Integra

Introdução

Este texto tem por escopo socializar o projeto (iniciado em 2003/2, porém sempre em construção) de Estágio Supervisionado Escolar da Faculdade Salesiana de Vitória/ES (ESE/FSV) e a intervenção realizada junto às escolas de educação básica da rede municipal de Vitória/ES. Também intenta possibilitar o debate em torno da mesma, explicitando as contradições entre o proposto/escrito/dito e o efetivamente realizado no cotidiano das aulas, assim como estabelecer um espaço de críticas/sugestões.

Justifica-se pela necessidade de sistematização e acompanhamento da práxis pedagógica realizada nas escolas de atuação do ESE/FSV, pela permanente preocupação com a formação continuada do quadro de professores/as e também pela troca de experiências entre professores/as que lidam cotidianamente com a difícil tarefa de criar alternativas de estágio que melhor qualifiquem alunos/as em formação universitária.

Antes, porém, de iniciá-la, consideramos de suma importância registrar que nossa proposta de intervenção se baseou na experiência de Estágio Supervisionado do Centro de Educação Física e Desportos da UFES (CEFD/UFES), da qual participamos, ora como professoras ora como alunos/as, durante a década de 1990 (cf. Ferreira e Ventorim, 1999). Feitas as devidas ressalvas, passaremos sumariamente a expor nosso projeto de estágio e a intervenção que vimos realizando junto às escolas da rede de educação da Prefeitura Municipal de Vitória (PMV), a fim de refletir sobre a questão central, qual seja, os limites e as possibilidades deste projeto de estágio supervisionado em implantação numa faculdade particular no município de Vitória/ES.

O projeto de estágio supervisionado da fsv

O projeto de Estágio Supervisionado mantém a perspectiva de formação de professores/as apontada pelo Projeto de Curso no qual o/a professor/a atuará tanto no espaço escolar como não escolar, tendo como objetivo formar profissionais de Educação Física com perfil generalista, com proficiência técnica, pedagógica e crítica para atuar como agente transformador e motivador da prática consciente da Educação Física e, cuja base de identificação é "Ser Educador/a".

Diante das normas do MEC (Resolução CNE/CP 2/2002) que ampliava o número de horas do estágio curricular escolar, de 300 para 800h, o Curso de Educação Física da FSV optou (em vias de adequação, iniciada em 2003/2) por atuar com as 600h de prática de ensino/estágio supervisionado escolar, de modo que o estágio não-escolar ocorre com 200h, tendo o acompanhamento da Supervisão de Estágio.

O ESE/FSV, foco de nossa apresentação, refere-se ao conjunto de estágios efetuado pelos discentes, em disciplinas específicas, constituinte da estrutura curricular do curso de Educação Física e cujo cumprimento é imprescindível para a obtenção do diploma de Licenciatura em Educação Física.

A Prática de Ensino/Estágio Supervisionado escolar com a carga horária de 600 horas, ocorre como segue: 300h acontecem durante todo curso em diversas disciplinas que atuam com pelo menos 20% de suas horas com Prática de Ensino - definido como Estágio Supervisionado Curricular Observacional; as demais 300h acontecem especificamente durante o 7° (Estágio Supervisionado Escolar I/ESE I) e 8º (Estágio Supervisionado Escolar II/ESE II) períodos, respectivamente, com 90 e 210h, com atuação em escolas de educação básica. Iniciamos com três professores/as no ESE I, ampliando para cinco quando do início do ESE II, a fim de manter dez alunos/as sob supervisão de cada professor/a. Mantém-se ainda uma coordenação de estágio específica para o curso de Educação Física.

O Projeto de Curso de Educação Física da FSV (2002), conceituando o estágio em ambiente escolar, entende o espaço/tempo da escola como um momento privilegiado e fundamental para a formação de pessoas comprometidas com a vida, já que possibilita uma gama de intervenções sociais alternativas. Enfim, o saber da Educação Física tem um tempo específico, que é esse tempo em que as pessoas passam/vivem na escola. O Estágio Supervisionado Escolar ganha assim uma importância maior no curso de Licenciatura, sendo aqui adotado como eixo norteador e tratado como um espaço/tempo de ação-reflexão-ação da prática educacional. Nesse sentido, torna-se imprescindível que o estágio tenha um projeto de intervenção na realidade escolar que esteja em plena consonância com o Projeto Político Pedagógico (o escrito, o dito e o feito) da escola campo de estágio, de forma que possibilite a superação da relação utilitarista geralmente existente entre a Instituição de Ensino Superior (IES) e as escolas, cujos espaços são tratados como "laboratórios" de aprendizagem daquelas, mesmo quando o estágio seja realizado na escola e não nas turmas escolhidas para as aulas.

