Integra

Dizem que o tempo começou com um corte.
Cronos, cansado dos abusos de Urano sobre Gaia, decepou o pênis do seu pai com uma foice. O céu se afastou da Terra, nascendo o espaço entre a Terra e o Céu. Os Titãs, irmãos de Cronos puderam respirar sendo libertados da prisão sem espaço. O pênis de Urano foi atirado ao mar.  A mistura do sangue e do sêmem de Urano com a espuma do mar, deu origem a Afrodite, a deusa do amor. O amor surgiu da violência. O tempo surgiu do trauma. E o espaço permitiu a liberdade. 

Antes disso, tudo era junto. Céu e terra, dia e noite, começo e fim. Não existia passado nem futuro, porque não havia relógio nem cronômetro, muito menos agenda eletrônica.
O corte de Cronos inaugurou a história humana: separou o antes e o depois. O tempo passou a correr. 

Marx e Engels perceberam que a história  amarrou o tempo ao pulso e o penduraram na parede da fábrica.
O capital fez do tempo uma mercadoria. Marx explicou isso direitinho: o patrão não compra o trabalho, compra o tempo do trabalhador. E, quanto mais tempo compra, mais lucro ganha. 

O nome disso é mais-valia. O nome disso é vida aprisionado. O esforço de Cronos foi em vão?
Aí inventaram os mesmos que aprisionaram o tempo criaram o “tempo livre”, como se fosse um favor. Mas que liberdade é essa se o tempo livre só existe porque alguém sequestrou o tempo do trabalho?
E mais: por que o ócio virou pecado? Por que descansar dá culpa? Desde quando ficar à toa virou um problema moral?
O capitalismo resolveu esse dilema vendendo uma ideia de tempo de lazer. Embalou o tempo livre, colocou um código de barras e nos ofereceu o descanso pronto: pacotes turísticos, streaming ilimitado, experiências pagas de felicidade instantânea. O tempo livre virou consumo, e o ócio criativo, aquele em que a gente pensa, questiona e imagina outro mundo possível, esse virou suspeito porque é de fato livre. 

O tempo em que Afrodite nascia da espuma e o tempo que nasceu da separação ainda não era produto de ninguém.
Quando o amor e a beleza eram mais importantes que o lucro e o relógio.

Professor Alexandre Machado Rosa