Integra

A negação sobre o sentido do tempo cai por terra quando temos a possibilidade de refletir sobre ele. Digo isso porque até poucos dias atrás vivíamos um cotidiano caótico, enlouquecedor e atordoante, que nos levava a realizar inúmeras tarefas em diferentes espaços ao mesmo tempo, dando a parecer que o dia tinha 48 horas. Determinado o isolamento social estamos agora compartilhando espaço, com mais ou menos metros quadrados, com pessoas que víamos somente em parte do dia, tentando trabalhar como se tudo permanecesse igual. A vida nos obrigou a aprender a viver de uma forma totalmente nova e diferente daquilo que conhecíamos até poucos dias atrás. 

Nada está igual, é bom que isso fique claro.

Passamos a olhar pássaros em gaiolas, leões em jaulas, canis e gatis com outros olhos.
Estamos todos tentando nos adaptar à situação que os dias nos impõe: precisamos permanecer em casa para o nosso próprio bem, pensando de forma bem egoísta, mas principalmente para o bem de todos aqueles que compartilham essa cidade, esse planeta. Essa talvez seja a maior das lições desse momento. Deixar de pensar apenas e tão somente em si para incluir outros nesse pacote, inclusive aqueles a quem não conhecemos.

Nesse momento de reclusão forçada lembro da Montanha Mágica, de Thomas Mann, e também de Floradas da Serra, de Dinah Silveira de Queiroz, imortalizado nas interpretações de Cacilda Becker e Jardel Filho. O adoecimento é sempre um momento de pensar na finitude e o tempo ganha outra dimensão. Nunca saberemos se conseguiremos realizar o que há para ser feito. Mas, alguns atletas, mais que outros, sabem disso.

O adiamento dos Jogos Olímpicos para 2021 parece ter sido assimilado pela comunidade esportiva do planeta. O espaço dedicado ao esporte nos meios de comunicação aponta isso. Só que não.  As notícias relacionadas ao covid-19 e todos os seus desdobramentos merecem todo o jornal impresso e também os meios eletrônicos, porque o jornalismo nunca foi tão precioso na divulgação de notícias como agora. É justo.

Vou então aproveitar esse espaço para dizer que não está nada bem para os atletas com quem eu tenho conversado e convivido. A frustração e o desencanto de ver ruir um planejamento e um projeto de vida tem custos inestimáveis para quem se dedica a um fazer especial como o atleta que depende do corpo. Nesse instrumento que viabiliza a vida estão todas as marcas que a existência soma. Para alguns seria possível chegar até o momento apoteótico da carreira esportiva andando sob o fio de uma navalha. Cuidados, tratos, concessões faziam parte de um plano que deveria culminar com a chegada a Tóquio em julho e depois o descanso dessa vida de busca eterna pelo resultado.

Diante do novo cenário resta a dúvida sobre o limite do corpo e da própria existência, como é o caso de alguns atletas paralímpicos que convivem com doenças degenerativas e cada dia de vida é celebrado como uma vitória, mas também como um dia a menos de possibilidade de realizações. Nesse caso não existe a possibilidade de fazer concessões. 

Seguindo à risca os protocolos, líderes e cartolas engajam-se em rapidamente apontar novas datas e ajustes a um calendário cujas peças parecem não se encaixar. As cifras envolvidas no espetáculo assim o exigem. E mais uma vez, os atletas, razão de ser do espetáculo esportivo, são preteridos. Cabe a eles lidar com as próprias dores do tempo da finitude, ou ainda com a morte prematura, como foi o caso de Dirceu Pinto e Eliane Corrêa, a quem presto essa homenagem.