Integra

  A prática da Educação Física nas escolas, em qualquer de seus níveis e abrangências, tem sido questionada nos últimos anos, tanto em relação aos processos pedagógicos utilizados quanto à sua finalidade e legitimidade junto aos alunos.Estudos realizados em diversos países estão mostrando que são crescentes as constatações de inadequações metodológicas (ou didático-pedagógicas) das aulas de Educação Física, como também demonstram um deslocamento das preferências dos alunos no sentido de práticas culturais ou físicas não formais (Da Costa, 1995).

 Esses pressupostos indicaram a relevância de pesquisas que pudessem ser realizadas no Brasil a fim de comprovar as disfunções da Educação Física e a expansão de opções culturais externas ao nosso cotidiano escolar. Assim constitui-se um grupo de pesquisadores com base no Mestrado e Doutorado em Educação Física da Universidade Gama Filho, que selecionou como ’locus’ de estudo o Colégio Pedro II, Unidade Engenho Novo II, que neste estudo denominaremos de CPII/ENII. Esta entidade tradicional da cidade do Rio de Janeiro dedicada ao ensino público em sua seção no Bairro do Engenho Novo, foi pressuposta inicialmente na pesquisa como atendendo à representatividade das classes sócio-econômicas e às tendências culturais da área metropolitana do Rio de Janeiro.
 A investigação delineada também pretendeu dar continuidade a uma pesquisa anterior realizada pela mesma Universidade, desenvolvida por Lovisolo e colaboradores (1992), que se centrou na Educação Física escolar praticada na área urbana do Rio de Janeiro. Para isso, tal desdobramento da pesquisa original de Lovisolo et alli foi planejado mais em consonância de caracterizações qualitativas do que validade estatística, ou em outras palavras, com ênfase maior na dimensão sincrônica da prática da Educação Física entre escolares do Rio de Janeiro.

 Quanto ao presente trabalho, a abordagem inicial constitui-se numa revisão da literatura nacional por DaCosta (1995) que reuniu posições de diferentes autores sobre o tema Educação Física escolar, chegando-se a conclusão de que os estudos e proposições brasileiras estavam mais orientadas para o exame valorativo da Educação Física do que para interpretações empíricas. Ou seja, os trabalhos voltavam-se com mais ênfase para a tentativa de legitimar a Educação Física no espaço escolar como disciplina, a partir de um conhecimento sistemático de perspectivas pedagógicas. Esta tendência pode representar uma reação à lei 5.692 de 11 de agosto de 1971, que posicionou a Educação Física na condição de uma atividade dentro do currículo escolar.
  As investigações realizadas por Machado de Brito (1990), em Belo Horizonte, e de Lovisolo et alli em 1993, são exemplos desta nova proposição no Brasil. Neste particular, Da Costa (1995) confronta os resultados da última pesquisa com trabalhos realizados pelo Conselho da Europa (1982), McIntosh & Charlton (1985), Belgium Sociological Research Unit (1991) e Comitê Olímpico Italiano (1991). As preferências sobre modalidades desportivas nas crianças e adolescentes brasileiros entre 10 e 14 anos são idênticas na mesma faixa etária às constatadas na Itália e na Bélgica, sugerindo que as escolhas são mais produto da cultura jovem do que resultado de fatores locais peculiares. A tipologia de participação (regularidade, intensidade, sexo, idade, evasão, adesão, etc) é todavia, pouco conhecido no Brasil, ao contrário da Europa cuja incidência de pesquisa é bem mais importante, sobretudo na feição empírica.

Esta investigação teve seu ponto de partida na necessidade de se desdobrar a pesquisa antes cogitada de Lovisolo e seus colaboradores da Universidade Gama Filho, também sediada no Rio de Janeiro, principalmente para observar o papel da cultura no contexto da investigação original.
  O estudo envolveu 969 respondentes da unidade Engenho Novo do CPII, zona norte do Rio de Janeiro. Responderam ao questionário alunos da 5ª a 8ª séries do 1º grau, assim divididos: 5ª (286), 6ª (236), 7ª (202), 8ª (243), com dois alunos não assinalando suas séries. A maioria dos alunos se encontra numa faixa etária dos 11 aos 15 anos (72,7% do total), embora se encontrem alunos dos 10 aos 18 anos de idade. 48,4% dos respondentes eram do sexo masculino, 48,3% do sexo feminino e 3,3% não responderam. Do total, 83,9% moram na zona norte e 88,8% não trabalham. 48,4% dos alunos faz algum tipo de curso livre não vinculado a esporte, sendo que deste total apenas 4% fazem cursos profissionalizantes.

