Políticas da Aventura: Sobre Projetos de Lei, Definições Oficiais e Audiências Públicas
Por Marília Martins Bandeira (Autor).
Em VIII Congresso Brasileiro de Atividades de Aventura - CBAA
Integra
RESUMO
O objetivo desta pesquisa foi analisar os interesses em conflito no processo de agendamento político da regulação das práticas de lazer de aventura. Os dados foram coletados por meio de uma análise de documentos com base em diferentes publicações oficiais do governo, bem como notícias e comentários sobre essas políticas em sites e blogs especializados. Os resultados demonstram que atividades ao ar livre tornaram-se institucionalizadas no Brasil, como um conjunto, na década de 2000 com a criação da Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura ( ABETA ), em parceria com o Ministério do Turismo (2004), e da Comissão de Desportos de Aventura (CEA), do Ministério do Esporte (2006). Ambas reivindicam o direito de regular o campo. Enquanto ABETA já desenvolveu um programa nacional, chamado Aventura Segura, desde 2006, a CEA (representando as diversas associações desportivas) resiste a aceitar e seguir os parâmetros definidos pela ABETA. Baseada em direito esportivo, a CEA argumenta que as ações da ABETA são inconstitucionais. No entanto, desde 2007, a Comissão cessou as suas atividades limitando-se a oferecer definições oficiais para esses esportes. E a única lei sobre o assunto em tramitação na Comissão de Turismo e Desporto da Câmara dos Deputados foi rejeitada e arquivada. Esta análise conclui, então, que a aventura é campo híbrido, não pode ser exclusivamente esporte ou turismo. Sua regulamentação precisa ser pensada em colaboração. Quando reivindicam apenas para si este direito, os dirigentes negam a vida prática e impossibilitam iniciativas fecundas de uma e outra área.
Palavras-chave: aventura, política, regulamentação
Introdução
Ao contrário das convencionais, esportes alternativos e/ou atividades de aventura, concebidas como práticas de liberdade por seus adeptos, foram caracterizadas pela literatura por uma relativa falta de normas e recusa a seguir códigos de regulação. Paradoxalmente, sua popularização e a ocorrência de acidentes trouxeram a necessidade de estabelecer alguns limites, o que faz das políticas nacionais para essas atividades uma demanda civil e uma agenda de pesquisa (Tomlinson et al 2005).
Em pesquisa anterior, de mestrado, foi identificado um conflito entre organizações esportivas e de turismo pelo direito à regulamentação deste campo no Brasil, visto que atuação profissional e exploração comercial são disputados por guias de turismo, esportistas e professores de educação física. Nas últimas décadas embates simbólicos e técnicos se acirraram e culminaram com a criação de instituições como, em 2004, a Associação Brasileira de Ecoturismo e Turismo de Aventura (ABETA) em parceria com o Ministério do Turismo e, em 2006, a Comissão de Esportes de Aventura (CEA), do Ministério do Esporte.
A última, criada por demanda dos agentes sociais de vinculação institucional com o esporte, por uma resposta ao Programa Aventura Segura e normas ABNT que 86 eram criadas pela ABETA e interpretados como arbitrários, se propôs a elaborar um programa de segurança à partir da reflexão conjunta de confederações, federações e associações sobre as normas já existentes para sua padronização, enquanto uma ação jurídica pretendia impedir a implementação do programa da ABETA. Deste ponto de vista, o programa era inconstitucional visto que pretendia regular práticas esportivas via instituições turísticas e feriria o princípio da autonomia esportiva previsto na constituição. Entretanto, após comunicação oficial da ABETA sobre seu entendimento em relação à diferença de turistas e esportistas e a alteração dos textos de seu programa que se propunha a versar não mais sobre esportes de aventura, mas agora apenas sobre turismo de aventura, a CEA cessa suas atividades.
O objetivo da presente pesquisa foi analisar os processos que levaram ao conflito e seus desdobramentos. Este artigo é parte de pesquisa de doutorado financiada pela Fundação de Pesquisa de São Paulo (FAPESP) sobre as políticas públicas brasileiras para a aventura de lazer.
