Escolas Públicas de Qualidade: Experiências da Prática de Ensino
Por Juliana Santos Costa (Autor).
Em XI EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
INTRODUÇÃO
A oferta e a qualidade da educação brasileira tem sido alvo de notícias da mídia com freqüência nos últimos anos. Noticiários abordando má qualidade do ensino falta de professores e funcionários, recursos financeiros restritos, estrutura inadequada para realização das aulas e aprovação automática são alguns exemplos que retratam a educação de nosso país.
Com essas informações e com receio no que estava por nos esperar, no início do ano corrente, um grupo de licenciando em Educação Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), iniciou a prática de ensino em uma escola da rede municipal do Rio de Janeiro.
As disciplinas Prática de Ensino e Didática Especial compõem o currículo e são realizadas em dois momentos: I) no primeiro semestre e II) no segundo semestre de 2007. Dessa forma, estamos no segundo e último momento, motivo pelo qual nos possibilitou um período de vivências significativas para aumentarmos nossas dúvidas, esclarecermos outras e justificar nossas experiências aqui descritas.
Ao nos apresentarmos na escola municipal, localizada no bairro Méier, onde o estágio está sendo realizado, estávamos com certos medos, pois a maioria do grupo vivenciou o ensino fundamental e o médio em instituições privadas, não tendo contato com as públicas.
Ainda que, o curso superior que estamos matriculados habilite em licenciatura, as disciplinas cursadas durante a formação não costumavam abordar temáticas escolares e quando faziam as referências tendiam para as particulares.
Durante o estágio em que acompanhamos turmas principalmente de Educação Infantil, foi solicitado pela professora regente, a visita em outras escolas, públicas e/ou privadas, para podermos ampliar nossas experiências e concepções acerca da organização e funcionamento escolar. Com isso, tivemos a oportunidade de nos aproximarmos de outras instituições. A selecionada, neste trabalho, foi outra escola da rede municipal do Rio de Janeiro, situada em um bairro diferente, Jacarepaguá.
Sendo assim, este trabalho buscou relatar vivências e observações realizadas em duas escolas da rede municipal do Rio de Janeiro, ambiente novo para nós. As descrições foram realizadas desde a infra-estrutura das escolas até o andamento das aulas de Educação Física. As experiências aqui relatadas podem servir como esclarecimentos para aqueles que não estão inseridos na rede municipal e assim, desejam.
CONHECENDO AS ESCOLAS
A escola onde realizamos o estágio estaremos nos referindo como I, e a escola visitada como II. A escola I é localizada em uma rua próxima a três comunidades carentes, portando seu público é oriundo desta região. Atende a Educação Infantil e ao Ensino Fundamental.
A escola II localiza-se dentro de um condomínio fechado, cujos moradores são de classe média, é uma escola que só atende educação infantil. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) número 9394/96, art.11: "Os Municípios se incumbir-se-ão de oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental...".(p.12).
No início do ano as escolas fazem uma reunião com os responsáveis, com intuito de conhecê-los e informar dados importantes. Preenchem formulários que contêm informações sobre a criança, por exemplo, o nome do pai, o nome da mãe, onde mora, quem ficará responsável por buscar a criança. Essa prática está baseado nas solicitações da LDB número 9394/96, art.12 onde prevê para os estabelecimentos de ensino a incumbência de: "articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola; e informar os pais e responsáveis sobre a freqüência e o rendimento dos alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica",
O planejamento deve ser realizado no início do ano letivo, e constitui-se num momento privilegiado para a reflexão coletiva sobre as ações educacionais e de integração da equipe de trabalho. É quando se pode analisar o que foi desenvolvido até a presente data e então, traçar metas para a atuação da escola, quanto à formação dos nossos alunos, e a transformação da realidade. (Gandin,1999)
Ambas as escolas possuem Projeto Político Pedagógico (PPP), entendido por nós como prática social que consiste na produção das ações dos educadores no cotidiano escolar. Ações essas que se expressam como escolhas alternativas das tensões e contradições apresentadas no dia-a-dia da vida escolar. Segundo Kruppa, o planejamento "é fruto de uma ação coletiva, que explicita as tensões entre os grupos envolvidos". (1994, p.137)
Embora, observarmos que ao longo dos últimos anos, o planejamento escolar vem sofrendo um desgaste, culminando numa situação de descrédito e burocratização desta atividade, gerando uma situação na qual os professores e diretorias não se comprometem em tal elaboração, foi possível verificar que as escolas deste trabalho se comprometem elaborando os seus.
