Resumo

UMA INDAGAÇÃO PERTURBADORA

Em dezembro de 2005, o Grupo de Estudos e Pesquisa Produção Escrita e Psicanálise – GEPPEP promoveu oworkshop "A singularidade na produção de conhecimento sobre o ensino de Língua Portuguesa", no auditório da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Na ocasião, pude assistir a uma palestra do professor Valdir Barzotto, que falava sobre a presença, em textos acadêmicos, de idéias e palavras alheias cuja menção aos seus autores era omitida. Ao final, apreensivo, expus para o docente as seguintes questões:

Costumo escrever que, para ensinar, devem ser consideradas as possibilidades e necessidades dos alunos. Disseram-me que Paulo Freire também assinala a ponderação desses pontos. Eu não li Paulo Freire e não sei se ele realmente colocou isso. Como distinguir, então, o texto que apresenta, de fato, concepções de outrem, faltando-lhes a devida referência, daquele cujo autor teve idéia equivalente a uma já publicada, sem, entretanto, ter tido contato com ela (que acredito ser o meu caso)? Não existiriam trajetórias de raciocínio que poderiam ser percorridas igualmente por indivíduos que se propuseram uma mesma pergunta ou um mesmo problema, de forma independente?

Barzotto respondeu-me dizendo que, quando há o uso de elaborações alheias, traços comuns referentes à construção das frases podem ser identificados – excertos, cujos processos de paráfrase apontam nitidamente para outros textos, podem ser localizados nessas produções –, e sugeriu-me, por fim, a leitura de Paulo Freire.

O diálogo, embora tenha sanado minhas dúvidas naquele momento, em vez de calar meus pensamentos, levou-me a uma indagação mais perturbadora: deve-se necessariamente ler tudo o que foi produzido acerca de determinado assunto ou todo o material relacionado a este que se tem acesso, a fim de se elaborar algo novo e fértil sobre esse tema?

Se os bons costumes da academia ditam que sim, que o estado da arte em um tópico específico só pode ser alcançado a partir do desenvolvimento anterior, é possível questionar: e todo universo ignorado ao se focar o olhar em paradigmas já estabelecidos? Não são perdidos caminhos talvez mais produtivos ao se centrar em um modelo já construído?

São evidentemente perspectivas distintas e opostas com relação aos pontos de partida da produção acadêmica e que, nesta pensata, pretendo examinar. Trata-se de questão mais relevante talvez para aqueles que estão se iniciando na pesquisa científica? Penso que sim. São eles que ainda estão por construir a maior parte de seus paradigmas científicos, e a indagação levantada se sobressai, principalmente, ao longo desse estágio inicial. Porém, acredito, não deixa de ser importante também para os veteranos de universidades e institutos de pesquisa, pelas considerações que o tópico suscita – provocadoras, porque conduzem a reflexões e críticas sobre os modos de se fazer ciência.

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