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Lamartine DaCosta é um dos maiores pesquisadores sobre o esporte no Brasil e também sobre megaventos, como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. Foi líder de um estudo inédito que culminou na publicação “Atlas do Esporte no Brasil”*.

Crítico pela forma que estão conduzindo o esporte no Brasil, Lamartine ressalta nesta entrevista à jornalista Fabiana Bentes o potencial que será desperdiçado pelo país se não houver um controle agressivo dos gastos públicos e um planejamento para a carreira dos atletas. Na questão educacional, o pesquisador ainda sonha em ver uma política institucional que preze a Educação Física no âmbito escolar como uma valiosa ferramenta. 

Esporte Essencial: Como você observa a atual estrutura política esportiva do Brasil?

Lamartine da Costa: Falando objetivamente, a minha visão é que o sistema está em estado de falência. Ou seja, existe, mas está quebrado em vários graus. Esse sistema só é sustentado porque a legislação permite isso e se acomodou. A legislação fingiu que modificou o sistema, mas não modificou. A lei de incentivo é um item. Essa  [1_200_01] história vem de 30, 40 anos atrás e não houve uma mudança. É sempre a mesma coisa.

O nosso problema é basicamente institucional. Não houve uma evolução das instituições, elas continuam viciadas. Eu só dou um exemplo entre vários: os clubes são dirigidos por pessoas que não são remuneradas. Então, são entidades políticas. E sendo entidades políticas pode-se esperar qualquer coisa lá de dentro e não se sabe quem são os responsáveis. Precisamos de uma lei de responsabilidade para o dirigente esportivo, e não existe isso. A irresponsabilidade campeia, todo mundo finge que trabalha. E o governo faz parte disso e alimenta.

EE: Então qual seria  a implicação direta no desenvolvimento do esporte no país?

LC: Estamos envolvidos em um grande problema institucional e a inteligência não chega aos dirigentes. A única inteligência que consegue penetrar todas as barreiras é a inteligência jurídica, que é muito boa no Brasil, mas ficou subordinada aos problemas que a própria estrutura viciada gera. A outra inteligência seriam os analistas organizacionais e grandes instituições de estudos, que no Brasil são muito bons e fazem isso diariamente nas empresas. E o governo sabe o que acontece com as empresas de um modo geral. O Brasil é avançado nessa área, mas isso não aconteceu no esporte, porque os dirigentes repelem esses analistas. Alguns conseguem conviver do outro lado, com as federações e confederações, e vão mapeando o que está acontecendo. Por exemplo, o meu mapeamento particular é sobre os clubes. Se você abre os estudos sobre clubes no “Atlas do esporte no Brasil”, está tudo mapeado há 150 anos, por isso temos uma ideia do que ocorre.

EE: Qual seria uma boa solução para o esporte brasileiro com esta situação institucional?

LC: O governo e as próprias instituições não conseguem uma solução. O COB teria soluções, mas não consegue porque está amarrado à legislação, que por sua vez está amarrada aos recursos governamentais. Então, é um ciclo vicioso. Mas a iniciativa privada está criando os seus próprios elementos em paralelo com a estrutura antiga, viciada. Nesse sentido, está crescendo e tem o beneplácito dos dirigentes. Eles gostam porque isso dá soluções para eles. E essa nova estrutura é legal porque a legislação não proíbe que haja essa situação paralela. As ligas são um exemplo dessa nova estrutura.

Então, nós estamos convivendo com dois mundos, um antigo e um inovador, e que estão se entendendo porque um lado se apoia no outro.

EE: Mas o antigo apoia porque está tendo seus problemas solucionados, problemas esses que não seriam solucionados com a atual estrutura... Ou seriam?

LC: Essa é uma versão. Quando há um sistema viciado, começa a haver interpretações conspiratórias. Então, se não funciona, você começa a culpa-los. Se eu fizer isso, também vou fazer com as empresas brasileiras. Há políticos que de vez em quando caem em cima das empresas brasileiras. Um exemplo são as empreiteiras. Todo político culpa as empreiteiras, mas ao mesmo tempo vive das empreiteiras para receber dinheiro. No esporte, acontece uma coisa parecida. Então, esse ciclo vicioso prejudica todo mundo.

Em minha opinião, é melhor deixar crescer o paralelo. O governo e o COB já se acostumaram a fazer isso. Isso está ocorrendo publicamente com o handebol. O handebol tem contrato particular com um clube austríaco que manda os atletas para fora do Brasil e o Ministério do Esporte dá dinheiro à confederação. O COB sabe disso e também entrou nesse jogo. Aí já estamos saindo da conspiração e entrando no cinismo. A coisa está ficando aberta demais. Tem uma estrutura pobre, antiga e viciada que aceita a outra por questão de sobrevivência. Então, os antigos estão se  [2_200_01] entendendo com os velhos. Essa é a minha visão do esporte na atualidade.

E essa visão ainda não está completa. Eu tenho conversado com muita gente, recebido muitas informações para ir melhorando essa situação. Hoje já se sente que há uma contaminação das ligas. Os dirigentes mais antigos estão contaminando as ligas, que eram uma organização paralela até então. Já não se sabe mais até onde vai... 

EE: Quais ligas?