A escola I possui um PPP cujo tema é "Criar e transformar o cidadão brasileiro" e o sub-projeto é "Terra, seus recursos humanos e naturais". O PPP é construído pelos professores, serventes, alunos e pais no início do ano, no mês de fevereiro e seguido durante todo ano. De acordo com a coordenadora é elaborado baseado nos PCNs, na LDB, na Constituição Federal, na Lei Orgânica, na Legislação da Secretaria e na consulta a comunidade. Aos professores de cada disciplina é solicitado que elaborem um planejamento trimestralmente.
O PPP vai para a coordenaria regional de educação (CRE) e o planejamento das professoras fica arquivado na escola. Os professores têm acesso ao PPP e procuram contempla-lo em seus planejamentos.
A escola II possui um projeto político pedagógico cujo tema é "Vamos ler na escola". Segundo a coordenadora pedagógica, a palavra LER significa não só saber ler, mas também ter uma leitura do mundo como um todo. Esse projeto muda de acordo com a necessidade da escola. É feito pela equipe da direção, pelas funcionárias que se encontram na escola no momento em que está sendo feito e, além disso, com a participação dos próprios pais, através do Conselho Escola Comunidade (CEC). Devido à participação dos pais o projeto foi modificado duas vezes. As professoras têm acesso a esse projeto e elas o seguem na medida do possível.
As escolas apresentam seus quadros de funcionários completos dentro da designação do Município, e é composto por diretor, diretor adjunto, professores PI e PII, coordenação pedagógica, merendeiras e serventes. A escola I apresenta 65 funcionários e atende a 949 alunos, sendo 146 só da educação infantil e a II são 27 funcionários e atende a 291 alunos, sendo que o máximo permitido são 300.
Pautada na LDB 9394/96 artigo 26, onde assegura as aulas de Educação Física: "A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação básica...", as escolas I e II oferecem suas aulas de educação física, para todas as turmas, ministrada duas vezes por semana com tempo de 50 minutos cada.
As escolas possuem sala de leitura, parquinho e sala de vídeo. Nenhuma é estruturada com laboratório de informática, porém na escola II existem três computadores as salas para uso exclusivamente dos alunos.
As escolas possuem banheiros compatíveis aos seus atendimentos, porém o que se observa, é que a escola II tem os mesmos mais conservados e limpos. A escola I possui quatorze salas de aula, sendo três destinadas a Educação Infantil. A escola II possui seis salas de aula ocupadas por turmas de cinco e quatro anos de idade.
Em relação as salas de aula da Educação Infantil, ambas as escolas possuem brinquedos em bom estado, televisão, vídeo, quadro, acessórios para pendurar as mochilas, quadro de chamadinha e de aniversariantes do mês, filtro, ventiladores de teto, som, televisão, vídeo, Dvd e varal (para prender os trabalhinhos até secarem). A escola II apresenta ainda, quadro de calendário, de cantinho de leitura, quadro branco, casinha, quarto e sala de boneca, relógio de parede e cardápio da semana. E a escola I, piscina de bolas e um auditório.
Tudo bem arrumadinho e pintadinho. As escolas possuem um pátio muito amplo para brincar, um parquinho com brinquedos em bom estado e uma quadra.
As escolas disponibilizam merenda a seus alunos diariamente que costumam ser bem preparadas e nutritivas. Segundo Kruppa, "a merenda escolar entra na escola apoiada nos fundamentos da teoria do déficit cultural, que afirma a interferência do fator nutricional como agravante da deficiência escolar existente nas camadas de nível sócio-econômico mais baixo".(1994, p.130)
O Instituto Annes Dias é responsável pela merenda na rede municipal do Rio de Janeiro. Envolve nutricionista e assistente social e tem como função planejar, organizar e distribuir o cardápio para as escolas. O cardápio varia dependendo do dia da semana. Cada CRE começa numa semana já que são quatro semanas identificadas por letras A, B, C e D. Isso faz com que o sistema não fique sobrecarregado. Além da refeição oferecida na hora do recreio, o copo de leite também é servido exclusivamente para as crianças da E.I, na entrada. A escola II, disponibiliza também suco ou leite e biscoito ou pão, entre o leitinho e a refeição.
