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A pesca é uma prática presente na cultura da cidade do Rio Grande/RS. É possível visualizar nesta cidade a pesca profissional (tanto industrial quanto artesanal) e amadora (esportiva e também a pesca enquanto lazer). Para esta pesquisa focamos nosso olhar nas pessoas que se apropriam da pesca em seus momentos de lazer em dois espaços públicos da cidade do Rio Grande. Os locais elegidos para a pesquisa foram os Molhes da Barra e o Rincão da Cebola. O objetivo da pesquisa foi entender quem são os pescadores de ambos os locais, como eles pescam, se utilizam as mesmas técnicas e os mesmos equipamentos, quais são as relações sociais existentes entre eles, o que conversam e principalmente tentar compreender os aspectos que os levam para beira do mar ou da lagoa.

A metodologia escolhida nesta pesquisa foi de cunho qualitativo baseada em princípios etnográficos. Utilizamos como instrumentos de pesquisa: a observação participante e a entrevista semiestruturada. A coleta de dados foi iniciada em janeiro de 2012 com as idas à campo em dias e horários diferenciados e nos dois locais escolhidos para pesquisa e finalizadas em maio de 2012. Foram realizadas 15 idas a campo e cinco entrevistas. As saídas de campo duravam de duas a três horas de observação, sendo que na maioria das vezes essas observações eram permeadas por conversas com alguns pescadores. Os entrevistados foram quatro homens e uma mulher com idades entre 21 e 60 anos, e foram selecionados durante a pesquisa por mostrarem-se disponíveis em colaborar com o trabalho.

CONHECENDO OS UNIVERSOS DA PESCA

Rio Grande uma cidade localizada ao sul do Rio Grande do Sul, considerada o berço do Estado, foi fundada em 19 de fevereiro de 1737. Sua geografia favorece as fainas marítimas, pois trata-se de uma porção de terra situada entre a Lagoa dos Patos, o Oceano Atlântico e a Lagoa Mirim. Sua economia está fortemente ligada ao mar, pois possui o segundo maior porto brasileiro em movimentação de mercadorias, além disso, possui diversas indústrias na área de alimentação e produção de adubos e nos últimos anos alavancou sua economia com a indústria naval passando a ser referência na produção de plataformas para prospecção e produção de petróleo. Além disso, a pesca está inserida na cidade enquanto profissão, pesquisa, desporto e também como prática de lazer. Focando este último aspecto é que destacamos os dois locais onde foi realizada a pesquisa: os Molhes da Barra e o Rincão da Cebola.

O primeiro espaço é o Rincão da Cebola que é um cais de aproximadamente 350 metros localizada próximo ao centro da cidade. Atualmente passa por obras de revitalização a cargo da Superintendência do Porto do Rio Grande e Prefeitura local. O objetivo da revitalização é tornar o local mais um atrativo turístico e de lazer na cidade, sendo importante frisar que dentro da área revitalizada haverá um espaço apropriado à prática da pesca atendendo assim a uma das formas de apropriação do local pela população riograndina.

O outro local são os Molhes da Barra que, juntamente com a praia do Cassino, considerada a maior do mundo em extensão, talvez sejam, depois do porto, os locais que mais projetam Rio Grande. Os Molhes são dois longos braços de pedras que avançam em direção ao alto mar construídos em 1911 e ampliados em 2010. São considerados a terceira maior obra de engenharia naval do planeta, ficando atrás apenas dos canais de Suez e do Panamá. Foi construído para dar maior segurança às embarcações que vinham atracar no porto local. Hoje, além de propiciar segurança à navegação, tornou-se um conhecido ponto turístico e um dos principais locais de prática de várias modalidades de pesca na cidade.

APROPRIAÇÃO DA PESCA PELAS PESSOAS NO LAZER

Dentre os resultados obtidos na pesquisa, consideramos que a apropriação da pesca pelas pessoas nos seus momentos de lazer está relacionada, principalmente com os seguintes aspectos: (in)existência de barreiras ao lazer; importância do pescado; sociabilidade; e a circulação por diversos lugares. Passamos agora apresentar esses aspectos.

Melo (2010) e Marcelino (2006) apresenta em sua obra algumas barreiras para o Lazer, dentre elas o fator econômico. No universo pesquisado, conforme relatado nos diários de campo, essa barreira parece ser transposta pelos nossos informantes. Muito embora alguns pescadores utilizem equipamentos sofisticados e caros para a pescaria, além de ter gastos com deslocamentos, alimentação e outros fatores associados à logística do seu lazer, outros pescam apenas com linhas de mão, enroladas em uma garrafa pet conforme foi encontrado nas idas à campo. Este fato também é corroborado pelo depoimento do informante B “...eu tendo um anzol, uma chumbada e uma linha tá feito pra mim, e a isca...” (entrevista realizada no dia 04/06/2012). O transporte utilizado para chegar aos locais também chamaram nossa atenção. Enquanto muitos chegam em automóveis e motocicletas, outros utilizam bicicletas e até carroças.