Metodologia
Os dados aqui apresentados foram construídos via análise documental com base no princípio da crítica ao documento de Cellard (2012): descrição do contexto em que o documento foi produzido, identificação de quem são seus autores e como se articulam no campo, bem como, para quem ele foi produzido e quais são seus conceitos-chave. O corpus da pesquisa foi composto por fontes primárias, ou seja, documentos correspondentes a constituição federal, projetos de lei e publicações em diário oficial; e fontes secundárias como matérias, notícias e colunas escritas por agentes envolvidos na disputa pelo campo, assim como são divulgadas em websites e blogs.
Desta forma, foram mapeados para a análise as publicações relativas a tais práticas presentes em arquivos digitais abertos e disponíveis online: do Ministério do Esporte, da Câmara dos Deputados (mais especificamente a sessão da Comissão de Turismo e Desporto), do Conselho Nacional de Educação Física, do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, além do blog de Cláudio Consolo (presidente da Associação Brasileira de Parapente e advogado especialista em direito esportivo que moveu ação contra a ABETA e lá discorria abertamente sobre suas ações) e portais especializados em notícias como Webventure, 360 graus e Altamontanha.com, que versaram sobre o tema.
Além disso foi definido como recorte temporal desta pesquisa o período entre 2003 à 2013. O primeiro ano é marcado pela separação dos Ministérios do Turismo e do Esporte e por ações que culminaram com a criação da ABETA, agente institucional central no conflito com as entidades esportivas de aventura, no ano seguinte. O ano final marca a rejeição do último projeto de lei relacionado a este tema e suas emendas em trâmite na Comissão de Turismo e Desporto da Câmara dos Deputados e também marca seu último ano de existência já que é dissolvida em Comissão de Turismo e Comissão de Desporto em Fevereiro de 2014.
Desenvolvimento: Resultados e Discussão
Emblemática publicação, intitulada Esportes de Aventura contra o Ministério do Turismo, de autoria de Cláudio Consolo, para o site especializado 360 graus em 18 de Maio de 2005, demonstra a explanação introdutória deste trabalho:
O Ministério do Turismo está patrocinando um processo de certificação no turismo de aventura, que além de ser incoerente, viola a autonomia das entidades nacionais de administração dos esportes de aventura. Incoerente por que imaginar que empresas, longe do universo dos clubes de prática e do meio esportivo de aventura, poderão atestar se um esportista está apto para conduzir terceiros, utilizando técnicas e equipamentos destes esportes, é desconhecer a realidade. Somente técnicos do governo, dentro de seus gabinetes e distantes da realidade do meio esportivo de aventura, poderiam imaginar que, por exemplo, seria possível certificar se um pará-quedista está apto para realizar um salto duplo longe dos clubes de pará-quedismo e da Confederação Brasileira de Pará-quedismo. O mesmo diga-se em relação ao Parapente e a ABP, Montanhismo e a CBME e assim por diante, esporte por esporte de aventura. Ao invés do Ministério do Turismo procurar se aliar às entidades nacionais de administração dos esportes de aventura e aparelhá-las para fazerem aquilo que pela lógica e pela legislação esportiva pertencem a esferas das suas atribuições, optou por criar um sistema de administração paralelo que viola sua autonomia administrativa. Autonomia esta que foi elevada a categoria de direito constitucionalmente protegido através dos dispositivos do artigo 217 da nossa Lei Maior, que foram disciplinado (sic) pela Lei 9615/98. O turismo de aventura é composto por dois componentes bem distintos: a) Componente turístico, b) Componente esportivo. O que o Ministério do Turismo está tentando fazer é desnaturar o componente esportivo do turismo de aventura ao afirmar que tudo o que diz a seu respeito estaria sob sua égide.
A Revista EF, do Conselho Federal de Educação Física (CONFEF), em seu número 18 de 2005, visto a polêmica, publica matéria intitulada “Esporte de Aventura é diferente de turismo de aventura” e ilustra exemplarmente os vários pontos de vista de agentes sociais envolvidos na luta pela aventura:
O aparecimento e o crescimento das práticas esportivas de lazer sério e de competição com aventura e risco, junto à natureza, ampliam a tensão entre esporte espetáculo, realizado em ambientes cristalizados, e as práticas outdoor, bem como entre ambiente e desenvolvimento, fazendo surgir na relação ecologia/esporte/turismo uma demanda de diferentes grupos sociais: dos praticantes, de políticos, de movimentos preservacionistas, de empresários, organizadores de passeios/excursões de aventura, de Profissionais de Educação Física e outros. Neste contexto, o interesse do Ministério do Turismo no desenvolvimento das vertentes comerciais dos chamados esportes de aventura seria muito bem recebido, caso houvesse o entendimento de que a atividade turística deve, para sua própria longevidade e para a segurança da sociedade, estar atrelada à orientação de profissionais qualificados e habilitados para a realização das atividades esportivas que constituem seu objeto. A Revista E.F. apresenta diversos posicionamentos a respeito da matéria e abre espaço para a categoria discutir e se posicionar a respeito.
