Resumo
O objetivo deste estudo foi analisar as influências das práticas esportivas sobre o consumo não terapêutico de drogas entre os jovens, com enfoque no uso de bebidas alcoólicas. O esporte é, no imaginário social, vinculado de forma automática à promoção de saúde, educação e ao afastamento das juventudes de comportamentos considerados de risco, como os usos não terapêuticos de substâncias psicoativas. Buscando realizar análises que ultrapassassem a superficialidade dos discursos salvacionistas de esporte, a tese parte da compreensão que tanto usos de drogas quanto o esporte são manifestações socioculturais complexas, e avança na discussão sobre as relações entre estes dois fenômenos se apoiando em teorias do desenvolvimento humano oriundas principalmente da psicologia. Metodologicamente a pesquisa se desenvolveu sob uma perspectiva descritiva exploratória com abordagem qualitativa. As informações foram levantadas por meio da realização de entrevistas semiestruturadas com 16 jovens que possuíam entre 16 e 25 anos de idade, e que participaram, durante o início da juventude, de um projeto socioesportivo na cidade de Serra/ES. Além dos treinos, o projeto social oferecia uma série de outras atividades pedagógicas, todas realizadas em turno distinto do escolar. O roteiro das entrevistas foi composto por perguntas sociodemográficos; experiências pregressas e atuais com o esporte; e, usos de drogas na vida e no último ano. Para verificação das prevalências de consumo de álcool, foi usado o Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT). Foram ainda entrevistados 4 professores de esporte do projeto social com intuito de entender, em linhas gerais, como eram desenvolvidas as atividades esportivas que esses jovens vivenciaram. A interpretação das entrevistas se deu pela análise de conteúdo temática de Bardin. Todos os jovens relataram ter experimentado alguma bebida alcoólica, 11 mantêm atualmente o hábito de beber, dos quais 1 apresentou classificação de consumo de risco e outro de consumo nocivo, de acordo com o AUDIT. Apenas um deles faz usos atualmente de substâncias ilícitas. Depois do álcool, a substância mais experimentada foi o tabaco, seguido da maconha e haxixe. A vivência sistematizada do esporte por um longo período do início da juventude interferiu de maneira positiva na relação desenvolvida pelos jovens com as drogas, tanto de forma aguda quanto para o restante da vida. De maneira direta, a preocupação com a performance competitiva fez com que os jovens recusassem os usos de drogas com receio de possíveis interferências em seus desempenhos esportivos, postergando assim o consumo dessas substâncias, principalmente o álcool. De forma indireta, as atividades esportivas contribuíram para o desenvolvimento de disciplina, responsabilidade, capacidade de organização e foco, habilidades consideradas protetoras aos usos de drogas, conforme a literatura. O engajamento ao esporte facilitou ainda o estabelecimento de conexões com pares abstinentes, e com os professores do projeto, contribuindo para desenvolvimento da resiliência. Entendendo que os resultados apresentados não estão dissociados de um contexto, a tese que defendemos é que o esporte não é uma atividade essencial nem acessória, e sim integrante do processo de formação dos jovens, que terá mais possibilidades de influenciar de maneira positiva os hábitos relacionados aos consumos de drogas, se desenvolvido junto a outras atividades educativas, e incorporado à um sistema de prevenção. As informações levantadas permitiram identificar três aspectos do esporte que contribuem para formação e proteção aos usos de drogas, são eles: o poder do esporte de atrair e motivar jovens, a capacidade do esporte de concentrar o foco de jovens e fazer com que os primeiros usos de drogas sejam postergados e, a sociabilidade proporcionada por elas. Estes resultados, por serem provenientes da análise de um único grupo, não encerram a discussão sobre as potencialidades de integração do esporte ao processo formativo de jovens.