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RESUMO

Seja como objetivo de uma melhor qualidade de vida, lazer ou equilíbrio psico-físico, é possível observar que há uma crescente demanda da sociedade contemporânea pelas atividades de aventura, sendo elas compreendidas desde simples caminhadas aos mais sofisticados esportes o que demanda uma maior compreensão científica sobre esta temática ainda pouco estudada. Partido deste pressuposto, o presente estudo tem por objetivo verificar o interesse de jovens pelos esportes de aventura e também, constatar a influência midiática no processo de formação da opinião e do imaginário social de não praticantes e de praticantes de esportes de aventura. O estudo desenvolveu-se por meio de uma pesquisa exploratória, utilizando como instrumento para coleta de dados uma entrevista semi-estruturada aplicada a uma amostra de 10 não praticantes e 10 praticantes de esportes de aventura com idades entre 13 e 17 anos, por meio de uma intervenção oferecendo aos não praticantes dos esportes de aventura a possibilidade de praticar determinada modalidade, o Slackline. Os dados foram analisados utilizando-se a técnica de Análise de Discurso evidenciando que os esportes de aventura raramente são ministrados em ambiente escolar além de uma grande diferença quanto à significação que praticantes e não praticantes de esportes de aventura atribuem aos conceitos aqui observados e uma similaridade sobre o que a mídia divulga e a opinião dos não praticantes dos esportes de aventura.

INTRODUÇÃO

Atualmente podemos observar que é crescente o número de indivíduos que vem procurando os esportes de aventura como um meio de prática física. O Plenário do Conselho Nacional do Esporte recomenda a adoção dos conceitos de esportes de aventura.

Art. 1º Que se identifique no País como:

I – Esporte de aventura: O conjunto de práticas esportivas formais e não formais, vivenciadas em interação com a natureza, a partir de sensações e de emoções, sob condições de incerteza em relação ao meio e de risco calculado. Realizadas em ambientes naturais (ar, água, neve, gelo e terra), como exploração das possibilidades da condição humana, em resposta aos desafios desses ambientes, quer seja em manifestações educacionais, de lazer e de rendimento, sob controle das condições de uso dos equipamentos, da formação de recursos humanos e comprometidos com a sustentabilidade sócio-ambiental.

Mesmo com cada vez mais adeptos, a maioria desses esportes de aventura não é o que podemos chamar de “convencionais”, ou seja, são atividades que diferem daquelas propagadas fortemente pelos principais meios de comunicação. Seja com o objetivo de fuga 150 do cotidiano, satisfação pela prática, prazer pelo risco e emoções inerentes a esse tipo de atividade como afirma Paixão (2010).

A contemporaneidade vem evidenciando o surgimento ininterrupto de novas possibilidades de práticas físicas, dentre elas aquelas ligadas à natureza. Nesse sentido, as atividades de aventura surgem em decorrência de uma série de fatores no contexto social como a necessidade de expressão e mudanças no ser humano, (re) encontro com o meio natural, contemplação, superação dos próprios limites, lazer, enfim atributos relacionados à promoção da saúde e qualidade de vida.

A Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997, 1998), entre outros, são documentos que cedem espaço para a inclusão do esporte de aventura no contexto escolar. Portanto, passa a ser importante análises e estudos referentes aos esportes de aventura para inseri-los de fato em ambiente escolar.

Para Pereira e Monteiro (1995) a introdução dessas atividades de aventura surge como um ganho fundamental de inovação pedagógica, segundo os autores em questão,

[...] um quadro metodológico de grande relação e diferenciação motora propicia um elevado número de vivências não habituais que contribuem para o desenvolvimento da estrutura motora. Induz, por isso, ao desenvolvimento de diversas capacidades condicionais, coordenativas e volitivas, que melhoram globalmente a condição física geral do aluno e consequentemente a sua qualidade de vida (p.113).

Nas aulas de Educação Física Escolar, além de um compromisso com o desenvolvimento motor, afetivo e social de seus alunos, o profissional de Educação Física tem como objetivo também a promoção da saúde (Código de Ética do Profissional de Educação Física, 2003). O meio ambiente natural, por sua vez apresenta uma estreita relação com a saúde quando se busca uma melhor qualidade de vida, seja pela fuga da agitação da cidade, busca por um ar mais puro e saudável, práticas de atividades de aventura, momentos de lazer e também atitudes de preservação e conservação ambiental, expondo dessa forma a interdependência entre saúde, meio ambienta natural e o ser humano, visto que este se encontra inserido de forma ativa neste contexto.

