O Território Ocupado – Mapeando as Práticas Corporais na Orla de Vitória (es)
Por Otávio Guimarães Tavares da Silva (Autor), Isabelle Luisi Correa (Autor), Thayse Alarcon (Autor), Nadyne Venturini (Autor).
Em XVIII Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte e V Conice - CONBRACE
Resumo
Durante boa parte do período colonial a praia foi depósito de lixo e excrementos, cemitério de bichos e de escravos (FREYRE, 1977). A mudança de status, usos e imaginários sobre a praia ocorreu primeiro na Europa. Segundo Corbin (1989), a partir do século XVIII a praia foi deixando de ser um lugar maléfico para a saúde para tornar-se um lugar terapêutico. A chegada da família real portuguesa ao Brasil em 1808 trouxe esta nova mentalidade e contribuiu para as mesmas transformações por aqui (FARIAS, 2006). As políticas higienistas e de embelezamento urbano adotadas, em graus diferentes, em todo o país no início do século XX contribuíram para a busca de um corpo mais saudável, o que ajudou a ressignificar a praia como local de saúde, beleza e modernidade. Este processo está contido no movimento mais amplo ocorrido desde o século XIX de tornar as paisagens naturais mais seguras e transformá-las em “algo dócil e estável” (DIAS; ALVES JUNIOR, 2007, p. 42)
Faz parte da história do desenvolvimento de Vitória, a gradual e progressiva ocupação de seus espaços costeiros (TATAGIBA, 2004). Tal como na grande maioria das cidades litorâneas, as regiões próximas ao mar, especialmente aquelas dotadas de praias, configuram-se como seu espaço mais valorizado. Esta valorização se revela também pela intensa ocupação destas áreas para diversas atividades (VITÓRIA, 2003). Os espaços litorâneos de Vitória são lugar de manifestações artísticas, eventos culturais, campanhas políticas, manifestações sociais e, principalmente, de inúmeras atividades de esporte e lazer. Milhares de pessoas cotidianamente ocupam o mar, as areias e as calçadas para praticar esportes, se divertir, se exercitar ou descansar nas areias e calçadas da orla.
Vitória experimentou no decorre do século XX uma contínua expansão de sua área por meio de aterros, uma ocupação gradual do litoral no sentido norte e a consequente criação de novas zonas urbanas ‘nobres‘. Esta ocupação e sua associação à ocupação da praia como local de esporte e lazer ganharam foro legal com a Lei Municipal 3.267 de 04 de janeiro de 1985 e do Decreto 7.092. Esta legislação define o litoral destas novas áreas nobres como “Zonas Balneares de Lazer”, ajudando a configurar os espaços e as práticas que nos propomos a investigar. As Zonas Balneares tinham sua vocação definida para o desenvolvimento de práticas de lazer “ativo e passivo da população e de turistas”, para o banho público, para competições esportivas e atividades culturais. A lei determinava a recuperação da vegetação nativa da orla, a instalação de bancos para descanso ao longo da praia e a desativação de toda a qualquer boca de esgoto nela existentes. A legislação criava também um serviço de orientação ao exercício destinado a “orientar a todos que se dirijam à Praia de Camburi para a ginástica matutina, vespertina e noturna”. Observa-se um processo de legitimação e organização de determinados trechos da orla destinado a ocupá-los como espaços de lazer, esporte, ginástica, cultura e competições. Assim, encontram-se duas vertentes: a do uso dos espaços públicos na natureza como parte dos equipamentos de lazer urbano das cidades (DIAS; ALVES JUNIOR, 2007) e a centralidade da luta pela beleza e a saúde corporais que designam nossa identidade (LIPOVETSKY, 1989).
