Resumo
No decorrer da história, o esporte tem sido utilizado como meio ou ferramenta de educação em valores, com o discurso reiterado de que pode ser capaz de propor transformações positivas na vida de crianças e adolescentes. No mundo contemporâneo, uma série de iniciativas de intervenção social se utiliza do esporte como ferramenta para alcançar a inclusão social, a prevenção de delitos, entre outros objetivos sociais. Scheila Antunes (2018) definiu estas iniciativas de intervenção social como Projetos Esportivos de Caráter Social (PECS). Segundo esta pesquisadora, os PECS podem ser definidos como aqueles empreendimentos de organizações não-específicas da assistência social, que têm na oferta de uma ou mais modalidades esportivas, a principal estratégia de ação para transformar uma parcela da realidade, diminuindo ou eliminando um déficit, ou solucionando um problema social. Neste contexto, alguns projetos têm adotado os valores do Movimento Olímpico como referência para o desenvolvimento de seus objetivos ou mesmo operacionalizações didático-pedagógicas do ensino de valores olímpicos. Essas operacionalizações são genericamente conhecidas como educação olímpica. Todavia, revisões como as de Stegeman e Janssens (2004) na Holanda, Bailey (2005) no Reino Unido, e o estudo de Scheila Antunes (2018) no Brasil apontam para a existência de resultados contraditórios, limitações metodológicas e, portanto, a carência de evidências conclusivas sobre uma relação de causalidade estabelecida entre a prática de esportes, a inclusão social e/ou comportamento pró-social. Desta forma, seriam necessários novos estudos em projetos sociais que investiguem as relações entre a educação olímpica e seus benefícios pró-sociais. Objetivo: Este estudo tem como objetivo identificar, descrever e analisar as avaliações e os significados que os egressos de Projeto Esportivo de Caráter Social (PECS) atribuem à educação olímpica como orientação pedagógica em relação a seu quadro axiológico e verificar indícios de inclusão social dos participantes. A presente tese inaugura uma perquirição entre as relações existentes ente projetos/programas sociais, a educação olímpica e a inclusão social, tendo como recorte, a Estação Conhecimento (núcleo ES) por ser um programa de educação olímpica certificado pelo Comitê Brasileiro Pierre de Coubertin. Existem outros projetos certificados ao redor do mundo, mas na América Latina, estão restritos somente ao Brasil e apenas a Fundação Tênis (RS e SP) e a Estação Conhecimento (ES). Questão de pesquisa: A participação em programa esportivo social de educação olímpica influenciou a inclusão social de crianças e adolescentes que foram expostos às práticas de seu currículo? Quais são os significados dessa participação para os egressos dos programas analisados? Metodologia: A metodologia adotada é a de multimétodo explicitando a cada capítulo (modelo aproximado ao escandinavo) os caminhos metodológicos assumidos para a aproximação com as questões de pesquisa, essa forma buscou compreender o fenômeno da relação entre o projeto esportivo de caráter social (PECS), os temas educacionais do olimpismo, e os significados percebidos pelos seus ex-participantes. A pesquisa de tipo ex-post facto, se propõe a analisar o resultado da coleta de dados quantitativos utilizando-se da técnica de questionário com perguntas abertas e fechadas, e análise estatística descritiva e de inferência. Posteriormente, os relacionará com os dados qualitativos das narrativas obtidas nas perguntas abertas do questionário. E a partir das categorias a posteriori obtidas nesta etapa, recorrer à condução de um Grupo Focal para esclarecimento de novas dúvidas surgidas. A Estação Conhecimento forneceu o contato de 42 egressos, sendo que 38 participaram da fase de questões abertas e fechadas. E sete (7) participaram do Grupo Focal que buscou o esclarecimento dos indícios levantados nas etapas anteriores, sob o olhar da semiótica Peirceana (2003). Foram levantados indícios no sentido da dedução, do índice, da teoria semiótica de Charles Sanders Peirce (2003) - que podem se relacionar com as quatro dimensões da inclusão social sistematizadas por Richard Bailey (2005). Buscou-se entender o discurso dos egressos e as respectivas transformações reais confirmadas em suas trajetórias de vida. Apesar da afirmação feita pela pesquisadora especialista em temas educacionais do olimpismo, Deanna Binder (2012), de que o legado da educação