Resumo

Sprints explosivaos, saltos, mudanças rápidas de direção. No futebol de alta performance, a potência todos os olhos se voltam para as pernas, mas qual o verdadeiro papel dos membros superiores nestas ações decisivas? Um levantamento com treinadores de força e condicionamento de elite revela uma forte crença na importância dos membros superiores, mas também práticas de treino contraditórias.

Integra

Entenda o essencial

  • Um estudo investigou como treinadores de força e condicionamento percebem a importância da força dos membros superiores (MS) para ações de alta intensidade (AAI) como sprints, saltos e mudanças de direção no futebol profissional.
  • Os treinadores consideraram a força de MS importante, principalmente para saltos (89%) e aceleração (87%), acreditando que ela melhora o desempenho por meio de melhor transmissão de força (97%) e maior impulso neural (94%).
  • Apesar dessa percepção, a prática predominante nos treinos envolve o uso de resistência moderada, com menos foco em cargas próximas ao máximo ou contrações de alta velocidade.
  • Os exercícios mais comuns para MS incluem variações de puxadas e remadas, e os testes mais relatados são o arremesso de medicine ball e o supino 1-RM, embora a força máxima seja vista como a qualidade de força menos prior.
  • Existe uma aparente desconexão entre a valorização teórica da força de MS (especialmente qualidades como força explosiva e reativa) e as metodologias de treino e teste efetivamente aplicadas no dia a dia dos clubes.

Introdução

No futebol profissional, cada detalhe na preparação física pode ser decisivo. Ações de alta intensidade (AAI) - como sprints explosivos para alcançar uma bola lançada em profundidade, saltos para cabecear ou mudanças rápidas de direção para driblar um oponente - são momentos decisivos.

Tradicionalmente, o foco do treinamento de força no futebol concentrou-se nos membros inferiores (MI), responsáveis primários pela locomoção e geração de força contra o solo. No entanto, o corpo humano funciona como um sistema integrado. Será que a força dos membros superiores (MS) e do tronco, muitas vezes relegada a um segundo plano, poderia ser um fator subestimado na otimização dessas ações críticas?

Compreender a percepção dos profissionais que atuam na linha de frente e suas práticas atuais é um passo para avançar no conhecimento sobre o tema e refinar as estratégias de treinamento.

Assim, o estudo do grupo de Curovic (2025) teve como objetivo investigar as percepções de treinadores físicos sobre a importância da força e do treinamento de MS para o desempenho de jogadores de futebol profissional. Além disso, identificou as práticas correntes de teste e treino de força de MS nesse esporte.

Como foi feito o estudo

Trata-se de um estudo transversal exploratório que utilizou um levantamento online para coletar dados anonimamente. 86 treinadores de força e condicionamento com experiência em futebol profissional (masculino e feminino, de diversas ligas como Premier League, La Liga, Bundesliga, etc.) participaram voluntariamente.

O questionário continha 25 perguntas (22 de resposta fixa incluindo múltipla escolha, escala Likert, ordenação e três abertas), divididas em seções sobre informações demográficas, percepções sobre a importância da força/treino de MS para AAI (aceleração, velocidade máxima, desaceleração, mudança de direção, salto, capacidade de sprints repetidos) e práticas atuais de treino/teste de MS.

A análise dos dados envolveu análise de frequência para as questões fechadas e análise temática para as questões abertas, com categorização das respostas em “importante” vs. “não importante” e “concordo” vs. “discordo” para facilitar a interpretação.

E o que o estudo diz?

Os resultados indicam uma forte convicção por parte dos treinadores sobre a relevância da força de MS. Eles a consideram importante para todas as AAI analisadas, com destaque para o salto e a aceleração.

A crença é que MS fortes contribuem através da ação dos braços (propulsão na corrida, balanço no salto) e da estabilização/transmissão de força pelo tronco (“core”). As qualidades de força mais valorizadas foram a concêntrica e a explosiva (ambas com 98% de concordância sobre sua importância), seguidas pela excêntrica, relativa e isométrica. Curiosamente, a força máxima, embora ainda considerada importante (83%), foi a menos priorizada entre as qualidades listadas.

Contudo, emerge uma dissonância significativa quando se analisam as práticas. A absoluta maioria (100%) reportou usar predominantemente resistência moderada (60-80% de 1-RM). Cargas próximas ao máximo (>80% 1-RM) são usadas por menos da metade (48%), e apenas 64% afirmam priorizar contrações de alta velocidade. Isso levanta questionamentos sobre a eficácia das sessões atuais para desenvolver as qualidades de força (como a explosiva) que os próprios treinadores mais valorizam.

Em termos de exercícios, puxadas e remadas lideram a preferência, enquanto nos testes, o arremesso de medicine ball (26%) e o supino 1-RM (19%) foram os mais citados. A programação mais comum integra o treino de MS após o treino de MI no mesmo dia ou como parte de sessões de corpo inteiro.

Relação com outros estudos

Os achados da pesquisa dialogam com a literatura existente, mas também expõem lacunas. A percepção da importância do tronco para aceleração e mudança de direção encontra suporte em estudos que associam a força dos extensores do tronco a essas AAI.

A ideia de que MS fortes podem beneficiar sprints, especialmente em fases de maior velocidade, é sugerida por pesquisas em outros esportes, embora a relação no futebol seja menos clara.