Na escola II, toda criança possui um caderninho de recados, que funciona como veículo principal de comunicação entre a escola e a família. Um projeto que é desenvolvido nessa escola, acontece a cada quinze dias os(as) alunos(as) escolhem um livro e levam para casa. São levados 150 livros por semana. Os responsáveis ficam incumbidos de ler a historinha. Após a leitura, são feitos desenhos.
Cada aluno tem o seu registro elaborado pela professora regente e no dia do conselho de classe (COC), os responsáveis tomam ciência do que está acontecendo com o aluno e discutem com as professoras a possível solução. Todos os responsáveis assinam e datam o registro. Se por ventura a direção detectar que o responsável não está tomando nenhuma providência, o conselho tutelar pode ser acionado.
Na escola II, a cada dois anos acontece eleições do Greminho, onde cada criança fala a sua a qualidade e o por que de ser escolhida. Quem ganha as eleições fica sendo ajudante da professora, fazendo o papel de representante de turma.
E AS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA?
Tanto a escola I quanto a II, possuem bolas, cones, bambolês em bom estado, além de terem a sua disposição, materiais como cordas, colchonetes, jogos, brinquedos doados pela comunidade e livros de histórias. A quadra da escola I é uma quadra poliesportiva inaugurada no início do ano, já a escola II, não possui quadra, a aula de educação física é ministrada num espaço aberto e de cimento ao lado das salas.
O estágio que realizamos na escola I, acontece nas turmas de E.I, ano inicial e intermediário do 1º ciclo. A observação na escola II foi na E.I, justamente o público pelo qual a escola atende.
Como prática da rede municipal, de 15 em 15 dias é realizado o CE, centro de estudos, momento destinado à reunião com a equipe pedagógica e as professoras, onde são relatadas as experiências, propostas de mudança e o planejamento, que deve acontecer de forma trimestral, na escola I e semanal na escola II..
A escola I apresenta quatro professoras de educação física em seu quadro, no entanto, neste trabalho estaremos nos remetendo somente a uma delas, a que ministra as aulas pelas quais participamos do estágio. A escola II possui duas professoras de educação física.
A professora da escola I concluiu grau em 1999, e trabalha nessa escola há 3 anos. Ela tem acesso ao PPP, costuma utilizá-lo em seus planejamentos e se baseia, sobretudo, na tendência crítico-superadora na construção das aulas. Essa tendência levanta questões de poder, interesse, esforço e contestação, valorizando a contextualização dos fatos e do resgate histórico. Esta percepção possibilita a compreensão, por parte do aluno, de que a produção da humanidade expressa uma determinada fase e que houve mudanças ao longo do tempo.
A professora costuma avaliar seus alunos de forma diagnóstica, processual e contínua, a fim de estimular diversas vivências e levantar possíveis dificuldades para superá-las. Em relação as aulas ministradas, foram observadas e discutidas semanalmente, devido ao estágio. As atividades costumam ser variadas com e sem material e visam possibilitar as crianças a descoberta, a criatividade, o auto conhecimento e a interação com o meio. As propostas não costumam ser impostas e as regras são adaptadas conforme a necessidade.
No mês de agosto, aproveitando a temática do PPP, a professora trabalhou histórias do folclore brasileiro. Como exemplo, no início da aula, contava uma história que se desdobrava utilizando os personagens com brincadeiras como piques, imitar o personagem e criar outros e saltar.