LC: Aí é boato, eu não estou informado para garantir com segurança, pode ser até que eu esteja enganado. A liga de basquete não estaria bem de finanças e a da liga de voleibol já explodiu. E as duas são umas das principais no Brasil.

EE: A vitória do grupo Atletas pelo Brasil sobre a não reeleição de dirigentes depois do segundo mandato vai ser efetiva na mudança do rumo do esporte brasileiro?

LC: Eu considero outro elemento paralelo. Esses Atletas pelo Brasil aceitam patrocínio, então entraram no terceiro setor. Eles não são sindicatos, não são movimentos. Eles são parecidos com outros empreendimentos da economia colaborativa, como o Sou do Esporte, que você irá lançar, ou o Instituto Superar, que trabalha com atletas paralímpicos. Esses empreendimentos estão todos nivelados, dentro da tradição da liga, como nos EUA. Nos EUA, existe isso também, é muito curioso porque houve uma substituição quase total. As federações de esporte norte-americanas são meras representantes internacionais. Porque lá vale tudo, não tem legislação. Então, criaram-se elementos dos mais diversos, sejam de empresas, de clubes, etc. É provável que sejamos assim no futuro. É que a legislação brasileira não deixou acontecer como nos EUA, mas tudo indica que é melhor acabar com a legislação, deixar tudo em aberto, para ver quem sobrevive. A situação como está cria vícios e pessoas que ficam anos e anos e os atletas reclamam.

EE: Você acredita que a saída seria profissionalizar os próprios dirigentes?

LC: A profissionalização é automática, surge naturalmente. O terceiro setor, que é esse que está acontecendo, tem que ter profissionais para atuar. Se não tiver, quebra. Não é possível. Quer queira você usar isso como renda ou não. A minha solução seria acabar com a legislação, deixando apenas umas amarrações de sustentação.

EE: O que seria exatamente acabar com a legislação?

LC: A legislação dá certos direitos e conceitos. Por exemplo, clube no Brasil representa a comunidade. Então, não é um trabalho como uma empresa. O clube pode acontecer por iniciativa de um grupo comunitário que vai fazer o que quiser ali dentro e não se torna profissional. Muitos caminham, inclusive, para a política. Aí é que está o problema, porque a legislação apoia isso.

Há muitos anos isso funcionou muito bem, criou o esporte brasileiro como conhecemos hoje. Mas depois de certo tempo, ficou viciado. Se nas empresas brasileiras isso acontecesse, seria uma explosão, acabava tudo. Tem que ter responsabilidade localizada. O país é grande demais e não é mais o que era há 100 anos. Naquela época, o clube como comunidade tinha uma representação e um significado diferente. O clube hoje é dinheiro mal feito. Não pagam  [4_200_01] impostos, ninguém é responsável. O clube é uma brincadeira cara.

EE: E agora o governo está querendo perdoar as dívidas...

LC: Aí começa haver o problema político. Os jornais comentam que há uma dívida de R$2 bilhões com a Fazenda nacional. Os clubes não vão pagar isso nunca. E os impostos são os mais diversos, sobretudo INSS. Então, essa ajuda fiscal seria a solução... Mas isso acontece há anos, de vez em quando vem um presidente da República ou um ministro da Fazenda e tira as dívidas dos clubes e das federações. Faz parte da tradição brasileira.

EE: Você acredita que os atletas de alto rendimento estão numa situação melhor hoje do que anos atrás?

LC: O atleta brasileiro é vítima. Antigamente havia um certo paternalismo que dava sustentação a eles. Essa vigência do paternalismo foi até o Nuzman, em 1984. O Nuzman é um ponto de inflexão na curva do desenvolvimento do esporte no país. Embora as pessoas não saibam disso, dados históricos comprovam. Ele até deixou de falar nessa  [6_200_01] situação, não sei por quê. Mas em 1984 foi ele que conseguiu, junto ao Conselho Nacional de Desportos (CND), uma autorização para que houvesse o marketing esportivo, ou seja, auxílios de empresas aos clubes e atletas. A partir dali, o paternalismo acabou. O paternalismo eram jogadores de futebol e outros atletas que recebiam verba direto de indivíduos que tinham dinheiro e sustentavam o esporte, não eram bem patrocinadores. E não eram muitos. A maior parte dos atletas viviam à sombra dos clubes e eram verdadeiros heróis. Não se pode comparar aqueles atletas com os de hoje. O pessoal do futebol fala muito sobre isso... Eles eram extremamente ligados à ideia moral do esporte, porque se sacrificavam pelo esporte. Hoje não é assim. Uns tem e outros não tem. Então, ficou impossível haver um paternalismo.