Atualmente no quadro da Educação Física Escolar podemos observar que o que mais vem sendo trabalhado pelos professores de Educação Física são as quatro modalidades convencionais. Talvez seja por certa facilidade dos profissionais por normalmente os alunos já conhecerem as principais regras dos jogos por forte influência da mídia ou mesmo por falta de preparo por conta dos profissionais, visto que os esportes de aventura não fazem parte da matriz curricular da grande maioria das universidades. Porém o que acontece é que esses alunos captam do meio externo seja ele a televisão, rádio, internet e outros meios de comunicação, o esporte espetáculo, de alto rendimento e extremamente competitivo e acabam levando esses aspectos para as aulas de Educação Física. Esses fatores que vão totalmente ao desencontro do real objetivo da Educação Física escolar. Muitos professores acabam concedendo permissividade para esse tipo de acontecimento, não trabalhando dessa forma os conceitos pedagógicos em suas aulas.

Objetivo Geral do Estudo

Verificar a atração que os esportes de aventura causam em crianças e jovens além da influência midiática no processo de formação de opinião de não praticantes de esportes de aventura.

Objetivo Específico

Avaliar por meio de vídeo, conversa e prática a aceitação e interesse pelos esportes de aventura em específico o slackline, por alunos durante a aula de Educação Física escolar e sua relação com a ludicidade.

Relevância Social

A Educação Física Escolar não deve ser voltada para iniciação desportiva ou limitarse ainda ao alívio de tensão gerada pela cobrança das demais disciplinas ou ser encarada apenas como um momento de lazer. Mais que isso, ela tem um compromisso para gerar cidadãos de bem e ativos na sociedade. Ainda no contexto escolar, podemos observar que se realizados de forma correta, ou seja, respeitando o calendário maturacional, os limites, medos, certezas e insegurança de cada aluno, os esportes de aventura aliados à ludicidade como ferramenta na proposta de intervenção na Educação Física Escolar, possuem forte influência para o desenvolvimento de crianças no que diz respeito às áreas cognitivas, afetivas, físicas, éticas, enfim todos os atributos necessários para a formação de um indivíduo que de fato irá exercer a cidadania de forma plena.

DESENVOLVIMENTO

Para a realização deste estudo primeiramente entramos em contato com a direção da escola e com um ginásio de escalada, onde foi entregue uma carta de apresentação junto com o termo de consentimento solicitando a autorização para este estudo.

Ao iniciar o trabalho, foi estabelecida uma conversa aberta com os alunos sobre os esportes de aventura. Em seguida foram expostos alguns vídeos, mais uma conversa sobre o mesmo tema, porém dessa vez abordando os esportes de aventura e as características de seus praticantes. Por último os alunos não praticantes tiveram a oportunidade de praticar o slackline. A entrevista foi composta por seis alunas e quatro alunos não praticantes de esportes de aventura e oito alunos e duas alunas praticantes dos mesmos. As respostas dos participantes foram todas gravadas para posteriormente serem analisadas.

Para chegar ao objetivo desta pesquisa foi utilizado o método de análise de discurso, que é usada quando se quer ir além dos significados, da leitura simples do real. Aplica-se a tudo que é dito em entrevistas ou depoimentos ou escrito em jornais, livros, textos ou panfletos, como também a imagens de filmes, desenhos, pinturas, cartazes, televisão e toda comunicação não verbal: gestos, posturas. Portanto essa metodologia de análise permite uma "leitura profunda" das comunicações indo além da "leitura aparente". Para compreender a fala de outrem não basta entender as suas palavras - temos que compreender o seu pensamento Vygotsky (2000).

Foi Ministrada uma aula de Educação Física para alunos do ensino fundamental com idades entre 13 e 17. Onde o pesquisador já estava familiarizado com os alunos, podendo-se desconsiderar o fato de os alunos estarem em contato com uma pessoa que não conhecem, fator esse que poderia prejudicar a forma com a qual os alunos iriam expressar aquilo que 152 realmente pensam e sentem a respeito dos temas em questão por vergonha ou falta de confiança e afins.