A professora da escola II, concluiu grau em 2002, e trabalha nessa escola há apenas dois meses. A avaliação dos alunos é feita semanalmente observando a parte motora de acordo com a idade, à parte de socialização entre eles e a personalidade de cada aluno. Não se baseia em uma única tendência pedagógica. A professora participa de reuniões, conselho de classe. Tem acesso ao projeto político pedagógico e afirma trabalhar o projeto sempre, porque o seu planejamento é semanal. Embora não tenha sido relatado pela professora, identificamos a proposta das aulas ligada, sobretudo, a tendência desenvolvimentista. Essa tendência é dirigida especificamente para crianças de quatro a quatorze anos. É uma tentativa de caracterizar a progressão normal do crescimento físico, do desenvolvimento fisiológico, motor, cognitivo e afetivo-social, na aprendizagem motora e, em função destas características, sugerir aspectos ou elementos relevantes para a estruturação da Educação Física Escolar. O movimento é o principal meio e fim da Educação Física. (TANI et all, 1988)
Em relação às aulas propriamente ditas, por ter somente observado somente um dia na escola II, as análises serão superficiais. As aulas contavam sempre com poucas crianças, a maior turma tinha 20 alunos entre meninos e meninas. Devido a proximidade dos jogos Pan- Americanos, a professora fez um trabalho relacionando com o Pan, através de atividades que lembrariam as modalidades existentes nos jogos. No início das aulas, a professora mostrou uma revista sobre o Pan e começou a fazer perguntas sobre a figura que estava mostrando. Depois, propôs um pique na quadra. E por último, passou um educativo de vôlei. O amigo escolhia outro amigo para praticar o educativo. Cada dupla tinha uma bola. Em uma distância razoável, um jogava a bola para o outro, que por sua vez, tinha que agarrar sem deixar cair no chão.
CONCLUSÕES PRELIMINARES
Apesar do estágio ainda não ter sido concluído, as impressões causadas pelas informações, sobretudo, da mídia, não fazem mais parte dos nossos pensamentos e angústias. De fato, observamos carências no interior das escolas, principalmente a escola I, porém não há necessidade de generalizar esta situação. Esses seis meses de vivência na escola municipal, nos mostrou que é possível realizar um bom trabalho com nossos alunos.
Vale ressaltar que a escola municipal II, tem condições muito superiores em relação a estrutura, organização e vivências comparando à escola atual em que fazemos estágio. É uma escola arrumada e visivelmente em perfeito estado. Segundo a coordenadora pedagógica da escola, é difícil manter a escola nesse "perfeito" estado porque a verba destinada é pouca, complemente afirmando que o estado em que se encontra a escola é mérito total dos pais que estão sempre trabalhando em conjunto com a coordenação. Sem a ajuda deles, seríamos incapazes de manter a escola nesse estado.
A escola I, apesar da mesma rede de ensino, apresenta limitações para seu melhor andamento. Ainda não conseguiu mobilizar a comunidade com tamanha participação e envolvimento na melhora da instituição. O seu tamanho e seu público, também apontamos com fatores de restrição.
Embora a estrutura da escola II seja superior a escola I, destacamos as propostas das aulas de educação física mais adequadas na escola I. Suas propostas contemplam a formação de um cidadão mais crítico e reflexivo a partir das aulas de educação física.
Desde a nossa visita ficamos nos questionamos de como pode ocorrer uma discrepância de uma escola municipal para outra se as duas são da mesma rede de ensino.
É impossível descrever a nossa alegria e satisfação em ter a chance de visitar uma escola que poucas pessoas tem o privilégio de ter acessso e dificilmente acreditamos que exista.
Enfim, depois desse trabalho e as visitas feitas, temos certeza de que queremos trabalhar com crianças nas escolas públicas. Queremos ser educadores contribuindo para a educação de qualidade. Sei que nem tudo é perfeito, mas se cada um de nós fizermos um pouquinho para ajudar, a educação será melhor.
Obs. As autoras, professora Ms. Juliana Santos Costa (ju77costa@yahoo.com.br) leciona na UFRJ e na Rede Municipal de Educação, as acadêmicas Amanda Nunes Siston (amanda_ufrj@hotmail.com) e Bruna Belisário de Amorim (brunaspiceg@hotmail.com) cursam educação física na UFRJ
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- Brasil. Lei Diretrizes e Bases da Educação. Rio de Janeiro - Secretaria do Estado de Ensino - 1996Coletivo de autores. Metodologia do ensino da educação física. São Paulo: Cortez, 1992.
- Darido, SurayaC. & Rangel, Conceição I. Educação Física na Escola: Implicações para a prática pedagógica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.
- Gandin, D. & Gandin, L.A. Temas para um projeto político pedagógico. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
- Kruppa, S. M. P. Sociologia da educação. São Paulo: Cortez,1994.