Resumo
O grupo social investigado apresenta uma identidade tradicional-pesqueira, relevada predominantemente na cultura do mangue e ressignificada a partir das relações sociais familiares, laborais e de lazer, também uma identidade negra-quilombola que é legitimada pela autodeclarada desse coletivo como remanescente de quilombos, esta é orientada principalmente pelos vínculos estabelecidos com o território como espaço social. Tais identidades balizam a construção do cotidiano e modificam o habitus comunitário. Perante o exposto, a presente tese teve como objetivo compreender os sentidos e significados das práticas corporais expressas no cotidiano do grupo social constituído pela Comunidade Quilombola do Cumbe. Para tanto, foi produzido um registro das práticas corporais desse grupo social com base na constituição dos seus elementos identitários e uma análise acerca dos modos de construção do seu cotidiano a partir do ritual Festa do Mangue do Cumbe. Ademais, foi elaborada uma análise das práticas corporais como mecanismos de resistência cultural do corpo pesqueiro-quilombola no âmbito do ritual “Cumê no Mato” e do teatro dos Calungas do Cumbe. A pesquisa empreendida consistiu em um estudo de caso com abordagem qualitativa, retratada no texto de orientação etnográfica, elaborado conforme a perspectiva teórico-metodológica da sociologia da vida cotidiana. A observação participante e a entrevista compreensiva foram usadas como procedimentos de obtenção de informações de campo, além das conversas informais. Os representantes da Associação Comunitária do Cumbe, as lideranças comunitárias e os atores sociais praticantes ou conhecedores das práticas corporais atuaram como participantes da pesquisa. Conforme a análise realizada: (i). as práticas corporais expressam uma tradição que assume um sentido lúdico e festivo; (ii). a Festa do Mangue do Cumbe consiste em um ritual visto como um evento de cunho político e uma celebração intercomunitária a qual assume um sentido de diversão integrada à luta pelo território livre. Essa festa reclama um sentido de lazer comunitário que acontece em espaços reconhecidos socialmente como tradicionais pelo grupo social; (iii). o corpo pesqueiro-quilombola se manifesta e torna visível as identidades tradicional-pesqueira e negra-quilombola ao ressignificar e reinventar as suas práticas corporais, idem ao reivindicar e reafirmar os seus direitos (sociais territoriais e culturais) por meio das práticas corporais tradicionais, percebidas como formas de resistência cultural; (iv). O “Cumê no mato” pertence ao habitus comunitário e transpõe o tempo ao passo que se ancora na tradição de ir ao rio. Este ritual é ressignificado cotidianamente, haja vista a brincadeira da pescaria e do banho no rio que lhe conferem um sentido de tradição. Enquanto a dança e os cuidados com o corpo lhe atribuem um sentido de tradição reinventada. As práticas corporais presentes no “Cumê no Mato” são interpretadas como mecanismos de resistência, mudança e reinvenção cultural ao passo que essas saem de uma invisibilidade social, no âmbito da sociedade brasileira.