Enquanto isso, a situação dos atletas hoje está muito pior. Eles se tornaram vítimas de um sistema confuso, que é o atual. Isso que eu comentei do ciclo vicioso e das entidades paralelas  [5_200_02] confunde muitos atletas. Eles não sabem se vão seguir a federação ou a entidade nova. E às vezes ainda é o próprio governo que dá bolsa a ele... Então nós vemos situações incríveis, como atletas que ganham de quatro esferas: do comitê, da bolsa-atleta, do instituto e do patrocinador. E, às vezes, tem alguns que tem dois, três patrocinadores individuais. Mas não são muitos que estão nessa situação, são os melhores, os atletas de alto rendimento que tem mais possibilidade de ganhar medalha. Agora, o grosso acabou. E mataram a possibilidade de ter apoio de laboratórios, que é o grande segredo para você ter resultado, que não pode trabalhar com um ou outro cara, tem que trabalhar com vários. Esses laboratórios são de fisiologia e de biomecânica e, mais recentemente, de tecnologia. Agora a tecnologia impera em tudo o que nós possamos imaginar, como calçado, roupa, tipo de treinamento, de comida. Um atleta de alto nível hoje tem por trás uma equipe multidisciplinar e altamente científica. Então, quem quer resultado tem que avançar para isso. Mas o laboratório não substitui o treinador.

EE: O COB tem tido iniciativas com laboratórios...

LC: Iniciativas ingênuas. O COB tem uma tradição de concentrar tudo nas próprias mãos. Então, criaram um instituto para esse tipo de atividade. Enquanto isso, nos EUA devem existir uns 100 institutos (risos). Como é que uma entidade como o COB vai conseguir manejar essas atividades? É interessante que há indivíduos de alta capacidade lá que sabem disso, mas não conseguem ou não querem se adaptar. O COB teria que trabalhar em conjunto com universidades e especialistas diversos e não consegue fazer isso. O COB no Brasil se volta para ele mesmo. E aí a parte científica acabou. Ele inibe o externo, que é altamente complexo e custoso, e inibe o interno porque não tem capacidade de atender todo mundo. Ele não consegue atender todos os atletas e nem vai conseguir atender jamais. Anos atrás eu fui ao Colorado ver aquele centro de treinamento americano, que na verdade é uma grande célula científica. Eles tinham lá no cadastro uns 200 ou 300 laboratórios e especialistas com quem se relacionavam. Tem que ser assim mesmo, uma rede. Os detalhes do esporte são tantos que uma única entidade não consegue dar conta. Se o comitê dos EUA não consegue fazer isso sozinho, não é o COB que vai conseguir. 

A outra tendência, que aqui no Brasil ainda não avançou, é o governo assumir, como na Coreia do Sul. A complexidade cientifica é tão grande que implica o atleta receber apoio. Hoje um atleta de alto nível recebe recursos de tudo quanto é lado. Eles estão seguindo um caminho que lá fora já é bem sucedido. O governo da Inglaterra, por exemplo, assumiu essa função desses projetos complexos, que são da ciência, e teve sucesso. Agora, aqui no Brasil, pela própria tradição, cada um faz o seu: clube, confederação, COB, ninguém se entende. E o governo, em vez de coordenar isso, faz só o seu. É uma grande confusão, gastando dinheiro com desperdício e transformando os atletas em vítimas. Não é à toa que eles estão agora tendo as suas próprias instituições para se defender.

EE: Os megaeventos esportivos, principalmente Copa e Olimpíadas, vem com a promessa de melhorias para o país sede. O Brasil está aproveitando essa oportunidade?

LC: Não. É igual à legislação do esporte, existe não para prejudicar o esporte, mas cria vícios porque não há uma gestão em cima da legislação. É a mesma coisa com os megaeventos. As perdas nunca são no mundo esportivo, agora já se sabe isso. As perdas, os prejuízos, os legados que se perdem, os elefantes-brancos, o sistema viário são as obras que são feitas em uma cidade que só dão prejuízos, o impacto é negativo. Aqui no Brasil, eu acho que nós não estamos sabendo administrar bem essas obras. Sendo que no caso da Copa do Mundo de Futebol, menos de um terço das obras viárias foram feitas, na realidade. Nós nem chegamos ao elefante-branco porque não houve a obra (risos). É um problema de gestão. É a mesma coisa no esporte, porque nós estamos construindo estádios que tem risco de serem viciados se não souberem aproveitar. E o grande lucro, que seria o retorno disso, para as empresas e para o próprio país, a riqueza nacional, está comprometido. Porque isso traz riqueza, turismo. Se as obras no sistema viário, que atinge a população como um todo, não vão acontecer, o país não está aproveitando uma grande oportunidade.

O megaevento tem a vantagem de empurrar o país para o objetivo, queira ele ou não. Um exemplo é o Rio de Janeiro. Há 40 anos não se faziam obras e agora a cidade é um imenso canteiro de obras. O metrô estava parado há 10 ou 15 anos...

EE: Mas acaba não sendo um benefício político, é uma obrigação contratual de melhorias de infraestrutura.

LC:  Sim. O megaevento dá objetivos, é um catalisador. Ele dá oportunidades para a sede fazer o que puder e obriga a fazer. Isso é muito interessante. Nós perdemos a oportunidade. O país precisa ter esses objetivos. Ou vai se acomodar e não fazer nada? Não tem metrô no Rio de Janeiro? Tem que ter metrô, tem que ter obras viárias, senão a cidade para. Quem trouxe isso foi a Olimpíada. Agora, a imaginação brasileira é fértil, porque já descobriu uma maneira de contornar isso, eles nem começam a obra. E o curioso é que há dinheiro do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), como para ampliação do sistema viário de Manaus que não tocaram em um tostão. Estrada do aeroporto de Natal até o centro da cidade, também não fizeram. Foi a empresa que construiu o aeroporto que acabou fazendo a estrada com os próprios recursos, porque o governo não tocou no dinheiro do BNDES. É uma coisa incrível isso!