Um dos entrevistados, Cláudio Consolo, novamente aparece como agente central e articulador neste campo de disputa pela regulação das práticas de aventura no Brasil. Suas colocações públicas acerca do tema são freqüentes e aparecerão ao longo de todo o texto como eixo central, embora sempre matizadas por opiniões divergentes que compõem o fenômeno e dimensionam sua complexidade.
Infelizmente o esporte no Brasil é sempre o último da fila, quando se trata de políticas públicas. Não é por menos que distorções e mais distorções são encontradas em todos os seus segmentos. Assim, antes de tratar do problema específico do segmento esportivo de aventura, tenho que falar sobre o total abandono a que estão sujeitos os esportes não-olímpicos no Brasil, por falta de mecanismos legais que os viabilizem. Os esportes não-olímpicos respondem por quase 70% da atividade esportiva praticada no país e todos sabem da dificuldade em administrá-los e a fragilidade das suas instituições. Quantas e quantas federações, clubes de prática e entidades nacionais de administração deste enorme segmento esportivo dependem exclusivamente da dedicação de apaixonados, que na maioria das vezes acabam por colocar os seus familiares para trabalhar e dinheiro do próprio bolso para manter vivas suas instituições esportivas! Os esportes de aventura estão inseridos nos não-olímpicos e administrá-los nestas condições é um fardo bem mais pesado do que os outros, por causa das suas especialidades e do fator de risco que é inerente ao segmento [...] O Ministério de Turismo considera que a atividade é turística, entendendo, assim, possuir poder para regulamentá-la a sua maneira [...] Vale explicar que [...] normas no âmbito da ABNT são obrigatórias em nosso país, porque, pelo artigo 39, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, se houver Norma Técnica produzida pela ABNT, esta é obrigatória, sendo proibido colocar no mercado de consumo produtos ou serviços que não a respeitem [...] A inserção de elementos estranhos na administração dos esportes de aventura é um erro crasso, que terá conseqüências desastrosas, além de ser manifestamente ilegal. É preciso que o esporte brasileiro se una contra este tipo de situação.
Vera Lucia de Menezes Costa, autora da primeira e premiada tese de doutorado sobre modalidade de aventura no país e, que viria a se tornar dois anos mais tarde, representante do CONFEF junto à Comissão de Esporte de Aventura, à época Docente do Programa de PósGraduação em Educação Física da Universidade Gama Filho. Apresenta um contraponto, na entrevista que concede à mesma matéria, como ilustra o excerto a seguir:
Não vejo disputa. O Ministério do Turismo está promovendo uma certificação do Turismo de Aventura no Brasil [...] buscando qualidade na oferta dessas atividades e esbarrou com a área afim - o esporte de aventura. Mas é importante frisar que o fez com legitimidade e transparência junto ao Ministério do Esporte e aos pequenos empresários que atuavam nessa área. Como os atores que transitam no esporte de aventura formaram-se na prática da atividade, a experiência é que lhes confere credibilidade. O fato é que não temos órgãos reguladores esportivos no Brasil para tal setor. Apenas algumas confederações esportivas o fazem, em especial aquelas vinculadas a esportes aéreos e aquáticos, que têm algumas parcerias internacionais. Nas demais, que se vinculam a esportes terrestres, instala-se o caos, ficando todos os usuários sujeitos às más condições de atendimento e a predações à vida e ao meio ambiente. Trata-se de um território vazio, onde quem se instalar primeiro leva a melhor e, por tradição e competência, será reconhecido pelos pares e pelos consumidores [...] Nossa área, a Educação Física, no entanto, não dimensionou o crescimento do esporte de aventura e de risco calculado no Brasil e no mundo. Priorizou a atividade física urbana e em estabelecimentos, como academias, escolas e outros. Não vejo disputa com o turismo. Nosso condutor esportivo, em sua maioria, não se profissionalizou ainda. O praticante não é, muitas vezes, profissional de Educação Física, mas profissional ou universitário de geologia, biologia, engenharia e de outras áreas, ou não tem formação acadêmica alguma, praticando a atividade como lazer, acompanhando outros que têm interesses 89 comuns aos seus. Sua atividade é lúdica, no sentido estético, exploradora de outros territórios. Com a pressão por segurança e qualidade da certificação do turismo, os condutores da área esportiva também precisarão se reordenar. A técnica da condução na área (trekking, escalada, canoagem, rafting, arvorismo, cavalgada, e outros) é esportiva. É responsabilidade do Estado oferecer