Nesta perspectiva, busca-se que tanto a escola quanto a IES, cada qual com suas especificidades, enfrentem os problemas da rede pública de ensino, produzindo e democratizando conhecimento/s. De um lado a IES propondo o redimensionamento da formação de professores/as e de outro a escola, que passa a contar com outros instrumentos de reflexão sobre os limites, possibilidades e responsabilidades sobre a ação educativa, oferecendo simultaneamente, a partir do seu cotidiano, questões desafiadoras às mais diversas formulações acadêmicas.

Busca-se ainda a superação da problemática relação dicotômica existente entre as disciplinas pedagógicas e as disciplinas específicas dos cursos e uma aproximação entre as disciplinas pedagógicas e específicas, e fundamentalmente um trabalho coletivo dos/as educadores/as responsáveis pelas disciplinas Didática e Prática de Ensino/Estágio Supervisionado (Vaz, Sayão e Pinto, 2002).

Tornou-se, enfim, imprescindível e coerente organizar e estruturar o estágio curricular supervisionado por meio de um projeto educacional capaz de atender as expectativas da IES, dos graduandos, da escola, dos alunos e da comunidade escolar como um todo. Nesse projeto buscamos considerar que o aprendizado do/a aluno/a, na preparação para a vida profissional como educador/a, fosse orientado tanto pelos/as profissionais da FSV como também pelos/as profissionais que atuam nas escolas campos de estágio, especificamente pelos/as professores/as de Educação Física. Sendo que de forma mais ampla pode ser orientado também por professores/as de outras disciplinas, por funcionários/as, por pais e mães e pelo corpo técnico administrativo que, no transcorrer do estágio supervisionado são co-orientadores/supervisores no processo de aprendizagem do/a aluno/a em formação. O que se busca construir é um Estágio Supervisionado como momento privilegiado no Curso de Licenciatura, que contribua para a construção de conhecimentos inerentes ao processo ensino-aprendizagem, no qual o/a aluno/a e o/a professor/a estarão trocando experiências profissionais com toda a comunidade escolar das escolas campos de estágio.

Estágio supervisionado escolar da fsv: o cotidiano

Por meio das disciplinas ESE I e II, a FSV estabeleceu convênio com sete escolas públicas da rede de educação da PMV, exclusivamente do ensino fundamental e no seu entorno. Embora tenhamos objetivado também o ensino médio e as escolas da rede estadual, ainda não tivemos condições de ampliar tal relação, em função da precocidade do projeto e as demandas diversas que são exigidas durante tal implantação. Atualmente oito professores/as colaboram conosco diretamente nessas escolas, compartilhando os espaços/tempos pedagógicos sob a responsabilidade deles (e nossa!) e co-orientando nossos alunos/as. São 90 alunos/as envolvidos/as nas duas disciplinas nos turnos matutino e noturno, atuando, em sua maioria, em duplas.

Conforme relatos gerais dos próprios professores/as das escolas-campo de estágio, em reuniões formais e informais, tal relação tem sido importante para a escola, professores/as e alunos/as da escola. Segundo eles/as, por meio do estágio está sendo possível experimentar novos conteúdos e estratégias de ensino e refletir/repensar juntos a própria educação física no contexto da escola, da sociedade, das políticas públicas, etc. O enfrentamento conjunto da problemática da educação/educação física na escola pública noturna também tem sido ressaltado como aspecto positivo da co-laboração. Por outro lado, alguns apontam que atualmente nem todos/as envolvidos/as na/com a escola têm conhecimento ou clareza da/s proposta/s (embora percebam "alterações" visíveis no cotidiano da escola), particularmente devido às mudanças nos quadros de professores/as e do corpo técnico-pedagógico das escolas, fato recorrente ao longo (das "viradas") dos anos pela falta de uma política que os efetive em uma mesma escola, além das volumosas demandas apresentadas e exigidas no cotidiano das escolas, as quais impõem um processo de priorização/secundarização de ações.

Com isso, cresce a nossa expectativa em relação ao concurso público para provimento de professores/as efetivos/as, anunciado pela nova administração municipal.

Concomitantemente, percebemos que a exigüidade de momentos de reflexão coletiva impõe também a revisão da própria organização do tempo/espaço da/na escola e da/na IES, a fim de propiciar o planejamento coletivo de todas as nossas intervenções pedagógicas. Nesse sentido, um avanço alcançado apenas nesse semestre (2005-1) foi ter conseguido coincidir as duas horas-aula semanais do Estágio Supervisionado Escolar II, realizados outrora somente na própria instituição (FSV), com os dias e horários de planejamento dos professores/as na escola. Às sextas-feiras, então, pudemos realizar uma aproximação mais efetiva com tais professores/as, em particular, e com o cotidiano da escola, em geral. No caso do Estágio Supervisionado Escolar I, resta ainda instituir esse importante e necessário espaço/tempo.