EE: Sediar uma Olimpíada exige um custo alto. Você acha que o Brasil, ao sediar os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, está mais para Barcelona como legado ou para Atenas como corrupção?

LC: É uma pergunta complicada, porque é uma caixa preta o que está acontecendo aqui. Nós sabemos detalhes e eles são promocionais. O esporte brasileiro, principalmente vindo do COB, sempre foi muito promocional, só revela aquilo que interessa à sua própria promoção. Então, nós não sabemos das coisas. Às vezes estoura alguma coisa, alguém reclamando... Como é o caso da baía de Guanabara, que o pessoal da vela começou a reclamar e já se sabe que vai ser um problemão fazer as competições de vela ali. E isso só veio à tona porque alguns atletas reagiram. Então, nós não sabemos direito o que está acontecendo, só temos indícios... Se dentro de um tempo a caixa preta não se revelar, eu acho que vamos ter um pavor desse país. Porque não dá para mudar os Jogos Olímpicos para outro lugar, eles têm que acontecer no Rio. Tem um seguro brutal de dezenas de bilhões de dólares... O COI já deixou um bilhão de dólares aqui, pouca gente sabe disso, mas é um grande negócio ser candidato e vencer. Dias depois que o Brasil foi escolhido como sede dos Jogos Olímpicos, o COI cumpriu com a sua obrigação e depositou um bilhão de dólares para o COB. A cidade tem direito a isso, faz parte da Carta Olímpica. Só que nunca se soube para onde foi esse dinheiro. Foi para a cidade? Foi para o COB (não havia ainda o Comitê Rio 2016)? Ou guardaram isso para o Comitê Organizador? Ninguém sabe o que está acontecendo. 

EE: É muito dinheiro para não saber aonde ele foi parar..

LC: Você acha que as cidades disputam aí fora ser sede dos Jogos de graça? Não! (risos) É um grande negócio para a cidade. Você só tem que saber administrar isso para a cidade ou para o esporte. Os jornais falam de como esse dinheiro foi encaminhado? Alguém fala? Eu nunca vi nenhuma notícia a respeito.

Para onde estão indo essas verbas? Nós sabemos que as obras do Parque Olímpico já iniciaram. Até que ponto é previsível que serão completadas a tempo? Outro dia veio uma notícia saindo da caixa preta, o que já foi extraordinário. A preocupação desse general que assumiu a Autoridade Pública Olímpica do tempo reduzido que existe para as obras em Deodoro. Isso foi uma das raras coisas que se soube e a imprensa publicou. A imprensa vem depois, como está acontecendo agora com as obras viárias da Copa de 2014, que a imprensa diz: “Se tem o dinheiro e não existe a obra, isso é ridículo”. E outros já estão fazendo demagogia, como é o caso de Brasília. Lá não fizeram com os recursos do BNDES e estão fazendo com seus próprios recursos várias obras que não são do sistema viário de Brasília, são do interesse político do governador do Distrito Federal. Então já está havendo deturpação dessa situação e não chega nem aos legados...

EE: Você acredita que ficou faltando dentro da organização dos megaeventos grupos de pessoas que estudam este tema?

LC: Não há tradição no Brasil do pessoal das entidades esportivas buscarem para o conhecimento. Isso, aliás, é internacional. Nós temos que levar isso em consideração. Mas, devido a intervenção do governo no esporte, isso tem mudado muito, porque eles precisam de garantias. E o governo sempre apela para o pessoal do conhecimento técnico. Não pode ser de outra forma... Esse processo está custando a se impor no Brasil. O pessoal da universidade está de um lado e nós estamos do outro. 

EE: Isso é resultado de uma resistência ou é falta de coordenação?

LC: As duas coisas. O COB nunca gostou de universidades, porque ele não divide nada com ninguém. É da tradição do COB, antes mesmo do Nuzman já era essa política de isolacionismo. E muitas confederações também, mas elas enfraqueceram tanto que já pegam quem tiver para auxiliar. O judô é totalmente vinculado ao pessoal do conhecimento. Esse é um grande exemplo hoje no Brasil e que está dando resultado. Mas é um caso isolado. A natação, que poderia ter o maior rendimento possível, ainda não entrou nessa era. Então, vai ficar como está.

EE: Falamos da questão do legado, da Barra... O Pan-Americano, você acha que foi um sucesso ou um fracasso?

LC: Foram as duas coisas. O Pan-Americano foi um sucesso para promover os esportes, mas uma brincadeira muito custosa do ponto de vista de gestão. Não houve gestão. Alguns pontos de alta sensibilidade, que precisavam de organização, o Nuzman, que liderava, trouxe mais de 40 especialistas do estrangeiro para fazer. Eles foram embora e não deixaram nada. Tudo bem trazer estrangeiros. Qualquer indústria no Brasil também pode importar alguém, mas esse alguém deixa algum conhecimento quando precisa ir embora. Aqui nós fizemos assim: trouxemos gente que fez o que era preciso e depois foi embora. E fica por isso mesmo. Essas importações não tem continuidade e não são formativas. É perigosa essa filosofia. Eu diria que é o ponto mais crítico que pode existir numa administração, porque esses caras custaram dinheiro, que foi pago pelo governo federal.