aos cidadãos condições para a execução de uma atividade segura e de qualidade em parques públicos. Esses condutores se auto-formam ou recebem um curso de mínima duração de algumas confederações esportivas ou de associações internacionais certificadoras. Ou seja, não temos formação oficial a oferecer para essa especificidade. Pensar que o curso de graduação em Educação Física é suficiente é ingenuidade. Pensar que se dará pelas vias acadêmicas comuns tradicionais de especialização e pós-graduação é afastarse da realidade e da cultura juvenil que promove as ações nesses esportes. Para controle dos riscos a que a atividade é submetida, faz-se necessário ter pessoal qualificado para conduzir as atividades, reunir informações sobre o tema (dados de pesquisa), certificar os equipamentos e as condições de resgates em casos de acidentes e estabelecer uma política de esportes de aventura e risco calculado. A grande vantagem da iniciativa da certificação do turismo de aventura foi trazer à tona a necessidade da especificação das competências de atuação do condutor esportivo de aventura e, à luz, a necessidade de se debater, publicamente, o tipo de formação adequada e necessária para esse condutor e apressar-lhe a condição de profissionalizarse.
Neste ínterim, algumas leis que tramitavam em níveis locais já geravam discussões como a comentada no site especializado Webventure. Seu autor, André Ilha, montanhista, coordenador do Grupo de Ação Ecológica (GAE) e ex-presidente do Instituto Estadual de Florestas do Rio de Janeiro, em matéria intitulada “Leis de mais, aventura de menos”, de 05 de Março de 2007, traz um contraponto importante à centralidade do risco como característica destas práticas, defendida no excerto acima, ilustrando exemplarmente as divergências discursivas neste campo, que não podem carecer de consideração teórico-metodológica:
A ser observado estritamente o texto de lei recentemente aprovada em Minas Gerais, por exemplo, quem for jogar uma pelada no Parque das Mangabeiras estará sujeito à aprovação prévia do Corpo de Bombeiros e de um "órgão competente", a assinar um termo de responsabilidade e, ainda, deverá estar acompanhado de "monitores habilitados", uma vez que, de acordo com este diploma legal, esportes de aventura são todas as "modalidades esportivas de recreação que ofereçam riscos controlados à integridade física de seus praticantes e exijam o uso de técnicas e equipamentos especiais", definição que se aplica perfeitamente ao futebol (muito mais pessoas se lesionam jogando bola do que escalando montanhas, e bola e chuteiras nada mais são do que equipamentos especiais para este esporte). Pela versão original de projeto que tramita na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, seria exigido dos escaladores o uso de luvas, algo como obrigar mergulhadores a usar pés-de-pato de chumbo... Por fim, mesmo no tocante à prática comercial, alguns destes atos trazem embutidas uma burocratização excessiva e a ostensiva cartorialização da atividade. O exemplo mais desanimador nesse sentido nos foi dado pela Lei 2353/06 da cidade de Niterói, que determina que só se usem equipamentos certificados por entidade ligada à Empresa de Lazer e Turismo do Município e que só possam atuar no ramo profissionais oriundos de cursos previamente aprovados por ela, além de estabelecer uma inacreditável reserva de mercado para "profissionais já em atividade no Município"! Alguém ganhará com 90 isso, mas este alguém não será, decerto, os esportes de aventura e nem mesmo o turismo de aventura, pois o programa do curso estipulado para os seus "profissionais" está muito aquém do currículo exigido há décadas pelos clubes amadores para os seus próprios guias. É natural que atividades novas gerem novas demandas e desafios para o legislador, e os dispositivos acima elencados devem ser entendidos como os inevitáveis tropeços iniciais em uma longa caminhada que apenas se inicia e que deveria estar voltada apenas para as práticas comerciais. Pois, no tocante à prática amadora, fazemos nossas as sensatas palavras do deputado Otávio Germano, relator do Projeto de Lei Federal nº 5609/05, no voto que levou ao seu arquivamento definitivo: "Não cabe ao Estado interferir nessas relações. Se alguém se permite correr determinados riscos inerentes a uma atividade a que voluntariamente se submete, que o faça livremente, no uso da liberdade que lhe é constitucionalmente assegurada. E mais, diante de um Poder Público que já não consegue atender, razoavelmente, a outras imposições mais graves e tipicamente públicas, não se justifica sobrecarregá-lo ainda mais com responsabilidades outras e menores no campo regulatório e fiscalizatório".