Apesar do acima exposto, ainda poucos são os estudos de mapeamento e análise de espaços e equipamentos de esporte e lazer (FRAGA et al., 2009; MARCELINO, 2007; MENDES; RIBEIRO; MEZZAROBA, 2011; NOBREGA et al., 2009; SILVA; BEPPLER, 2012). Segundo Santini (1993), os equipamentos se referem aos objetos que organizam um determinado espaço em função de determinada atividade, enquanto o espaço é entendido como o suporte territorial/geográfico para os equipamentos. Requixa (apud MARCELLINO, 2007, p. 16), faz uma distinção entre equipamentos específicos (construídos com essa finalidade, podendo ser classificados pelo tamanho, atendimento aos conteúdos culturais, ou outros critérios) e não específicos (não construídos para a prática das atividades de lazer, mas que depois tiveram sua destinação específica alterada, de forma parcial ou total, criando-se espaços para aquelas atividades).
Assim, o objetivo deste estudo foi é identificar, descrever e analisar a ocupação dos espaços e equipamentos de esporte e lazer da orla de Vitória visando produzir conhecimento sobre o que é praticado e onde.
MÉTODO
O projeto de pesquisa se caracteriza por ser uma pesquisa de campo. A coleta de dados, a ser conduzida, será realizada em 2 etapas. A primeira etapa consistiu na definição dos espaços (suporte territorial) e dos equipamentos de prática na orla (específicos e não específicos). A segunda etapa na identificação das atividades realizadas. O registro dos equipamentos e das práticas foi realizado a partir do uso de um mapa padronizado de observação e do registro de imagens com máquina digital. Para a realização da coleta de dados foram definidos como pontos de observação os marcos de 400 m e 700 m da praia da curva da jurema e os marcos de 1.250 m e 3.750 m do calçadão da praia de Camburi.
ANÁLISE E DISCUSSÃO
A orla de Vitória possui cerca de sete quilômetros de extensão, tem iluminação para uso noturno, estacionamentos, banheiros, lanchonetes e bares de praia (quiosques). No que se refere ao suporte territorial, pudemos observar que as práticas se estruturam segundo três espaços definidos que co-determinam a natureza das práticas: mar, areia e calçadão.
Em relação aos equipamentos, observamos a existência de equipamentos específicos fixos somente no calçadão, identificamos três módulos do Serviço de Orientação ao Exercício (SOE), equipamentos de ginástica, ciclovia, 1 parque infantil, 2 quadras para tênis, 2 para voleibol, 1 para basquete e 1 para futsal. Existe ainda 1 área fechada para vôlei de praia, 1 área fechada para futebol de areia e outra para futebol de campo, pista e rampa de skate. No que se refere as práticas foram observadas as seguintes: skate, patinação, kangoojump, patinete, ciclismo (em duas e quatro rodas), ginásticas, vôlei (quadra e areia), futsal, futebol, basquete, caminhada e corrida
Em relação a areia foi identificada a existência de 20 núcleos de atividade organizada de maneira privada e uma quantidade não mensurada de atividades autônomas. Nelas são utilizados equipamentos específicos móveis. No que se refere as práticas, foram observadas as seguintes: passeio, caminhada, corrida, beach soccer, altinho, futevolei, volei de praia, beach tenis, frescobol, slackline e ginásticas.
Em relação ao mar foi identificada a existência de 5 núcleos de atividade organizada de maneira privada. No que se refere às práticas, foram observadas as seguintes: natação, snorkeling, pesca esportiva, kitesurf, bodyboard, surf, skimboard, sup, canoagem (caiaque e havaiana), windsurf, iatismo e jetski.
CONCLUSÕES
Os equipamentos existentes, as práticas encontradas e o número de praticantes evidenciam os efeitos das leis acima mencionadas assim como a consolidação da orla como um espaço privilegiado. Observou-se uma crescente ocupação autônoma do espaço, seja pelos indivíduos que se utilizam da orla para seu lazer ou exercitação, seja pela instalação de diferentes atividades profissionais de exercício físico (clubes de corrida, academias de ginástica) e ensino e prática de esportes (frescobol, patinação, skate, entre outros). Este fenômeno começa a gerar alguns conflitos pela ocupação do espaço, assim como, inegavelmente, gera uma forma de privatização e exploração do espaço público. Torna-se necessário estimar o número de praticantes, identificar seu perfil sócio-econômico e conhecer suas motivações e representações sobre a orla e as práticas corporais que nela acontecem.