Já o sucesso foi a grande promoção dos esportes. A reação do público no Rio de Janeiro foi muito boa. Mas ficou nisso.

EE: Os legados foram administráveis?

LC: Não, completamente. Primeiro porque banalizaram os legados. Um helicóptero foi anunciado como legado do Pan-Americano, tudo era legado. Não! Legado é uma coisa que é administrada para ter um impacto contínuo. Se o helicóptero vai para a polícia e não é da sociedade, não é legado. Foi comprado para a polícia que serviu o Pan- [8_200_01] Americano. Então, houve uma confusão muito grande. As pessoas não sabiam... 

E no meio disso tudo tinha uma certa ignorância que temos que considerar. No caso, faltou muita inteligência. Foram erros dos mais diversos, por tudo quanto era lado. Eu assisti a um deles e aquilo me chocou. Eu nem gosto de falar nesse assunto, porque é muito delicado... A conformação embaixo do estádio João Havelange não era a que nós conhecemos hoje. As obras começaram e descobriu-se no meio que não estava na regra do atletismo internacional. Então, as competições não poderiam ser oficializadas ali. Gastaram R$ 23 milhões para ajustar o projeto anterior que foi feito por leigos. Isso quer dizer que R$ 23 milhões dos cofres públicos foram gastos por pura ignorância.

EE: Isso é culpa de quem?

LC: Todo mundo entra nessa. Nós não podemos eliminar as instituições das suas responsabilidades. Se houve um erro, ele é basicamente da instituição. Mas houve um indivíduo. E no Brasil isso é comum. Você vê o Fernando Telles  [9_200_03] Ribeiro já cansou de mudar projeto de piscina porque nem chamam especialista para dizer onde é a raia, a água... São poucos os sujeitos que conhecem isso e são lembrados para serem chamados. O conhecimento não é valorizado. É aí que surge o problema. Depois correm para os estrangeiros. Quer dizer, tem dois erros aqui: é a desvalorização dos poucos especialistas brasileiros e a valorização excessiva – e sem impacto – dos estrangeiros.

EE: Você poderia comentar sobre alguns legados dos Jogos Pan-Americanos: o Velódromo e o estádio de remo da lagoa.

LC: O velódromo é um bom exemplo de má gestão. Se estavam pensando em Jogos Olímpicos naquela época, os critérios de construção deveriam ser para o nível olímpico, o que não foi. E foi uma justificativa para nós ganharmos o direito de fazer os Jogos aqui. Como esqueceram que existem critérios internacionais para a construção? Pegaram R$ 80 milhões e jogaram no lixo.

O estádio de remo da Lagoa foi abandonado... Eu soube agora recentemente que o que foi feito no Pan já apodreceu, foi abandonado, não existe mais. Para a Olimpíada vai ser tudo novo. É a mesma história do estádio de ciclismo. Eu soube que o pessoal da Federação Internacional fez várias exigências técnicas, mas considerou aquele local como o melhor até hoje. Geralmente, o estádio de remo fica longe da cidade e aqui é dentro da cidade e num panorama fantástico. O grande show da televisão vai ser o estádio de remo. E o pessoal da Federação está fazendo tudo para que dê certo, porque aquilo ali é a glória do remo. Agora, esses detalhes de garagem e espaço para isso e aquilo eu não sei dizer...

EE: Mas o estádio era para ter sido um grande espaço para os atletas, com centro de treinamento, que até hoje eles não tem. No lugar, estão restaurantes e cinema.

LC: Essa é uma grande oportunidade que eu acho que foi perdida. Se for olhar bem, nada ficou bom após o Pan. Nada, nem a Vila dos Atletas, que afundou depois. O Pan foi um grande fracasso administrativo e um grande sucesso de promoção. Coisa que pode ocorrer com os Jogos Olímpicos aqui... Aqui tem uma característica diferente de outros países. A população adere ao evento e está habituada a essa bagunça. 

Durante o Pan, eu estava com alguns estrangeiros. Nós fomos a vários eventos e eles notaram detalhes que para nós não são perceptíveis. Quando chegava ao estádio, era uma grande festa. O grande show era da audiência. Agora, para chegar até o estádio era um inferno. Teve um dia que os caras quase foram para o aeroporto para ir embora. Foi um abuso. Estava congestionado na Zona Sul, horas e horas em engarrafamento. Coisas que nós já estávamos habituados. No dia seguinte, estava todo mundo de novo no engarrafamento para chegar ao estádio. O pessoal apoiou. Provavelmente vai ocorrer isso, mas menos que no Pan. Porque no Pan tinha muitos brasileiros e os concorrentes não eram tão fortes assim, deu para aparecer. E nos Jogos, muito pouca gente vai aparecer. Nós não temos expressão em quase nada, a não ser no voleibol e alguma coisa no judô. Sendo que no atletismo nós estamos fadados a não ter ninguém.

