Integra

Acredito que muita gente se faça a pergunta: Por um ano tem 365 dias? Por o dia tem 24 horas? Por que os Jogos Olímpicos acontecem de 4 em 4 anos?  E antes que o Telekid apareça para dizer que “Porque sim não é resposta” vou usar esse espaço para tentar colaborar para a compreensão desse enigma.

Para quem estuda cultura a resposta que ocorre sobre a existência de momentos que marcam o calendário social e pessoal parece básica: porque os seres humanos precisam atribuir significado a coisas que aparentemente não são explicáveis. E assim é possível entender porque surgiram as religiões, as utopias, os rituais, em diferentes partes do mundo, em distintos idiomas, aos longos desses milhares de anos que marcam a existência humana no planeta. Diferentemente de outros animais nós humanos, seres bípedes e produtores de cultura, precisamos buscar justificativas para tudo aquilo que simplesmente existe. De onde viemos, para onde vamos, do que é feito o ar que respiramos. Parece que as crianças não têm um pingo de pudor de fazer essas perguntas, mas nós adultos, com medo de ser tomados por tolos, tendemos a banalizar essas questões e naturalizamos a dúvida, como se ela fosse comum a todos e cuja resposta fosse óbvia.

O ano novo por exemplo. Por que tanta comoção pelo fim de um dia e começo de outro, sendo que em algumas partes do mundo os anos são diferentes e os calendários não têm consenso nem sobre o momento exato que vivemos? Exatamente. Para o calendário regido pela igreja católica hoje é dia primeiro de janeiro do ano de dois mil e quatorze depois do nascimento de Cristo. E isso porque um Papa assim o determinou depois de alguns ajustes ao longo dos Séculos. E há quem pense que essa é uma verdade absoluta. Mas, há outros tantos calendários que têm o início dos tempos marcados por outras efemérides. E não dá nem pra dizer que isso foi pensado depois do velho ou do novo testamento como é o caso do calendário chinês. Não vou entrar aqui numa discussão sobre hegemonia, imposições culturais e imperialismo, tão óbvia para o entendimento de quem manda em quem nesse mundo louco que vivemos. Só busquei exemplificar como o entendimento do mundo é complexo diante de tanta pluralidade, o que torna as coisas ainda mais difíceis para quem tem uma visão binária do mundo, onde o certo e o errado são as únicas possibilidades de compreendê-lo. É sempre bom lembrar que para os esquimós há mais de 50 possibilidades de tons de branco para definir a neve e os estágios das estações do ano (muito embora haja quem pense que civilizados são os ocidentais...).

Mas a intenção dessas mal traçadas linhas no primeiro dia do ano é explicitar alguns planos. Dizem que costumamos fazer isso porque fica fácil encher um pote que está vazio... Lembro-me de uma história do Tio Patinhas de quando era criança e das resoluções de ano novo do velhinho avarento. Claro que para ele todas as suas resoluções giravam em torno de maior acumulação e exploração de seus sobrinhos. E por parte deles as resoluções diziam respeito a viver em meio a tudo aquilo. Aquela história ficou em minha lembrança talvez por ver, em minha própria família, toda a mobilização pela festa de ano novo que começava no dia 31: roupas novas, muita comida, a oportunidade de reunir os próximos e os mais distantes. E no dia 01 parte de tudo aquilo já acabava, exceto a comida produzida em quantidade desproporcional para uma festa que durava tão pouco. E dali para frente eram outros trezentos e tantos dias absolutamente parecidos com outros que já se passaram. Acho que foi esse sentimento de exagero demasiado (se me permitem o pleonasmo) que me fez investir ao longo do tempo muito mais nos trezentos e sessenta e quatro dias do ano do que apenas em um. Ou seja, acredito muito mais na possibilidade de ser feliz por mais tempo do que ter apenas um dia para isso. Porém, essa determinação não me impede de usar esse marco, que é a consagração do dia primeiro de janeiro como um começo, para tomar algumas decisões. Não pendurarei numa árvore como fazem os japoneses, nem colocarei em uma garrafa como fazem os náufragos. Usarei desse espaço hoje consagrado à comunicação e que ajuda a preservar as árvores dispensando o uso do papel. Então vamos a elas.

A primeira delas é que voltarei a escrever para o blog semanalmente. Fiz esse exercício ao longo de dois anos e foi uma experiência muito interessante. Além de poder compartilhar publicamente minhas inquietações e achados sobre o que pesquiso, estudo, trabalho, vejo e penso, foi também uma forma de deixar registrado o movimento da construção do pensamento que as vezes parece natural ou espontâneo. Diante da agilidade dos meios de comunicação e da avalanche de bobagens que produzimos nas mídias sociais essa era uma forma de colaborar para a permanência de algo mais sólido. Por isso aqui estou eu voltando à prática do exercício da escrita sistemática de um pensamento que tem bem mais do que cento e quarenta caracteres.

A outra resolução, ainda não muito bem elaborada, é tentar parar antes de superar o metron, o limite. Tenho uma paixão meio desmedida pelo trabalho que faço. Isso me faz cometer alguns excessos como não ter dia, nem hora para parar. Se por um lado isso transborda nos muitos frutos gerados por essas ações, por outro causa vazios como todas as desmesuras. É como o conceito de hybris na mitologia, responsável pelo desencadear das tragédias. E como sou responsável pela construção de meu mitema pessoal vai daqui o projeto de considerar estabelecer o limite antes da exaustão.

Em ano de Copa do Mundo minha resolução é de remar contra a maré da monocultura do futebol e tocar adiante todas as ações e buscas a respeito do esporte olímpico no Brasil. Pouco me importa se isso não dará ibope ou visibilidade, uma vez que todas as atenções do país se voltarão para o esporte bretão. Há muita vida inteligente no esporte para além do que envolve a construção de estádios, as investidas contra a permanência ou não no campeonato da primeira divisão ou a corrupção que envolve o futebol no país. Com isso afirmo que não sou do futebol e, exceto por alguma coisa que valha realmente à pena gastar meu tempo, usarei esse espaço para discutir os esportes e o universo olímpico.

Enfim, outros projetos de ordem pessoal ainda podem ser incluídos nessas resoluções, posto que a página em branco desse ano apenas começa a ser preenchida. E como escreveu Marcio Borges, que ficou consagrado depois nas vozes de Milton Nascimento e Elis Regina, “Outros outubros virão, outas manhãs, plenas de sol e de luz...”

Enfim. Os dias especiais marcam as nossas vidas porque eles estabelecem parâmetros para novos acontecimentos e outros momentos da nossa existência. E assim deixamos apenas de ser levados para também alterar o curso de nossa trajetória impondo os nossos próprios desejos e vontades. E é esse movimento que nos torna protagonistas da história e da sociedade em que vivemos. E é por isso que nada será como antes.