, ele está garantindo um espaço para a criação cultural ou está apenas transformando os alunos em consumidores de produtos esportivos (materiais e ideológicos)? Esse esporte trabalhado na educação física escolar pode ser um espaço de articulação de movimentos sociais ou é antes um reforço à hegemonia das classes dominantes (BRACHT, 2003)? É uma forma de preparar o indivíduo para a livre expressão de seus sentimentos ou um treinamento para sua inserção em uma sociedade "controlada pelo relógio"?

PROCESSOS POLÍTICOS DA ESCOLA: QUAL O LUGAR DA EDUCAÇÃO FÍSICA?

Questões como essas induzem o professor de educação física a refletir sobre a qualidade de sua contribuição para os processos políticos da escola. Tanto o professor como objeto da história, quanto o professor como sujeito, fazem parte desses "processos políticos". No entanto, sua participação nesses processos não estará isenta de uma opção teórica explícita. Se o próprio professor não fizer conscientemente essa opção, a opção será imposta a ele por "outros", representados pelo sistema de ensino, por exemplo. O fato de não se posicionar, já representa um posicionamento a favor de uma dada situação. Ou seja, conscientemente ou em estado de alienação, o professor faz "uma opção filosófico-política pela opressão ou pela libertação; uma opção por uma teoria do conhecimento norteadora da prática educacional, pela repetição ou pela criação de modos de compreender o mundo" (LUCKESI, 1984, p. 25).
Ao contribuir para os processos políticos da escola, o professor de educação física pode estar prestando um serviço para uma minoria, que oprime e explora, por serem proprietários dos meios de produção social. Ou pode conjuntamente com outros sujeitos, prestar um serviço para uma maioria (explorada e oprimida), ao construir, "em seu agir, um projeto histórico de desenvolvimento do povo, que se traduz e se executa em um projeto pedagógico" (ibid., p. 25).

Na perspectiva de ser sujeito da história e contribuir para os processos políticos da escola, o professor de educação física não pode deixar de levar em consideração que "a introdução da ginástica/educação física na instituição escolar, pode ser analisada como um elemento do processo de disciplinação dos corpos; a construção de um tipo de corpo exigido pela época" (BRACHT, 2003, p. 46). Se o professor não fizer a opção pela libertação do corpo e da mente de seu aluno, libertando-o do jugo do consumismo e da exploração pelo trabalho assalariado, então, suas aulas de educação física serão, nada mais, que um espaço propício para a domesticação do corpo (e da mente). Esse corpo será preparado, aula a aula, para colocar sobre si a "canga" do trabalho alienado, sem esboçar qualquer reação.

A preparação do professor de educação física, no sentido de que ele possa contribuir favoravelmente para os processos políticos da escola, implica em que ele entenda que o sentido por ele atribuído aos conteúdos curriculares, como futebol, ginástica ou atletismo, por exemplo, pode ser diferente do sentido que o aluno agrega a esses mesmos conteúdos. Nesse caso, "tratar desse sentido/significado abrange a compreensão das relações de interdependência que jogo, esporte, ginástica e dança, ou outros temas que venham a compor um programa de educação física, têm com os grandes problemas sócio-políticos atuais" (SOARES et al, 1992, p. 62).

Outra variável de suma importância e que tem sérias implicações políticas ao perpassar as discussões sobre conteúdos para as aulas de educação física escolar é a questão do lazer. Ao observarmos o cotidiano da educação física na escola básica, não temos dificuldade para encontrar professores extremamente preocupados em "propiciar momentos de lazer" aos seus alunos. Muitas vezes a preocupação com o lazer está tão diluída no discurso do professor, que temos a impressão de que lazer e educação física são dois conceitos indissociáveis, onde um não se define sem o outro.

Mas o que significa conduzir uma prática pedagógica tendo como meta o lazer? O lazer, por si só é uma coisa saudável ao aluno? Ou esse lazer pode estar atrelado a processos políticos da escola, e também da sociedade, ignorados pelo professor de educação física?

Não são poucos os que defendem o lazer como um autêntico espaço de liberdade. Mas com que base teórica esses professores afirmam que o lazer representa um espaço de liberdade? Assumindo um papel de objeto da história o professor de educação física fica impossibilitado de entender que o tempo livre do indivíduo, ao invés de objetivar o seu bem estar bio-psico-social, acaba destinado ao consumo dos produtos produzidos pela sociedade industrial. Com isso, o professor se ilude ao achar que o tempo livre existe ou é concedido ao aluno como algo necessário à sua saúde psicossomática. Entretanto, o que seria uma "compensação" acaba tendo como único objetivo a difusão de uma visão de mundo hegemônica (BARBOSA, 2004).