EE: Por que o COI e a Fifa não incentivam a manutenção cultural desses espaços, sem modificar muito, para que não crie esses gastos?

LC: Está evoluindo para isso. Não a Fifa, mas o COI já está começando a modificar o conceito de legado. O meu próximo livro vai ser feito já diz como é esse novo modelo, que o pessoal ainda não sabe. Provavelmente não vai haver complicação para 2016 porque a Fifa tem um excesso de intervenção nas instalações esportivas. Eles veem até banheiro, coisa que não ocorre nos Jogos Olímpicos. O COI tem outra forma de organizar, a preocupação é com o local da competição e a federação internacional que regula, não é o COI. O COI quer saber se existe o estádio, funciona e se vai atender aquela competição. A Fifa não, ela tem padrões! E o COI não faz isso. O Maracanã está ótimo para os Jogos Olímpicos. 

O pessoal que estuda legado está caminhando no sentido que você disse. Não há necessidade de coisas novas. O exemplo é do Japão, que pouco vai criar. Se não me engano, cerca de 70% das instalações já estão lá.

EE: Mas essa decisão do COI foi puramente de segurança, para não ter a dor de cabeça que está tendo com o Brasil.

LC: É verdade. Mas eles criaram uma tendência: a volta às grandes cidades que têm instalações. Realmente, assim evita-se os problemas.

EE: Em uma entrevista com Armando Nogueira, você falou que sem mito não existe esporte. O que o Brasil faz com os nossos mitos hoje? Por que nós não respeitamos o herói esportivo no Brasil?

LC: É uma grande pergunta que nos faz pensar. Responder isso é até meio complicado... Tem várias vias para analisar essa questão. E provavelmente tem coisas fora do esporte, porque essa mesma preocupação existe no país  [10_200_01] como um todo. Nós somos destruidores de mitos nacionais. Ninguém sobra, a começar Dom Pedro I, que fez a Independência e já estava destruído quando desceu do cavalo (risos). E por aí vai... Existe uma tradição no Brasil muito conhecida – inclusive o Tom Jobim já falava sobre isso –, você não pode ter sucesso que todo mundo se volta contra. São coisas estranhas que os nossos intelectuais sempre chamaram atenção... Uma delas é a mitologia nacional. Nos EUA, por exemplo, isso acontece com a maior naturalidade, é um país criador de mitos, para eles tudo é mito. É uma pena que aqui nós não tenhamos isso, porque isso afeta a educação. Sem esses mitos, você tem certa dificuldade em ter um elemento educacional para as crianças. A linguagem para elas entenderem em primeira instância é o mito. O Arthur Zanetti, por exemplo, poderia ser um mito juvenil ou infantil. Mas como, se ele vive cheio de problemas e quando aparece na televisão é para reclamar? Um mito que só reclama não vai colar.

EE: Mas ele reclama com fundamento...

LC: Sem dúvida alguma. Ele é vítima, tem o direito de reclamar. E é o que ele faz. Eu não estou falando da legitimidade da reclamação, mas se elimina um mito que poderia ser utilizado na educação. Nós desperdiçamos nossos mitos. Nossos heróis não são cultivados como deveriam. Nós percebemos muito isso na área acadêmica, porque temos grandes nomes que são destruídos com a maior facilidade. É impressionante. Mas na verdade, é uma situação que vai além do esporte, é da cultura brasileira. Responder essa pergunta é complicado, porque isso é um fenômeno sociológico e histórico, mas real. Acontece na verdade e, provavelmente, o esporte poderia ser uma solução.

Agora me permita criar algumas hipóteses. O esporte tem a capacidade de criar mitos e mantê-los. Vemos isso no futebol. O Pelé, apesar de tudo, foi mantido como mito, até hoje.

EE: Mas talvez o Pelé tenha sido mantido pela imprensa nacional mais pela exposição internacional? O Brasil é muito “Maria-vai-com-as-outras”, se valorizam lá fora, nós valorizamos aqui.

LC: É verdade. Ele pode ser produto disso, como acontece em outras áreas também. Esse Sebastião Salgado primeiro foi glorificado lá fora, depois é que os brasileiros acharam que ele é um grande fotógrafo. Nós somos avessos a isso, até porque nós nivelamos tudo por baixo. Quando se nivela tudo por baixo, não temos grandes nomes que possam aparecer. E não surgem.

EE: Falando sobre educação no esporte... Em 2006, você disse que o futebol vinha decrescendo, entrando o tênis de mesa, a natação e o vôlei. Quase oito anos depois, qual o diagnóstico você dá para o esporte, levando em consideração que não havia o fenômeno do MMA?

LC: Quando o Atlas estava sendo feito, começou a aparecer indicação de tudo quanto era lugar de lutas de um modo geral. Aliás, todo mundo ficou espantado, porque os autores eram espalhados por todo o Brasil. Isso é muito interessante. Esse livro é o contrário de tudo o que foi feito até hoje. Então, ficou evidente que as lutas eram um dos principais esportes do país. O pessoal que analisa a prática das lutas no Brasil chega a essa conclusão com facilidade. Porque tem tradição, tem número de pessoas e por aí vai... Só no judô, naquela época, tinham mais de 2 milhões de pessoas. Eu soube recentemente que esse número continua por aí e um pouco mais. Pela tradição e pela história, nota-se que as lutas sempre tiveram ênfase, estão na índole do país. O esporte tem uma ligação com a cultura. Luta é uma característica nacional, mas explicar o porquê disso é muito complexo. Os fenômenos culturais são de difícil interpretação...