 Buscamos conhecer como o estudante vivenciava seu lazer, seus hábitos e influências culturais assumidas. Para tanto, perguntamos inicialmente como o aluno ocupava seu tempo livre. 29,1% passam mais de 5 (cinco) horas por dia vendo TV, e 20,5% gastam 4 (quatro) horas na frente do aparelho, enquanto no extremo oposto, 1,2% (N=12) disseram não assistir televisão. Embora fique patente a importância de TV como elemento participante na vida destes jovens, em questões subseqüentes 22,9% disseram ir frequentemente a cinema, teatro ou shows e 45,2% lêem com freqüência livros, jornais e revistas. Estes dados sugerem uma razoável vivência em atividades culturais por parte destes alunos.

  O interesse por competições esportivas também é grande. 47,2% dos alunos gostam de assistir competições, sendo que 51,1% ao vivo e 41,3% pela TV. Apenas 3,2% declararam que nunca assistem a competições. Estes dados parecem reforçar a existência de um potencial de influência da TV no conjunto de crenças e atitudes que os jovens podem formar em relação ao esporte e a Educação Física.
Um ponto fundamental deste estudo era estabelecer relações entre os hábitos esportivos dos alunos dentro e fora da escola, de forma de tentar entender melhor as concepções e atitudes dos alunos no que se refere a Educação Física escolar. Em torno de 76,0% dos respondentes praticam atividade física fora da escola; nota-se que esta porcentagem não varia significativamente entre alunos da 5ª a 8ª série, onde os números dos sub-totais oscilam entre 73,7% e 79,7%. Além disso, 23,9% dos respondentes disseram não praticar esportes. Então, atividade física em termos de senso comum, parece ser mais vinculada à categoria lazer-prazer do que a categoria trabalho-obrigação.Do grupo de alunos que declarou fazer algum tipo de atividade esportiva, interessava saber o que faziam de maneira orientada e o que faziam como lazer. Nestas circunstâncias 56,9% dos alunos que fazem atividades físicas, a fazem sob orientação.

Quanto a dedicação à prática esportiva destes alunos, em termos de dias de semana, 36,8% praticam duas vezes por semana, enquanto que 23% praticam três vezes por semana. Os demais se subdividem em percentuais bem menores entre uma, quatro ou mais vezes por semana. Nota-se portanto, mais de 50% dos alunos do colégio tem a prática esportiva como elemento permanente em suas vidas. Esta dedicação pode ser aqui notada também pela revelação que 73,2% dos que praticam esportes ou dança pagam para fazê-lo. Isto significa que 40% dos alunos do CPII/ENII paga para praticar esportes/dança. Deste modo é possível perceber um alto grau de importância dos esportes/dança na vida cotidiana deste jovens coincidindo com tendências mundiais .

  Quando perguntados sobre as atividades corporais que frequentemente praticam na ocupação do tempo livre e como lazer, aparecem com destaque, dentro de doze opções de atividades/ou marcar "outro", a ’pelada’ de futebol (29,0%), o voleibol (19,8%) e a natação (9,7%). As outras opções distribuíram-se com marcas inferiores a 8%. Estes resultados são coerentes com as afirmações que colocam o futebol e o vôlei como os esportes mais populares da atualidade, no Brasil.
  O clube, a casa (entendida como também como vila e condomínio), a rua e a praia, nesta ordem, são os lugares de prática de lazer. Praças e parques foram pouco citados. A soma destes resultados parece indicar a carência de equipamentos urbanos de lazer na zona norte da cidade assim como a alta adesão ao clube como espaço patrocinador do lazer esportivo, contrariamente ao que parece ocorrer na Europa (Heinemann e Puig, 1992).

Por último, no que concerne a hábitos e vivências esportivas destes alunos fora da escola, procuramos saber o que eles mais adquiriam ao praticar esportes/dança. Destacam-se neste caso as opções que traduzem as atividades corporais como espaço de construção inter-pessoal, homologamente à necessidade do jovem em constituir grupos gregários. Assim como também destacam-se as opções que se ligam ao desenvolvimento morfo-funcional que parecem ser, para um significativo grupo de alunos, elementos norteadores de suas vivências.
  A última parte do questionário se relacionava diretamente às experiências e opiniões dos alunos do CPII/ENII em relação as aulas de Educação Física escolar que lhes era oferecida.

Uma questão relevante é a que diz respeito a obrigatoriedade das aulas de Educação Física. Similarmente a pesquisa de Lovisolo et alli, também no CPII/ENII os alunos demonstraram querer optar por fazer aulas ou não. Mas em sua maioria afirmaram que mesmo se optativas. Significativamente, a maioria dos alunos prefere que as aulas não sejam obrigatórias, embora não se tenha definido de que maneira se daria esta opção, se por aula ou por escolha de atividade.

 Quando foi pedido aos alunos que listassem as disciplinas em ordem de importância e preferência em sua maioria, os alunos deram maior importância às disciplinas socialmente valorizadas, instrumentalizadoras, de base profissional (matemática, português, inglês) . Além disso, atribuem pouca importância formativa às disciplinas de cunho humanístico (história, música) revelando assim pragmatismo elevado. Entretanto, apesar dos entraves metodológicos a uma comunicação mais próxima do aluno, é ainda a Educação Física a disciplina de maior preferência.

