Resumo
O esporte se apresenta como um campo, ainda, bastante normatizador no que diz respeito ao gênero, e permanece, muitas vezes, pautado no binarismo homem/mulher para justificar, a partir dos argumentos de cunho hierarquizante e biologizante, tais binarismos. De todo modo, ainda que de forma lenta, rupturas começaram a ser observadas no âmbito das práticas corporais e esportivas, desconstruindo os modelos naturalizados que dicotomizam e colocam em oposição corpos masculinos e femininos, como foi o caso da Superliga Feminina de Voleibol 2017/2018. Pela primeira vez na história deste campeonato, Tifanny Abreu, uma jogadora transexual, foi incorporada a um time composto por mulheres “cis” – o Vôlei Bauru – na disputa do título. Tendo em vista a recente e pioneira incorporação de Tifanny em um campeonato nacional, de grande expressão midiática e que atrai expectadores de todo o mundo, este estudo buscou analisar enunciações de artefatos culturais produzidos pela mídia esportiva, à luz dos estudos de gênero pós-estruturalistas - com destaque para a noção de performatividade - sobre a participação de Tifanny Abreu nos jogos da Superliga de Voleibol 2017/2018, bem como discutir como artefatos culturais veiculados durante a Superliga 2017/2018 performatizaram enunciações sobre sentidos do feminino; e problematizar como questões de gênero e sexualidade repetem/deslocam sentidos dentro desses artefatos culturais. Buscamos responder as seguintes questões problema: como a mídia esportiva performatizou enunciações sobre Tifanny Abreu em artefatos culturais veiculados durante a Superliga Feminina de 2017/2018?; como sentidos do feminino foram performatizados nas enunciações produzidas pela mídia esportiva em artefatos culturais que versavam sobre a participação de Tifanny Abreu na Superliga?; e como as questões de gênero e sexualidade repetem/deslocam sentidos dentro do esporte e da mídia? Como base teórica, nos pautamos na noção de desconstrução, de Jacques Derrida, e nos estudos de Judith Butler e Paul B. Preciado. Foram analisados 126 artefatos culturais (destes, 14 são estrangeiros) que mencionaram a participação de Tifanny Abreu na Superliga Feminina de Voleibol 2017/2018 através da proposta dos estudos pós-estruturalistas dos autores supracitados. Ao considerar que linguagem, ao ser repetida, tem a capacidade de produzir efeitos de realidade e que os artefatos culturais são uma poderosa linguagem que participa da criação dos sentidos sociais, a metodologia se construiu com a própria teorização em que a pesquisa está pautada e, desse modo, ousou-se nomear como interpretação de informações as estratégias e descrição de análise dos artefatos culturais. Foi arbitrada uma divisão entre reportagens que apresentam como uma força maior a repetição de discursos contrários à participação da atleta transexual no voleibol feminino e reportagens que potencializam deslocamentos sobre Tifanny Abreu na superliga feminina. Podemos inferir que as enunciações analisadas ora reiteram preconceitos, ora trazem ressignificações e deslocamentos às normatizações de gênero e sexualidade. Essa dualidade, apresentada de modo imbricado, parece-nos dizer que os artefatos midiáticos produzem sentidos que estão em uma constante disputa política, e que essa disputa é paradoxal, difusa, complexa e ubíqua, de impossível dissolução.