Entretanto, a circulação na mídia de vídeo da morte de uma menina em acidente de bungee jump, filmado por seu próprio pai, motivou o senador Efraim Moraes a propor o PLS 403/05, como releitura do 5609/05. Reações dos agentes envolvidos culminaram em audiência pública. Noticiada no site do senado, em 02 de Junho de 2008, com o título “Projeto que regulamenta prática de esportes radicais e de aventura será debatido em audiência pública”, a matéria apresenta o risco novamente como motivação central para a legislação sobre aventura:
Mortes e constantes acidentes, muitos deles graves e que vêm mutilando atletas que praticam os chamados esportes radicais ou de aventura - como bungee jump e rapel - poderão levar o Senado a aprovar uma lei fixando regras para essas diferentes modalidades esportivas. Entre as normas em discussão, está a que condiciona a prática dos esportes radicais à qualificação técnica de instrutores e demais profissionais responsáveis pela preparação dos locais e operação de equipamentos, por meio de certificado obtido em curso específico. O assunto será tema de audiência pública no Senado nesta quarta-feira (4). O primeiro passo já foi dado pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS), que aprovou parecer a projeto de autoria do senador Efraim Morais (DEM-PB) que estabelece regras para os esportes radicais. O projeto (PLS 403/05) chega a exigir o selo de controle de qualidade dos equipamentos usados em esportes radicais, a ser emitido pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial (Inmetro). Os estabelecimentos responsáveis pela comercialização de equipamentos usados nos esportes radicais e de insumos utilizados na montagem desses equipamentos, de acordo com o projeto, serão obrigados a exigir, do adquirente, o Certificado de Comprador, emitido pelo Poder Público em favor do profissional autônomo ou entidade habilitada a prover a oferta de esportes radicais ou de aventura. Quem vender equipamentos a pessoas não qualificadas para a prática dos esportes estará sujeito a multa e pena de detenção de seis meses a dois anos. A preocupação dos senadores é tamanha que eles resolveram fazer uma audiência pública na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) para instruir a tramitação do projeto, que será votado em decisão terminativa nesse colegiado. Marcada para esta quarta-feira (4), a partir das 10h, a reunião procura ampliar a discussão da matéria. Entre os convidados, está Flávio Padaratz - o Teco - bicampeão mundial de surfe e proprietário da licença WCT no Brasil. Também deverão 91 participar da audiência pública o presidente da Confederação Brasileira de Surf, Antônio de Barros; o diretor do Departamento de Qualificação, Certificação e de Produção Associada ao Turismo, do Ministério do Turismo, Diogo Demarco; o presidente da Confederação Brasileira de PáraQuedismo, Jorge Derviche Filho; o diretor do Departamento de Esporte de Base e de Alto Rendimento, do Ministério do Esporte, André Arantes; e o presidente da Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada, Silvério Nery Filho.