O primeiro tema da conversa foi sobre esportes, o segundo sobre aventura e por último, após um vídeo debatemos sobre como, do ponto de vista deles, são as características e o perfil dos praticantes dos esportes de aventura, o que eles sentem e porque procuram este tipo de prática esportiva. A mesma conversa foi estabelecida com praticantes de esportes de aventura de mesma idade em um ginásio de escalada. Para esses, não ocorreu interação do vídeo.

Analisando os dados da coleta foi possível notar que existe uma grande diferença no imaginário das pessoas no que diz respeito ao perfil e características dos praticantes de esportes de aventura. Por não participarem de fato ativamente nos esportes de aventura acabam aderindo para si como verdade àquilo que a mídia expõe através de vídeo e imagens sobre o que sentem ou motivam a realizar determinadas atividades.

As imagens difundidas pela mídia encontram-se onipresentes em todos os níveis de representação e da psyché do homem ocidental” (DURAND 1998). As imagens selecionadas aliadas às frases de grande impacto como, por exemplo, “Realize seu sonho”, “Aventure-se”, “Caminhos desconhecidos”, “Conquiste este lugar”, “Você no topo no mundo”,” Férias incríveis lugares inesquecíveis”, “ Fora do mapa,” causando em seus clientes um anseio por tais atividades e também pré-estabelecendo nesses as sensações que irão encontrar caso realizem tais atividades, não deixando dessa forma que o próprio consumidor desvende por si só os incríveis prazeres do mundo da aventura.

Os praticantes enquanto atores sociais atuantes nas atividades de aventura demonstram que o que os move, e as sensações e os riscos que estão sujeitos vão muito além do que é divulgado pela mídia. Elas vão além do perigo, medo, coragem.

“O prazer do risco está no controle necessário para experimentá-lo com segurança, fazendo com que o que parece ser perigoso para quem observa seja, para o participante, uma simples questão de inteligência, habilidade, intuição, coordenação, ou em uma palavra: experiência. Escalada em particular, é um passatempo paradoxalmente intelectual, mas com a seguinte diferença: você tem que pensar com seu corpo. Cada movimento tem que ser trabalhado como se você estivesse jogando xadrez com seu corpo. Se eu cometo um erro as consequências são imediatas, óbvias, embaraçosas, e provavelmente dolorosas. Por um curto período eu sou diretamente responsável pelas minhas ações. No belo, silencioso, mundo das montanhas, me parece válido esse pequeno risco. Alvare” (apud MARKSI, 2010).

A última parte da intervenção foi a prática, onde os alunos mostraram grande interesse e entusiasmo pela atividade que iriam fazer.

CONCLUSÃO

A conexão dessas experiências de aventura aos objetivos educacionais do sistema escolar pode favorecer o desenvolvimento humano em seus diversos aspectos, por envolverem processos pedagógicos específicos catalisadores de "competências cognitivas, psicomotoras e socioafetivas" (PEREIRA; MONTEIRO, 1995), sendo capazes de fomentar novas atitudes de espectro interdisciplinar (MARINHO; SCHWARTZ,2005).

A predominância dos esportes espetáculos nas aulas de Educação Física escolar vem interferindo negativamente para a prática de outras vertentes, modalidades e possibilidades referentes à metodologia de ensino e aprendizagem. Fato esse que pode ser facilmente se 153 observado na maioria das escolas, onde desde o início de nossa vida estudantil as aulas de Educação Física escolar se restringem a basicamente quatro modalidades, o futebol, vôlei, basquete e handebol. Acusado de destruir o caráter lúdico de jogo no espetáculo esportivo, o esporte institucionalizado com sua comercialização ganhou a caracterização de um evento profano, sujeito à lógica do mercantilismo veiculado pela publicidade (COSTA 2000).

Neste contexto os esportes de aventura aliados à ludicidade se apresentam como uma excelente ferramenta de trabalho, tanto pela sua descaracterização como esporte espetáculo quanto por ser uma atividade pouco abordada em ambiente escolar despertando o interesse, oportunizando novas experiências além de sua forte ligação com o imaginário dos alunos e a estreita relação à diversas sensações que não estão acostumados a vivenciar em sua plenitude durante o cotidiano.

Nas atividades de aventura, o elemento lúdico se apresenta como uma constante, manifestado, inclusive, por meio do controle que se dá em todas as esferas da atividade. A partir desse controle, o risco, embutido nas atividades, é minimizado, garantindo-se, com isso, a fruição da ludicidade com todas as suas potencialidades (MARINHO E SCHWARTZ 2005).