Os alunos/as em estágio docente também têm considerado válida tal experiência. Frequentemente se mostram surpresos/as quanto às mudanças das suas próprias visões acerca da escola pública, dos/as alunos/as, da educação física escolar e do trabalho docente. A maioria, que inicialmente fazia opção por atuar no campo profissional não escolar, tem colocado os ambientes escolares como possibilidade de atuação e em alguns casos até mesmo como única e imediata opção.

Os/as professores/as das escolas campo de estágio têm acompanhado e co-orientado as intervenções pedagógicas dos alunos/as. Apenas algumas poucas ações têm sido discretas ou quase ausentes. Nestes casos, percebemos certo receio de intervir, em função de inseguranças geradas pela "inovação pedagógica" de algumas propostas em relação a sua prática cotidiana, por receio de não contribuir/corresponder da maneira que acreditam que esperamos que contribuam e/ou também por dificuldades de compreensão teórica.

Alguns alegam que estão há muito tempo distante dos "bancos acadêmicos" e deixam transparecer a ainda recorrente visão da academia como produtora de conhecimentos teóricos a serem aplicados por meio prática. Por outro lado, percebemos um intenso envolvimento da maioria dos/as professores/as, inclusive temos tido boas surpresas com professores/as que têm se dedicado ao estágio como um momento de construção cotidiana do "novo", compreendendo-o como espaço/tempo singular de investigação/intervenção pedagógica e se aproximando da perspectiva interpretativa apresentada por Sacristán e Pérez Gómez (1998) acerca da utilização do conhecimento na investigação educativa (cf. p. 115-7).

Por fim, cabe ressaltar que o estágio supervisionado/prática de ensino como eixo norteador do nosso curso de Licenciatura em Educação Física tem se colocado como grande desafio para nós, o que nos remete ao entendimento de que este "momento singular de preparação para a investigação/intervenção pedagógica" (Pinto, 2002, p. 17), não deve se circunscrever aos limites de uma simples disciplina, mas ao contrário, buscar transcendê-la, construindo-se por meio de todo o curso de Educação Física.

Apesar de materializar uma adequação entre a ampliação de carga horária exigida pela Resolução do CNE e o que era possível modificar no curso de formação da FSV, a modalidade de estágio (chamado observacional) que acontece durante o curso, via disciplinas, tem se apresentado como uma possibilidade e gerado experiências interessantes. Há um número cada vez maior de professores/as dessas disciplinas aderindo e iniciando o trabalho de aproximação à escola, o que tem possibilitado que boa parte das disciplinas sejam repensadas como integrantes de um curso de Licenciatura, cuja relação privilegiada deva se dar com as escolas de educação básica. E, complementarmente, as próprias disciplinas ESE I e ESE II têm desafiado essas e outras disciplinas e professores/as com problemas/problemáticas encontradas/vivenciadas pelos/as alunos/as em estágio, alimentando e construindo, ainda que num primeiro momento informal e assistematicamente, um profícuo diálogo - o qual poderá ser ampliado durante o processo de reformulação curricular do curso, iniciado nesse semestre.

Obs. Os autores, professores Erineusa Maria da Silva (erineusa@terra.com.br) e Kefren Calegari dos Santos (E-mail: kefren@terra.com.br) lecionam na Fac Salesianda de Vitória e na ESFA

Referências

  • Ferreira, Lucila Conceição Frizzeira; Ventorim, Silvana. 1999. A construção de pólos de atuação de estágio supervisionado em educação física. In: Della Fonte, Sandra Soares; Figueredo, Zenólia C. Campos (orgs). Ensaios: educação física e esporte. Vitória: CEFD/UFES. p. 5-37.
  • Pinto, Fábio Machado. 2002. A Prática de Ensino nos cursos de formação de professores de Educação Física. In: VAZ, Alexandre Fernandes; SAYÃO, Deborah Thomé; PINTO, Fábio Machado (orgs). Educação do corpo e formação de professores: reflexões sobre a Prática de Ensino de Educação Física. Florianópolis: Editora da UFSC. p. 13-44.
  • Sacristan, J. Gimeno; Pérez Gómez, A. I. 1998. Compreender e transformar o ensino. 4ª ed. Tradução: Ernani F. da Fonseca Rosa. Porto Alegre: ArtMed.
  • Vaz, Alexandre Fernandes; Sayão, Deborah Thomé; PINTO, Fábio Machado (orgs).2002. Educação do corpo e formação de professores: reflexões sobre a Prática de Ensino de Educação Física. Florianópolis: Editora da UFSC.