olímpica deveria ser uma ponte entre a busca pela excelência dos atletas de elite, e a busca pelos sonhos de uma criança; a inclusão social só seria efetiva a partir da realização de parte desses sonhos em suas trajetórias de vida, justificando o argumento do esporte, da educação olímpica e do programa social como modificadores de realidades sociais. Resultados: Após serem avaliados os cruzamentos entre cada uma das caracterizações (gênero, etnia, classe social, modalidade esportiva e tempo no programa) e as assertivas do estudo, observou-se que o gênero foi significativo em relação às habilidades e capacidades para a vida - questão 16 (p-valor=0,05). A etnia e a modalidade esportiva que participou não demonstraram ter influência como caracterização com nenhuma das assertivas, apesar da renda ter sido significativa na relação com etnia na questão 7. A renda foi significativa nas questões: 6 relações entre gêneros (p-valor=0,03), 7 relações entre etnias (p-valor =0,05), 14 auto-organização e disciplina (p-valor=0,03), 16 - habilidades e capacidades para a vida (p-valor =0,03), 19 decisões comunitárias (p-valor=0,01) e 20 liderança comunitária (p-valor=0,08). E o tempo de participação no programa foi influente nas questões: 12 aprender coisas novas (p-valor=0,05), 16 habilidades e capacidades para a vida (p-valor=0,02) e 17 capacidades de decisão (p-valor=0,02). Considerações Finais: Pode-se perceber que há indícios semióticos, de significado produzido pelos egressos, que houve mudanças maiores ou menores, mas percebidas como positivas por todos, nas quatro dimensões da inclusão social através do esporte que é utilizada como referência teórica da presente tese. Apesar da contradição inicial dos critérios de entrada, a partir das descrições do grupo focal, pode-se alegar que havia pessoas com uma distância social e econômica em momentos históricos distintos, e que a relação diária entre eles, através das vivências esportivas e de convivência, possibilitou a construção de ampliação do entendimento entre os envolvidos no processo. Outro ponto da dimensão espacial é a percepção que os que participantes do grupo focal, na sua grande maioria, conseguiu a construção de oportunidade de crescimento econômico direta, através da escolarização e atual profissão docente. Todos dizendo que as vivências ali foram fundamentais para essa decisão. Outros alegaram que ainda há a possibilidade de renda extra através da arbitragem que realizam, oportunidade essa construída também dentro da Estação Conhecimento. Outra questão econômica apresentada, se refere ao passado, enquanto crianças e adolescentes que recebiam diretamente roupas, alimentação e participavam de viagens, que diante da realidade que viviam, seria impraticável conseguir com a mesma qualidade. A unanimidade produzida pela dimensão relacional conduziu o fio da meada durante todos os outros pontos de inclusão social percebida, demonstrando que o processo comunicativo pensado pela semiótica pode ser um caminho interessante para a análise tanto da educação, como o da transformação social. A apresentação de qualidades, atitudes, ferramentas emocionais e habilidades, representada pela dimensão funcional, muitas vezes é encarada com uma posição crítica. Entretanto, elementos como a competição que foi apresentada por Carr como a possibilidade de encarnar no esporte por um viés negativo, foi significada como positiva pelos egressos, como forma de desenvolver auto-organização e qualidades emocionais que os fizeram superar barreiras em outras partes de suas vidas pessoais. A disciplina, também muitas vezes tida como uma possibilidade de doutrinação ou domesticação, também demonstrou ser encarada como positiva no processo de atribuição de significados pelos egressos. Eles devem a disciplina e a determinação, a possibilidade de superar as dificuldades que surgiram em suas realidades. Por fim, apesar de alguns não se reconhecerem como líderes, a maioria dos depoimentos aponta que as vivências no programa, e a transformação de crianças e adolescentes comuns, para atletas da Estação, proporcionou o reconhecimento na comunidade onde viviam, os tornando referência e proporcionando possibilidades tanto de liderança como na melhoria da capacidade nas decisões que tomariam na vida a partir daquele momento, entretanto, não é possível extrapolar os resultados encontrados para a existência de um grande impacto social de alteração do lócus de poder comunitário.