“A brincadeira é uma mutação do sentido, da realidade, nele as coisas transformam-se em outras. É um espaço à margem da vida cotidiana que obedece a regras criadas pelas circunstâncias. Nela os objetos podem apresentar-se com significado diferente daquele que possuem normalmente” (BROUGÈR 2008).

O homem não vive em um mundo de fatos, onde é guiado só por suas necessidades imediatas. Vive, antes em meio a emoções imaginárias, esperança e temores, ilusões e desilusões, em suas fantasias e sonhos. O caráter essencial do pensamento simbólico humano é o símbolo, o qual faz parte do mundo do significado. (MONTENEGRO 2007).

As noções impressas pelas atividades em contato com a natureza propiciam, especialmente ao adolescente, a oportunidade de integração da identidade, pois tais experiências representam o contexto relativamente libertador e alternativo para a busca da identidade pessoal, facilitando a individualização, uma vez que favorecem a expressão da imaginação e da experimentação criativa, componentes intrinsecamente relacionados com a individualização ou autoconsciência, proporcionando a chance de experimentação de interesses incipientes. De novos interesses, surge a mudança do entorno, incluindo a aceitação pelo outro, o que define e reforça as potencialidades da própria pessoa (Kleiber 2000).

Foi observado que a opinião dos alunos não praticantes dos esportes de aventura em relação ao perfil e características dos atores dessas modalidades coincide com aquilo que é propagado fortemente pela mídia, mostrando dessa forma a grande influência que a mídia possui para a formação da opinião da sociedade.

Observamos dessa forma um esquecimento de tais atividades em ambiente escolar, porém a busca dessas atividades pelos alunos fora da escola se apresenta de forma crescente, que se traduz, muitas vezes, pelo aumento do número de acidentes visto que essas modalidades necessitam de conhecimentos específicos e muitas das vezes tais conhecimentos são ensinados por pessoas não qualificadas. Demonstrando assim a falta de profissionais qualificados para trabalhar com os esportes de aventura.

REFERÊNCIAS

BRASIL (1996). Ministério da educação e do desporto. Lei nº 9.394/96, de 20 de Dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

BRASIL (1997). Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Educação Física. Brasília:MEC/SEF.

BRASIL (1998). Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Educação Física. Brasília: MEC/SE.

BRASIL (2007). Conselho Nacional de Esportes. Resolução no. 18, de 9 de abril de 2007.

BROUGÈR, G. Brinquedo e cultura. São Paulo: Cortez, 2008. CÓDIGO DE ÉTICA DOSPROFISSIONAIS DE EDUCAÇÃO FÍSICA REGISTRADOS OS SISTEMAS CONFEF/CREFS, 2003, Rio de Janeiro. Das Responsabilidades e deveres. Rio de Janeiro; CONFEF, 2003.

COSTA, V. L. de M. (2000). Esportes de aventura e risco na montanha Um mergulho no imagináro.Diário Oficial da União - Seção 1 Número 197, 11 de outubro de 2007.

DURAND, G. 1998. A imaginação simbólica. São Paulo, Cultrix. KLEIBER,D. A. (2000) Implicaciones del compromiso y la separación como experiencias de ocio relativas al desarollo humano. In; CABEZA, M.C. (ed.). Ocio Y desarollo humano: Porpuesta para al 6º Congresso Mundial de Ocio. Bilbão: Universidad de Deusto.

MARINHO, A.; SCHWARTZ, G. M.(2005).Atividades de aventura como conteúdo da educação física: reflexões sobre seu valor educativo.

MARKSI, Davi, Augusto (2010). Escalda e trekking em alta montanha. Edição do Autor: Hortolândia, São Paulo.

MONTENEGRO, E. (2007). Imaginário e Representações Sociais: Corpo, Educação Física, Cultura e Sociedade.

PAIXÃO, J. A. da. Atividades de aventura e educação ambiental: possibilidades nas aulas de Educação Física escolar.Revista digital, Buenos Aires, Ano 14, n.142, março de 2010. Disponível em: Acesso em 02 abril. 2014.

PEREIRA, J.M.; MONTEIRO, L.R. (1995) Atividades Físicas de exploração da natureza - em defesa do seu valor educativo. Revista Horizonte 69: 111-116.

VYGOTSKY, L. S. (2000). Pensamento e linguagem. – 2ª. Edição - São Paulo: Martins Fontes.

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