Em 04 de Junho de 2008, o site Altamontanha.com replica notícia dada por Cláudio Bernardo no website da Agência do Senado, intitulada “Especialistas defendem mais debate sobre projeto de lei” acrescentando à chamada a expressão “Projeto Sem Noção”:
A discussão sobre o projeto de lei do Senado que estabelece regras para a prática de esportes radicais ou de aventura deve ser ampliada para que pontos da proposta sejam mais bem esclarecidos. Essa foi a manifestação de especialistas em esportes radicais que participaram, nesta quarta-feira (4), de um debate sobre a matéria na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE). O relator, senador Raimundo Colombo (DEM-SC), prometeu promover novas discussões, mas afirmou que os esportes radicais e de aventura necessitam ser regulamentados. Para o senador, é preciso dar mais segurança aos praticantes, além de garantir equipamentos e insumos de qualidade. O presidente da Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada (CBME), Silvério José Nery Filho, disse que os equipamentos usados no país para a prática de esportes radicais ou de aventura são de boa qualidade e estão de acordo com os padrões da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Ele informou que, de acordo com estatísticas, dentro do setor de montanhismo e escalada, em cada seis anos é registrada apenas uma fatalidade. Já o presidente da Confederação Brasileira de PáraQuedismo (CBPQ), Jorge Derviche Filho, informou que o esporte já possui regulamentação, enquanto Flávio Padaratz - o Teco - bicampeão mundial de surfe, advertiu que o projeto, como está elaborado, poderia gerar "conseqüências drásticas" para o esporte. Ele observou que o surfe é considerado também um esporte livre, que se confunde com um lazer. No Brasil, conforme informou, há cerca de 3,5 milhões de praticantes dessa modalidade, sendo muito difícil, conforme reconheceu, o credenciamento de instrutores para ministrar aulas de surfe, conforme determina o projeto. O representante do Ministério do Turismo Diogo Demarco reconheceu que o setor deve ser normatizado, desde que em comum acordo com federações, associações e entidades ligadas aos esportes radicais e de aventura.
Assim, esta primeira redação do PLS 403/05 sofreu modificações pelo relator Raimundo Colombo, aconselhado por Claudio Consolo, que endereçavam as demandas das entidades esportivas e foi aprovada pelo senado passando à tramitação na Câmara dos Deputados como PL7288/10. Nesta versão sofreu propostas enviadas pela ABETA, via ofício, que foram apresentadas como emendas pelo deputado Marcelo Teixeira. Neste ínterim, em 30 de junho de 2010, uma nova audiência pública no Congresso, desta vez na Câmara dos Deputados, foi convocada e colocou em embate os interesses dos agentes do esporte e do turismo. O Programa Aventura Segura continuou sendo implementado e um hiato se formou no campo esportivo.
Embora ainda prevista no quadro do Ministério do Esporte, a Comissão de Esportes de Aventura não registra atividades desde 2007, tendo limitado-se à elaborar e publicar as definições oficiais para esportes de aventura e esportes radicais. As atividades planejadas para elaboração da regulamentação sobre segurança parecem ter sido abandonadas. A hipótese deste trabalho é que a Comissão não encontrou as condições estruturais e financeiras para continuar seu trabalho devido à política do Ministério.
Assim como nos dão a pensar os documentos trazidos por este artigo, a situação dos esportes de aventura faz parte de um quadro maior. A legislação esportiva brasileira é conceitualmente incongruente e privilegia esportes de alto rendimento, especialmente o futebol profissional masculino (Castellani, 2008). Em 2003, com a criação da Conferência Nacional de Esportes, um espaço bienal de participação pública na elaboração de políticas para o setor, vislumbrou-se uma saída. Mas as decisões tomadas em 2004 e 2006 em favor dos esportes de lazer, não garantiram sua implementação. Após a conferência de 2008 não ser convocada, a prioridade imposta pelo governo em 2010, veio a ser sediar os mega-eventos Copa do Mundo FIFA de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, bem como a inclusão do Brasil no ranking entre os 10 maiores medalhistas olímpicos (Mascarenhas, 2012). Em 2012, a Conferência também não aconteceu, e o Ministério do Esporte continua a negligenciar questões do lazer, como as práticas de aventura.