O tênis de mesa é popular porque é muito fácil de organizar, tem nas escolas. Não é pelo esporte em si. Na verdade, é pelo ping pong. Enfim, nos números aparece tudo junto. 

Então, nós podemos partir dessa ideia de tradição, que explica, em princípio, a adesão do pessoal à luta. O segundo item é mídia. A mídia tem influência grande na cultura e, às vezes, muda uma cultura. É difícil, mas isso acontece. Ou ela influencia em longo prazo e as pessoas vão evoluindo e mudam por outras circunstâncias. E a luta tem essa possibilidade da mídia aderir, porque tem patrocinador, tem espetáculo, o povo gosta. É um fenômeno brasileiro e que nós devíamos explorar mais. Porque nós podemos ser líderes em alguma coisa no mundo. Talvez seja isso aí. Pelos números, o Brasil tem uma população voltada para o esporte.

EE: Você considera o MMA um esporte?

LC: Considero. Eu já dei uma entrevista antes sobre isso para uma empresa de marketing (contratada pelo Banco do Brasil para fazer um estudo para ver se eles entrariam nessa área ou não). Eu não sou contra. O problema não é da luta em si, o problema é a forma que é utilizada. Isso pode ser verdadeiro para qualquer outra coisa, então, não exageremos. O questionamento central era se uma empresa envolvida com luta teria um desgaste junto à população. Para mim, depende da maneira como a luta vai ocorrer. Eu chamei atenção para que hoje o UFC é o maior empreendimento esportivo do mundo. E eles têm tudo, até código de honra. 

No SporTV, eu vi uma série sobre isso. Em Nova York, conseguiram proibir a luta, então começou uma discussão entre educadores, sociólogos e o pessoal do esporte. A conclusão desse debate é que a luta não tinha nada a ver com a maneira que poderia utilizar. Agora, eu reconheço que é difícil controlar essa situação. Há certas atividades que permitem maior exploração, como é o caso da maconha. Você pode liberar a maconha, mas vai ter sempre uma faixa de exploração. E você assume os riscos ou não do controle. 

Quer dizer, a sociedade moderna está cheia desses exemplos. Se você vai, morre. Se anda, o bicho come. Não tem saída. Isso acontecia com o profissionalismo. Até 1981 era proibido o atleta profissional se inscrever nos Jogos Olímpicos. A partir daí, liberaram porque ninguém mais conseguia controlar aquilo. Na época todo mundo achou que o esporte ia acabar. Não acabou, multiplicou (risos)! Quer dizer, depende da maneira com que é administrado. Então, nós temos que entender que em certas circunstâncias nós não podemos ser radicais. Nem com a maconha, nem com o MMA, nem com o automóvel. Tem sempre uma posição, um direito, um espaço de posicionamento na sociedade. Isso depende da gestão desses elementos.

EE: Em entrevista com Nuzman, ele disse que o COB, segundo o COI é o número um em trabalho no mundo. Qual a sua opinião?

LC: Que isso! O COI não pode reconhecer isso (risos). Já pensou fazer uma hierarquia de comitês olímpicos? O nosso Comitê perto daqueles europeus de primeira linha não é nada. Perto da Alemanha, da Holanda, da Inglaterra... O governo dos países adiantados cada vez mais está substituindo os comitês, até o governo dos EUA que não mexe  [11_200] na iniciativa privada está cada vez mais envolvido. 

Eu estou envolvido numa pesquisa até 2015, financiada pelo COI, justamente para saber para onde nós estamos indo, porque eles estão preocupados. O governo está substituindo, passou a ser um elemento de geopolítica extremamente importante, como está acontecendo agora. Sochi não é mais Jogos Olímpicos, é uma grande vitrine de um cara e um país que está tomando posições internacionais. E ele não disfarça isso, nem o país. Jogaram lá 45 bilhões de dólares, dobraram do que houve lá em Pequim. É uma loucura total (risos)! Diante dessas circunstâncias, dizer um negócio desses... Aliás, eles nem sabem dessa pesquisa.

EE: E o resultado de medalhas do Brasil em Jogos Olímpicos?

LC: É falso esse raciocínio. Não se pode comparar com o que havia antes, o porte dos Jogos era menor, não havia essa quantidade de medalhas e as delegações do Brasil também eram menores. Estamos comparando bananas com laranjas... Não é possível isso!

EE: Você acha que, historicamente e em comparação com outros países, o Brasil tem tido um resultado de medalhas muito bom?

LC: O Brasil não existe do ponto de vista olímpico. Estamos em 22º lugar em medalhas em Londres. Podemos chegar entre 10º e 15º pela organização paralela, como está acontecendo com o handebol. Há esportes que inteiramente estão ali, como judô, saltos ornamentais, natação. Então, esse pessoal pode ter bons resultados, mas não vamos sair... Não existe um caso na história de um país que saiu de 22º e chegou a 10º. Não tem como fazer isso. Não se forma um atleta de uma edição para outra. Isso é a maior bobagem. Se acontecer vai ser a primeira vez, mas é muito difícil mesmo, quase impossível. Até o aparecimento de grandes atletas não é tão evidente como antigamente, porque a ciência hoje domina. Você tem que trabalhar com muitos atletas, é uma coisa de massa, não é um sujeito. 

