Resumo

Em tempos de globalização e neoliberalismo, as relações entre o global e o local e entre o capital especulativo e o Estado têm gerado alterações no setor público e nas formas de regulação da conduta da vida privada. Esse jogo tem influenciado diretamente os cursos de Licenciatura e traz consequências para a educação. Se, por um lado, ela está presa aos ditames da grade econômica, por outro ela pode promover uma formação engajada com a afirmação da diferença e com a superação da desigualdade social. Essa luta acena para a necessidade de abordar a universidade e o currículo como formas de política cultural que incidem na constituição de identidades e marcação da diferença. Afinal, o que está em jogo é a identidade do sujeito-docente que formará as futuras gerações do país. Esta pesquisa problematiza como a maquinaria discursiva e a não discursiva presentes em um currículo de Licenciatura em Educação Física, pode subjetivar sujeitos e operar representações em meio aos discursos da cultura empresarial, como eficiência, flexibilidade, mérito, e caros à educação, como justiça social, reconhecimento e cidadania. Como referência, utilizo as contribuições que os Estudos Culturais têm proporcionado às investigações acerca do currículo e a escrita contundente de Stuart Hall a respeito da centralidade da cultura. A esse quadro discursivo acrescento a noção de governamentalidade formulada por Michel Foucault e as análises de Stephen Ball acerca das políticas curriculares, entre outros. Realizei um estudo de cunho etnográfico em uma IES privada no transcorrer de dois anos em tempos e espaços diferenciados: no âmbito da sala de aula, interessou-me a posição de sujeito assumida pelos discentes frente às situações didáticas e os conflitos decorrentes; com base no projeto pedagógico do curso de Educação Física, extraí os regimes de verdade das disciplinas e suas estratégias de negociação; e a partir do cotidiano da instituição inferi os modos de regulação da educação pelo mercado, que tencionam governar os sujeitos para adequarem-se à ordem econômica mundial. O resultado dessa maquinaria tem sido a formulação do Frankenstein (o currículo-criador) e a de suas criaturas (os alunos monstros-heróis), futuros docentes. Por objetivar os diferentes sentidos da intervenção do egresso em campos tão diversos quanto distintos, o currículo-criador hibridiza os discursos oficiais, as tendências pedagógicas, a história do componente, as transformações da educação e as do setor público. Por conta disso, seus sujeitos tornamse múltiplos, fragmentados e contraditórios que, ora ajustam-se à ordem do empreendimento pessoal e transformam-se em commodities a fim de atuarem em acordo com as normas do mercado, ora são perturbações da máquina que os criou, promovendo simultaneamente a crítica à formação docente inicial e novas estratégias para a sua captura.

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