A questão econômica é pouco influente mesmo pelos que consideram que o gasto com a atividade de lazer é elevado. O entrevistado D, por exemplo, afirma que “Se a gente for avaliar, com certeza valeria muito mais a pena comprar o peixe na peixaria. Mas efetivamente o que a gente busca na pesca é a satisfação, aquela expectativa de capturar o peixe, depois comer o peixe, mas se gasta com certeza se gasta” (entrevista realizada no dia 28/04/2012).

Mas independentemente do material utilizado, parece ser consenso entre os informantes que para a prática da pesca o menos importante é o pescado. Durante a entrevista com o informante B ao ser questionado sobre qual o pescado que mais aprecia, responde, em um tom jocoso, que é “a isca” (entrevista realizada no dia 07/04/2012). Este informante utiliza, normalmente, em suas pescas o camarão enquanto isca. Isso também fica evidenciado por outras declarações dos entrevistados ouvidos ao serem questionados sobre o destino do que é capturado. O Informante A falou que “Depende, às vezes a gente fica [com o pescado], às vezes a gente dá pra alguém, algum vizinho, alguma coisa. Dependendo do tamanho a gente devolve [para a água]” (entrevista realizada no dia 25/03/2012).
No entanto o pensamento do informante D parece destoar dos demais. Questionado sobre o destino do peixe é peremptório: “Normalmente a gente guarda, congela pra consumir depois ou consome na hora” (entrevista realizada no dia 28/04/2012). Denota que além do prazer que a atividade em sí representa, aprecia degustar o pescado que captura.

A sociabilidade surge como outro elemento de análise, pois é uníssono entre os informantes que a pescaria é uma atividade coletiva e que o convívio com amigos e familiares é um dos prazeres apreciados pelos pescadores em seus momentos de lazer. O informante A estima que “..setenta por cento das vezes é com outras pessoas [que pesco], com minha esposa, com os amigos” (entrevista realizada no dia 25/03/2012). Isso é corroborado pela informante B ao ser questionada sobre com quem pesca: “normalmente pescamos os três. Eu, ele [o marido] e a minha irmã...as vezes pescamos com outras pessoas, algum amigo que a gente convida, né” (entrevista realizada no dia 07/04/2012)

Como foi visto as pescarias raramente ocorrem de forma solitária. E a companhia de familiares e amigos fomenta conversas que vão de assuntos familiares a brincadeiras sobre futebol e também a pesca. O informante A considera que os assuntos em pauta na pescaria vão depender da pessoa que o acompanha: “Depende. Quando é com a esposa, da casa, do trabalho. Quando é com os amigos, trabalho, futebol e outros assuntos” (entrevista realizada no dia 25/03/2012). Já o informante D é mais elucidativo ainda no que tange à sociabilidade presente nas pescarias em que participa, para ele “ambiente mais fraterno e descontraído é impossível. Primeiro, porque normalmente é com familiares, com parentes próximos onde rola aquele clima de amizade. Então a coisa é muito descontraída mesmo, é risada o tempo todo, se conversa sobre tudo um pouco” (entrevista realizada no dia 28/04/2012).
Outro aspecto que acabou emergindo durante a análise dos dados coletados é a circulação entre lugares. Contrariamente do que se supunha no princípio da pesquisa, os pescadores não praticam seu lazer em apenas um lugar, inclusive relatam pescarias em outras cidades. No início da pesquisa se supôs que os pescadores dos dois locais eram pessoas diferentes, no entanto, o que se constatou foi que estes circulam pelos locais havendo apenas preferências de ir a um ou a outro de acordo com o tempo, o clima e a disponibilidade do próprio pescador.

SABOREANDO O PESCADO

A pesca por lazer no universo pesquisado encerra em si mais significados do que simplesmente capturar o peixe. Para as pessoas que pescam por lazer capturar mais ou menos peixes tem importância relativa. Para elas a companhia dos amigos e familiares, as conversas animadas a beira d’água, enfim o sentir-se parte da natureza e de seu grupo social é que tem maior valor. Para estes pescadores importa pouco o quanto gastam, o quanto de cansaço físico acumulam, o que nos leva a concluir que se as barreiras ao lazer anunciadas por Melo (2010) e Marcelino (2006) existem, elas não os impedem de praticar seu lazer. Conviver com amigos e familiares, rir, brincar, descontrair-se são fatores para vivenciar esse lazer, ou seja, conforme Marcelino (2006) esse tempo é marcado pela atitude dos pescadores diante de sua atividade para caracterizar o seu lazer. Havendo água, a possibilidade de se capturar peixes e boa companhia, está feita a pesca! A atividade pesqueira, nos momentos de lazer das pessoas pesquisadas, é, sobretudo, um momento de alívio de tensões como afirmaram Elias e Duniing (1992). Nestes momentos são esquecidos os problemas e o que vale é a confraternização e o estar junto à natureza e daqueles que os entrevistados apreciam.

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