A constatação de que jogadores de futebol podem ter níveis de força de MS inferiores aos de atletas de outras modalidades, reforça a ideia de uma “janela de oportunidade”, no sentido de que estes grupos musculares poderiam demonstrar maior adaptação com o treinamento (Cormie; McGuigan; Newton, 2011).

Diretrizes profissionais

Para o profissional de Educação Física que atua com preparação física de futebol, este estudo oferece orientações importantes:

  1. Valorize os MS, mas alinhe a prática à teoria: reconheça a importância que a força de MS pode ter para diversas AAI, conforme percebido pelos próprios colegas de profissão.
  2. Questione a predominância da intensidade moderada: se o objetivo é melhorar qualidades como força explosiva ou reativa (altamente valorizadas pelos entrevistados), o treino precisa incorporar estímulos adequados, como cargas mais altas (para força máxima, base da potência) e/ou movimentos em alta velocidade (treino de potência específico).
  3. Diversifique as qualidades de força treinadas: não foque apenas em um tipo. Inclua trabalhos concêntricos, excêntricos, isométricos, reativos e explosivos, conforme a periodização e as necessidades individuais.
  4. Selecione testes coerentes: avalie as qualidades de força que são prioritárias no treino. Se a força explosiva é um objetivo, testes como arremesso de medicine ball ou supino balístico podem ser mais informativos que apenas o 1-RM no supino.
  5. Considere a organização da sessão: a prática comum de treinar MS após MI ou em conjunto parece bem aceita. Avalie se sessões dedicadas, mesmo que curtas e menos frequentes, poderiam ser benéficas para alguns atletas ou em fases específicas, explorando uma "janela de oportunidade.
  6. Comunique-se com os atletas: oriente os atletas sobre os benefícios do treino de MS para o desempenho em campo, desmistificando receios sobre ganho de peso excessivo ou perda de velocidade. Aproveite a motivação intrínseca (estética, confiança) mencionada pelos treinadores, na pesquisa.

Considerações

Este estudo lança luzes sobre um aspecto relevante e talvez subestimado da preparação física no futebol: o papel dos membros superiores. Ele revelou uma interessante dicotomia entre a percepção da importância da força de MS e as práticas de treinamento correntes. Embora os treinadores valorizem o potencial dos MS para otimizar as AAI, as metodologias aplicadas, centradas em intensidade moderada, podem não ser as mais eficazes para desenvolver as qualidades de força (explosiva, reativa, máxima) necessárias para tal.

Para profissionais da Educação Física e áreas correlatas, esta pesquisa reforça a necessidade de uma abordagem crítica e baseada em evidências ao planejar o treinamento, garantindo que as estratégias adotadas estejam alinhadas aos objetivos de desempenho e às adaptações fisiológicas desejadas.

No universo da pesquisa

As limitações e achados deste estudo abrem avenidas para futuras investigações:

  1. Estudos de intervenção: realizar ensaios controlados comparando diferentes protocolos de treino de MS (ex: alta intensidade vs. alta velocidade vs. moderada intensidade; sessões dedicadas vs. integradas) e medindo seus efeitos diretos sobre o desempenho em AAI específicas do futebol (aceleração, salto vertical, COD, RSA).
  2. Pesquisas correlacionais robustas: investigar a relação entre um leque mais amplo de testes de força e potência de MS (não apenas supino, mas testes de puxada, rotação, arremessos variados) e métricas de desempenho em AAI obtidas em campo ou laboratório.
  3. Exploração dos mecanismos: aprofundar a investigação sobre como a força de MS influencia as AAI, quantificando a contribuição da ação dos braços, a rigidez e a capacidade de transmissão de força do tronco, e os possíveis efeitos de “transferência vertical” ou adaptações neurais cruzadas.
  4. Impacto na recuperação: desenvolver estudos que avaliem objetivamente se o treino de MS estrategicamente posicionado pode, de fato, auxiliar na recuperação muscular ou na manutenção da capacidade de gerar força dos MI após sessões intensas ou jogos.
  5. Populações específicas: replicar ou adaptar a investigação para outras populações, como jogadores de futebol feminino ou categorias de base, onde as características e demandas podem diferir.
  6. Validação de testes: identificar e validar testes de campo para força e potência de MS que sejam práticos, confiáveis e relevantes para o desempenho no futebol.

Referências

CORMIE, P., MCGUIGAN, M. R., NEWTON, R. U. Developing maximal neuromuscular power: part 2 – training considerations for improving maximal power production. Sports Medicine, v. 41, n. 2, p. 125–146, 2011.

CUROVIC, I.; GRECIC, D.; RHODES, D.; ALEXANDER, J.; HARPER, D. J. The importance of upper body strength testing and training for performance of high-intensity actions in professional soccer players: a survey exploring perceptions and current practices of soccer strength and conditioning coaches. International Journal of Strength and Conditioning, v. 5, n. 1, 2025. Disponível em: https://doi.org/10.47206/ijsc.v5i1.405.

HERTZOG, M.; RUMPF, M. C.; HADER, K. Resistance training status and effectiveness of low-frequency resistance training on upper-body strength and power in highly trained soccer players. Journal of Strength and Conditioning Research, v. 34, n. 4, p. 1032–1039, 2020.