Outra coisa que não se pode comparar. Antigamente nós tínhamos o Robson Caetano no atletismo que era um fenômeno, então ele aparecia. Hoje é muito difícil os fenômenos apareceram porque a massa é muito grande, como acontece na natação. 

Você só pode ter impactos grandes nos resultados como ações como a da China. Ela usa com muita maestria seus 1 bilhão e 200 milhões de habitantes, formando uma quantidade brutal de atletas, onde apenas alguns vão representar o país. Não é com um sujeito só que se consegue resultado. E no Brasil é assim. Tinha um sujeito muito bom na natação que aparecia porque era um fenômeno. Hoje isso está diluído pelo porte da coisa. Hoje para um atleta sair das eliminatórias e chegar entre os finalistas é um problema. Se nós temos algum sujeito excepcional, como o Zanetti, ele tem que estar no bolo que vai chegar a essa final. É muito complicado isso. Ele é o resíduo do aparecimento de caras excepcionais no Brasil. Ele pode chegar a isso aí. Mas isso é uma raridade. Os países não investem mais nesses caras porque não adianta. Nós aqui ainda acreditamos nesses fenômenos. A maioria dos nossos são heróis esportivos excepcionais. Cada vez reduz mais as possibilidades, porque quando eles chegam nos terços para ir para as finais às dezenas.

Agora me lembrei que igual a esse Zanetti tem quatro ou cinco. Ele conseguiu ter um bom resultado lá em Londres, mas não é garantido que aconteça a mesma coisa sempre, porque tem vários iguais a ele. Antigamente não tinha, o número era menor. Os chineses destruíram tudo isso, eles vão com uma quantidade enorme de pessoas excepcionais.

EE: Porque eles fazem o trabalho desde a infância, com laboratórios...

LC: Isso. Porque a primeira camada, mesmo na China, é da quantidade, depois é que vem esse pessoal especializado. E não é difícil organizar isso não, é que mesmo sendo fácil nós não fazemos.

EE: Qual a sua opinião sobre o doping no esporte?

LC: Eu estou orientando uma tese sobre isso. Nós temos ambição de criar um novo modelo de entendimento do doping. Sabemos que é muito difícil, mas a carta da Wada permite e está incentivando o aparecimento de novas interpretações, então nós vamos nos valer disso. O controle do doping é muito mal organizado porque incide mais no atleta. Ou seja, transforma o atleta em grande responsável, quando deveria ser mais amplo, responsabilizando treinador, federação, clube. Então, a provável solução para o doping é reduzir os controles, culpando mais quem se relaciona com os atletas e chegando aos laboratórios. 

EE: Por quê o esporte é essencial?

LC: O esporte é cada vez mais essencial, porque a educação tem mudado muito e o esporte permanece o mesmo. O significado do esporte é o mesmo até hoje, altamente educacional e cultural. E todas essas culturas têm essa característica, o que é raríssimo. Bem manejado, o esporte faz parte da vida moderna, mas mantendo essa cultura relacionada ao indivíduo. 

O esporte não é só essencial, é único, devido a alta capacidade que tem de se adaptar a qualquer cultura e a cultura se adaptar a ele. Então, é por isso que estamos vendo os megaeventos crescerem independente de onde estão. Pode ser na China, na Grécia, no Brasil e por aí vai... Um elemento universal. É essencial e único porque é universal.

Liderado por Lamartine da Costa, o "Atlas do Esporte no Brasil" é resultado de uma das maiores pesquisas sobre esporte até hoje feitas no mundo, reunindo cerca de 410 colaboradores qualificados e 17 editores, que trabalharam voluntariamente durante dois anos, levantando  diferentes facetas do esporte e de atividades físicas congêneres, cobrindo todo o Brasil. É um resumo sobre a verdadeira identidade do esporte e da Educação Física no país. Com certeza, se houver uma política esportiva/educacional no país, o Atlas deverá ser a base de qualquer planejamento governamental.

** Lamartine da Costa é Doutor em FILOSOFIA, Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, 1989 e Livre Docente em ADMINISTRAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO FÍSICA E DESPORTOS, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1988. Funções atuais: Professor do Mestrado e Doutorado em Ciência do Esporte, Universidade Gama Filho – Rio de Janeiro e Professor Visitante da University of East London – Reino Unido. Funções relevantes anteriores: Professor da Academia Olímpica Internacional (Olímpia, Grécia); Professor Visitante Universidades Porto e Lisboa (Portugal), e Autônoma de Barcelona (Espanha); Membro do  Conselho de Pesquisa do Comitê Olímpico Internacional; Membro da World Anti-doping Agency-WADA; Coordenador Projeto Brasil-Espanha de Estudos Olímpicos da CAPES; Coordenador Internacional de Pesquisas da Trim and Fitness International Sport for All Association – TAFISA.

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