A EDUCAÇÃO FÍSICA E A CONSTRUÇÃO DO PROJETO POLÍTICO DA ESCOLA

Questões como essas, propostas neste trabalho, figuram como o grande desafio para os processos políticos da escola. Pois, pelo que vimos até agora, não nos interessa um processo político qualquer, que sempre estará presente na relação entre educação física e escola. Mas interessa-nos um processo político que supere o senso comum pedagógico da educação física (LIBÂNEO, 1986). Senso comum este, que impede, a uma considerável parcela do professorado de educação física, o questionamento de suas certezas mais profundas. Certezas que foram se formando nas "incertezas de seus antigos mestres", certezas que se formaram no interior da universidade, certezas que se formaram em um "passado como atleta", certezas que se formaram pela pressão da mídia (que insiste em dizer qual o papel do professor de educação física). Certezas, portanto, engendradas pelo senso comum, na medida em que o próprio professor não se identifica como autor dessas "verdades".

Segundo Saviani (1991, p. 89), a contribuição específica que cabe ao professor que assume o papel de sujeito da história "se consubstancia na instrumentalização, isto é, nas ferramentas de caráter histórico, matemático, científico, literário etc, cuja apropriação o professor seja capaz de garantir aos alunos". No entanto, essa contribuição "será tanto mais eficaz, quanto mais o professor for capaz de compreender os vínculos da sua prática com a prática social global". Trazendo para o campo da educação física, não basta apenas fazer o corpo se movimentar durante a aula, pois isso gera um processo político, que em sua essência, interessa apenas aos detentores do poder econômico e político.

Sem abrir mão do movimento corporal, em suas diferentes manifestações culturais, e dos conhecimentos acumulados sobre ele, ao buscar ser sujeito de sua história, o professor poderá vislumbrar a educação física contribuindo para os processos políticos da escola.

Não qualquer contribuição, mas uma contribuição consciente, não alienada, e a serviço da libertação das mentes e dos corpos. Como já vimos neste trabalho, se o professor de educação física não assume criticamente a autoria dos processos políticos gerados por sua prática pedagógica, esses processos continuam a ser gerados, alheios a sua vontade.

Na verdade, o professor de educação física que deseja ser sujeito histórico de um projeto político para a escola, não pode abrir mão de seu direito de pensar e de ser autor de seu próprio fazer docente no interior dessa instituição. A contribuição para os processos políticos, caracterizando-se como um projeto, não visa apenas uma reorganização formal da escola, mas almeja uma qualidade em todo o processo vivido em seu interior. Dessa forma, esse "projeto" político exige de todos os sujeitos do processo (professores, pais, alunos...), "a definição clara do tipo de escola que intentam [...]. Todos deverão definir o tipo de sociedade e o tipo de cidadão que pretendem formar" (VEIGA, 2005, p. 17).

Estando dentro da escola como professor efetivo ou contratado, ministrando aulas "conservadoras" ou "transformadoras", selecionando conteúdos como um autômato ou como um ser reflexivo, a educação física estará sempre contribuindo para os processos políticos da escola. Resta ao professor decidir que tipo de contribuição ele quer deixar para seus alunos e a qualidade do vínculo que estabelecerá com esse processo: autor ou um simples executor. Eis aí o dilema do qual não podemos nos eximir.

Para encerrar nossa discussão, gostaria de remeter-me a um episódio citado em um trabalho anterior (BARBOSA, 2005), onde é relatada a fala de um professor, que após uma palestra exprime seu "espanto" da seguinte forma: "- É a velha questão política da educação física...!". A esse professor, na tentativa de auxiliá-lo na jornada que o conduzirá de objeto a sujeito da história, resta-nos apenas questionar: Existe uma educação física escolar que não seja política? Retomando a discussão travada no início deste trabalho, conscientemente ou não, somos todos seres políticos, enquanto seres sociais que tecem relações de poder. Não existe um modelo de educação ou de educação física marcada pela neutralidade. Se o professor não faz sua opção filosófico-política, tomando as "rédeas" dos processos políticos da escola, quem o fará?

Obs. O autor, professor Dr. Claudio Luis de Alvarenga Barbosa (professorbarbosa@ig.com.br) leciona na UFRRJ

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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