Resumo

A dança é uma arte necessariamente efêmera. Acontece ao vivo e desaparece no exato momento em que é vista. Sua lógica é a do acontecimento, só existe na execução, “trata-se de uma série de agoras escapantes e repetíveis” (Feitosa, 2001, p. 34). Portanto, qualquer tentativa de abordagem histórica desta arte lida com a complexidade e riqueza de dados que escapam a um projeto narrativo unívoco e consensual. É impossível traçar uma seqüência de eventos ordenados, ou buscar, a partir de metodologias objetivas e “científicas”, estabelecer um caminho lógico e classificatório da história da dança. Se pensarmos no corpo como um tradutor do grande texto da cultura, e o artista como um intérprete de seu tempo, fica claro que falar dos primórdios da dança até os dias de hoje é debruçar-se em uma teia móvel onde vários temas, políticos, sociais e filosóficos se imbricam e criam sentidos muitas vezes ignorados pelos historiadores da dança. A literatura que aborda a historiografia da dança ocidental, de fato, tem enfatizado exaustivamente o processo de construção da linguagem métrica do balé clássico, que já completa cinco séculos de vida, e o surgimento da dança moderna no início do século XX, sempre utilizando-se de recursos hierárquicos e conferindo uma inteligibilidade à narrativa, mas engessando qualquer outra possibilidade de interpretação sobre estas duas formas de expressão artística. Nas abordagens desta “passagem” entre estes dois momentos da dança, existe sempre uma tendência de reificação do sentido revolucionário e libertário da dança moderna, como se esta tivesse surgido para salvar o homem da artificialidade e rigidez impostas pelo balé clássico, ou como se seu nascimento instaurasse uma “verdade” na forma de se expressar na dança. Novas invenções artísticas não se destinam a enterrar velhos paradigmas, novas formas de dançar não ocupam o espaço das formas mais antigas, juntam-se a elas e coabitam no cenário artístico mundial. É interessante estar atento para as continuidades perenes, para os ritmos indefinidos e para as diversidades e acasos que transformam o tempo e os corpos. Neste estudo procuramos enfocar o entrelaçamento da dança contemporânea com a dança moderna e clássica, suas “heranças históricas”, buscando evitar uma abordagem linear dos fatos, mas enfatizando a concomitância e o diálogo entre as diversas linguagens artísticas que em sua complementaridade e heterogeneidade penetram e formam o que é hoje o cenário contemporâneo da dança.

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