Integra

   O movimento espontâneo do povo, e principalmente da população jovem, protestando contra as mazelas do poder público e dos políticos, na medida em que concentrou as críticas sobre os poderes Executivo e o Legislativo, talvez tenha se esquecido de um dos maiores responsáveis pelos desmandos que vêm ocorrendo no país: o Poder Judiciário. Nele se abrigam velhos aliados de uma parcela importante do empresariado, muito acostumada ao protecionismo do Estado e às facilidades por ele proporcionadas, como redução de IPI, isenção de impostos, licitações fraudulentas e tantos outros mimos. É bem possível que o festival de incompetência que assolou o país, em todos os níveis, tenha provocado mais prejuízos que a corrupção, mas também sabemos que uma favorece a outra. A sensação de impunidade que grassa entre os políticos, governantes e empresários não vem acontecendo somente por causa da passividade do nosso povo, mas, principalmente, porque temos um Poder Judiciário arcaico, moroso, corrompido e viciado. Um sistema judiciário que não julga e, quando julga, não o faz com isenção, uma vez que está comprometido com os poderosos. Não é sem razão que não vemos condenados os grandes criminosos, aqueles que detêm o poder econômico, como empresários inescrupulosos, ou aqueles que se valem do poder político, e que locupletam dos cargos públicos que exercem para desviar verbas destinadas à saúde, à educação, à merenda escolar, à tão necessária infraestrutura etc.

   Somos todos desonestos? Em princípio sim. Nascemos sem normas e sem regras. Estas vão nos sendo impostas através de uma educação que tem como base a repressão. O medo de perder a amor da mãe, de ser castigado, ou mesmo de ir para o inferno, exerce uma importante função pedagógica, e nos leva a reprimir nosso instinto de tomar o que não nos pertence, como faziam os homens das sociedades primitivas. As leis, como parte de nosso processo civilizatório, foram criadas para funcionarem como uma continuidade da educação básica, mantendo a lembrança de que seremos punidos se não refrearmos nossos impulsos mais primitivos. A ganância e a ambição fazem parte dos sentimentos humanos, mas o que temos observado é que elas tomaram proporção alarmante em nosso meio, e para isto contribui a sensação de impunidade generalizada existente em nosso país.  A impunidade contribuiu para uma sensação disseminada de que, principalmente aos poderosos, tudo se permite. Já não se assiste à busca desonesta de um patrimônio maior, em nome dos filhos e netos. Rouba-se quantias que várias gerações seriam incapazes de produzir e de consumir. Rouba-se por roubar, como se isso provocasse um prazer orgástico nessas pessoas que se mostram impotentes e incompetentes para gerir a coisa pública. 

   Minha sugestão é que lutemos, sim, por uma reforma do Estado, por uma nova forma de fazer política, mas que não nos esqueçamos de que um dos pilares da democracia e da salvaguarda dos direitos do povo é o Poder Judiciário. O Brasil necessita urgentemente de uma reforma geral. Precisamos, sim, de uma reforma política. Mas não menos urgente é a reforma do sistema judiciário e a garantia de maior segurança jurídica a todos nós. Uma reforma que acabe com o disparate dos juízes das altas cortes serem nomeados pelo poder executivo, o que os  torna, muitas vezes, seus serviçais.      

Francisco Baptista Neto
  Médico psiquiatra