  É inegável o papel da pessoa do professor neste processo, mas a oposição de valorizações entre expressivo e instrumental na Educação Física, aos alunos importa a satisfação da prática, sem maiores preocupações com possíveis conhecimentos a serem transmitidos. Assim, para eles, a Educação Física assume caráter extremamente subjetivo em que o fazer é extremamente importante.

CONCLUSÃO

Tradicionalmente, as discussões entre profissionais brasileiros a respeito da Educação Física na escola se baseiam mais em idealizações do que em fatos ou dados empíricos de investigações. Por isso, o "dever-ser" da Educação Física no Brasil tem sido traçado à revelia de uma boa parcela de seus sujeitos, que são os alunos.

  Tentar chegar ao encontro da opinião dos alunos, descobrir seus valores e percepções a respeito da cultura corporal e da Educação Física escolar foi o propósito mais amplo da presente pesquisa. Nestes termos e diante das interpretações da seção anterior, extraíram-se as conclusões que se seguem.

A adesão ao esporte como elemento presente na vida cotidiana dos adolescentes e jovens, tanto utilitariamente quanto no lazer, (76% dos respondentes) apresenta comportamento semelhante ao definido no continente europeu (DaCosta, 1995). Esta convergência de atitudes se faz presente também nos aspectos relativos a preferências e freqüências das atividades físicas fora da escola. No entanto, diferentemente do que se observou em outros países, o jovem brasileiro parece ainda não rejeitar a Educação Física na escola. Os resultados indicam que à crescente busca do esporte como elemento de vivência, a Educação Física escolar ainda é desejada e valorizada.

  Expressividade parece ser então um conceito fundamental na interpretação das atividades corporais destes praticantes. Embora 23,9% identifiquem o preparo físico como o maior benefício da prática esportiva fora da escola, ou seja, um elemento instrumental, é na ludicidade, no prazer, que se gera o principal vínculo do aluno à Educação Física na escola. Os dados referentes ao número de aulas, o desejo de fazê-las e o grau de importância elas atribuído indicam a coerência destas interpretações.

 Por outro lado, outras questões se abrem a partir da interpretação dos dados coletados. São questões que ficam por enquanto em aberto a requerer novas abordagens que ampliem e aprofundem o conhecimento do sujeito da Educação Física, o praticante. A variação dos fluxos de aderência e evasão é uma delas. Enquanto na escola a freqüência é garantida pela obrigatoriedade legal, nos faltam dados que avaliem a dinâmica da entrada, permanência e saída dos jovens nos grupos de atividades esportivas. Do mesmo modo, a intensidade desejada ou requerida das atividades corporais não pôde ser avaliada pelos resultados obtidos.

 Outra variável que merece um desdobramento próprio no futuro é a que se refere a gênero. Embora os resultados obtidos por Machado de Brito (1990) com alunas apresente semelhança consistente aos dados por nós agora levantados com alunos de ambos os sexos, as tentativas de se levar a cabo pesquisas que confrontem as possíveis diferenças de percepção e atitude a respeito da Educação Física, do esporte e do lazer são recomendáveis.

 Recomendáveis também são as tentativas que venham a se fazer no sentido de conhecer melhor as relações entre as aspirações e a prática real dos adolescentes, tentando desvelar desejos, projeções e entraves a prática das atividades corporais entre os adolescentes e jovens, em geral


  Parece no entanto, a partir dos dados levantados tanto na literatura quanto nesta pesquisa propriamente dita que se pode delinear uma cultura esportiva própria do adolescente. Esta valorização parece se dar por estímulos de uma cultura abrangente e ampla, a qual os sistemas tradicionais de ensino não demonstram terem ainda se ajustado, o que talvez signifique que não estamos nos fazendo entender enquanto educadores, ou pior, talvez não estejamos conseguindo compreender as mudanças que vem acontecendo com nossos alunos.
O jovem tem se firmado cada vez mais uma autonomia que combina estímulos universais a interpretações locais.Assim as práticas esportivas se combinam a outras formas de lazer como a televisão ou o shopping, todas tão comuns quanto efêmeras. Deste modo a produção de sentido da prática esportiva, tanto formal quanto não-formal, parece estar se deslocando para longe do controle dos profissionais de Educação Física e se fixando nas mãos dos destinatários.


Estas constatações e interpretações nos levam a concluir que parece ser necessário que tanto a Educação Física em particular, quanto a escola em geral, se ponham em ajuste às tendências que presentemente se delineiam, com um jovem múltiplos em interesses e vivências, se sujeitando as influências da mídia e da cultura que se globaliza.

BIBLIOGRAFIA

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