Enfim, apesar dos esforços de Cláudio Consolo, no dia seis de agosto de dois mil e treze o deputado André Figueiredo (PDT-CE) emitiu a rejeição das emendas e também do PL 7288. Sua justificativa é apresentada a seguir, assim como divulgada pelo site da Câmara dos Deputados:
Este projeto tem por objetivo regulamentar a prática de esportes radicais e de aventura. A matéria é relevante haja vista a segurança se constituir em um dos princípios basilares do direito individual ao desporto, conforme definido no art. 3º da Lei nº 9.615, de 1998, que dispõe sobre as normas gerais de desporto no País. Cabe considerar, que, sem dúvida, é direito de todo praticante de esporte a sua integridade física, mental ou sensorial nas atividades esportivas, sejam elas quais forem. Assim, qualquer ato que coloque isto em risco na prática de esporte de aventura é ilegal, sujeito às sanções civis, consumeristas e criminais conforme as leis vigentes no país. É posto também que, com o advento da Lei Geral de Turismo, é irrefutável a edificação de que as atividades turísticas estão inseridas como prestação de serviço. Consequentemente, as diretrizes estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor, juntamente com a legislação penal vigente, já impõem a responsabilidade necessária e suficiente aos empreendedores de turismo de aventura, cabendo cautela na inovação legislativa neste âmbito. Além disso, o teor do PL nº 7.288, de 2010, incluídas as emendas nºs 01 e 02, enfrenta óbice incontornável, na medida em que afronta a autonomia das entidades desportivas quanto à sua organização e funcionamento. Apesar de muitos desportistas profissionais, e suas respectivas federações, terem condições de qualificar as prestadoras de turismo de aventura, tanto na prática quanto no que se refere às normas de segurança de sua modalidade, não há como obrigá-los, já que isto está assegurado no art. 217 da Constituição Federal e no art. 16 da Lei nº 9.615, de 1998. Apesar do interesse de determinadas entidades do esporte de aventura, temos em nosso ordenamento jurídico que a lei não deve lhes impor competências, pois não são órgãos estatais, mas entes privados organizados sob o princípio da autonomia de vontade. Se essas entidades desejam participar do processo de formação dos profissionais que exploram o turismo de aventura, devem fazê-lo por meio de parcerias, aprovadas em seus estatutos, ou seja, por meio do exercício da sua autonomia, sem a coerção do Estado. Quanto à emenda nº 3, ela não resolve a inconstitucionalidade e impropriedade do desrespeito ao princípio da autonomia das entidades desportivas. Diante do exposto, voto pela rejeição do Projeto de Lei n.º 7.288, de 2010, do Senado Federal, e das emendas apresentadas.
A questão o que é esporte e turismo nas práticas de aventura é muito delicada e esbarra em uma discussão antiga e ainda presente no campo da Educação Física: a definição de esporte. No que compete à sua esfera política, segundo Proni (2013) foi com a adoção da Unesco da Carta Internacional de Educação Física e Esporte, em 1978, enfatizando a importância do Esporte para o desenvolvimento integral do ser humano, que a prática esportiva foi alçada à condição de direito fundamental de todos e implicou reconhecer que é incumbência do governo proporcionar a participação esportiva. No Brasil, isto passa a ser previsto pela Constituição Federal de 1988.
Entretanto, principalmente no discurso das entidades esportivas bastante difundido no senso comum, o esporte como direito social passa a dogma e tudo justifica. Não seria diferente na interface dos esportes com o turismo de aventura. É preciso reconhecer, contudo, a fragilidade de tal argumento.
Conclusão
A elaboração “esporte direito social versus turismo atividade perversa de mercado” presente nos excertos apresentados parece esquecer que tem como reivindicação o direito da exploração comercial da aventura e como preocupação a gestão destas atividades eclipsando a questão da segurança. Ou seja, é preciso superar esta redução dicotômica, que poderia ser interpretada como ingênua, não fosse tão antiga. Nem todo esporte visa o desenvolvimento humano e nem todo o turismo é exclusivamente exploração econômica. A aventura enquanto campo híbrido não pode ser exclusivamente esporte ou turismo e nem um, nem outro são essencialmente bons ou mais dignos de direitos. Suas práticas e regulamentação precisam ser pensadas em colaboração. Quando reivindicam apenas para si a regulamentação destas práticas, os dirigentes negam a vida prática e impossibilitam iniciativas fecundas de uma e outra área.
REFERÊNCIAS
CASTELANNI, L. (2008) O Estado Brasileiro e os Direitos Sociais: O Esporte. In: Húngaro, M.et al.Estado, Política e Emancipação Humana: Lazer, Educação, Esporte e Saúde como Direitos Sociais. Santo André: Alpharrabio, p.129-144.
CELLARD, A. A análise documental. In: Poupart, J. et al (2012). A pesquisa qualitativa: enfoques epistemologicos e metodológicos. Editora Vozes, Petrópolis.
MASCARENHAS, F. (2012) Megaeventos esportivos e Educação Física: alerta de tsunami. Movimento, Porto Alegre, v. 18, n. 01,p. 39-67.
PRONI, Marcelo. Política de Esporte. In: Di Giovanni e Nogueira (orgs.) Dicionário de Políticas Públicas. FUNDAP: São Paulo, 2013.
TOMLINSON, A, Ravenscroft, N, Wheaton, B and Gilchrist, P. (2005) Lifestyle Sports and National Sport Policy: An Agenda for Research. Sport England, London.