Resumo
Esta tese trata, a partir de uma perspectiva antropológica, das relações entre futebol e religião no Brasil. Mais especificamente, tem como objetivo compreender uma prática dos futebolistas brasileiros chamada “fechamento”. Este termo refere-se a um conjunto de expressões, corporais e verbais, que os futebolistas acionam sistematicamente antes as competições e que se distingue de práticas semelhantes pela recitação coletiva da reza do Pai Nosso. De um ponto de vista simbólico, a hermenêutica do “fechamento” permite alcançar uma compreensão que transcende o objeto em si, sendo reveladora de uma determinada visão de mundo (Geertz, 1989). A partir de uma etnografia realizada com os jogadores das categorias de base do Sport Club Internacional de Porto Alegre (RS, Brasil), complementada com o retrospecto do pesquisador durante a sua longa estada no Brasil, a tese procura revelar o significado profundo desta prática polimórfica que, pelas suas características intrínsecas, se configura como uma “bricolagem religiosa”, sendo constituída por pedaços de vários elementos de crenças diferentes, formando um mosaico (Bastide, 1953-70) onde a matriz católica-cristã constitui o pano de fundo A partir desta perspectiva é possível relativizar o impacto do neopentecostalismo no futebol brasileiro (Rial, 2012; 2013), tendo em consideração a sua característica “religiofágica” (Oro, 2015) ou “antropofágica” (Almeida, 2003), isto é, a propensão de se apropriar, ressignificar e ressimbolizar elementos de crenças tomadas de outras religiões. O caso do “fechamento”, entre os futebolistas brasileiros, parece ser emblemático deste processo que, em vez de revelar a sua “face” neopentecostal, reforça ainda mais o seu já alto grau de “bricolagem religiosa”. Portanto o “fechamento”, enquanto produto “sincrético”, não estaria ao serviço de apenas uma religião (neopentecostalismo), mas de todas. Isto explicaria o seu sucesso independentemente dos pertencimentos religiosos dos futebolistas