Integra

 O Colégio Estadual Visconde de Cairu existe há oitenta e um anos e constitui-se em referência para população da classe trabalhadora do subúrbio da cidade do Rio de Janeiro. Ainda de acordo com dados fornecidos pela escola, 90% de seus alunos são oriundos das escolas da rede pública municipal.


 Seu campo de atuação é o ensino médio, com cerca de 3000 alunos divididos em 3 turnos. Possui um bom espaço físico para o desenvolvimento das aulas de Educação Física, sendo duas quadras polivalentes dentre as quais uma possui cobertura, um salão, um pátio coberto e uma sala de vídeo, contando ainda com uma quantidade razoável de material didático disponível.


 Na Educação Física a tendência desportivizante mantém uma forte hegemonia na escola. As aulas são voltadas para a formação de equipes, com ênfase na competição exacerbada, baseado no calendário de diversas competições municipais e estaduais do ano letivo. Provavelmente esta seja a razão da divisão das turmas pelos critérios sexistas.


 Por percebermos que este tipo de prática pedagógica reforça uma realidade político-social, que remete ao indivíduo a responsabilidade que as contradições produzidas pelo sistema capitalista, tais como o desemprego, a fome, a miséria, entre tantas outras, passamos a repensar os objetivos e métodos até então utilizados, na intenção de contribuir na transformação deste quadro político-social.


 "Apesar de pertencer ao mundo do trabalho, a escola deve dar condições para que se discuta criticamente a realidade em que se acha mergulhada. Ou seja, para exercer sua função com dignidade, precisa manter a dialética herança-ruptura: ao transmitir o saber acumulado, deve ser capaz de romper com as formas alienantes, que não estão a favor do homem, mas contra ele." (ARANHA, 1998, p.26)


 Para tal, vemos a necessidade da escola assumir um papel crítico e transformador, contribuindo na construção de uma sociedade mais democrática, onde a educação "deve se concentrar nas estratégias e nos meios para proporcionar mais recursos materiais e simbólicos para os jovens que têm sua qualidade e educação diminuída, não por falta de meios para medi-lo, mas porque esta qualidade lhes é negada, subtraída e confiscada" (SILVA, 1996, p.187). Para isso, além da defesa do sistema educacional para todos em todos os níveis, ela deve resgatar um processo pedagógico contextualizador, com ampla participação da sociedade.


 Por acreditarmos que, seja qual for o sistema social, este deve estar pautado na igualdade de oportunidades, na garantia às individualidades e às manifestações coletivas e cuja educação esteja voltada para formação de seres humanos críticos, solidários e transformadores da realidade perversa imposta pelo sistema capitalista.


 A partir desta análise, nosso desafio passou a ser como adequar nossos conteúdos e métodos para contribuir na superação desta realidade. Neste caminho, organizamos um grupo de estudo com o propósito de elaborarmos um projeto experimental que pudesse contemplar nossas ansiedades.


 Encontramos na tendência crítico-social dos conteúdos, apresentada por José Carlos Libâneo, um importante referencial pedagógico, na medida em que "Em síntese, a atuação da escola consiste na preparação do aluno para o mundo adulto e suas contradições, fornecendo-lhe um instrumental, por meio da aquisição de conteúdos e da socialização, para uma participação organizada e ativa na democratização da sociedade". (LIBÂNEO, 1987, p.30)


 No campo da Educação Física tomamos como referencial a proposta denominada de Cultura Corporal (Coletivo de autores, 1992), surgida no início dos anos 90, cuja visão de indivíduo e sociedade referendam nossos anseios e nos proporciona as possíveis saídas para uma prática pedagógica transformadora.


 "Busca desenvolver uma reflexão pedagógica sobre o acervo de formas de representação do mundo que o homem tem produzido no decorrer da história, exteriorizadas pela expressão corporal: jogos, danças, lutas, exercícios ginásticas, esporte, malabarismo, contorcionismo, mímica e outros, que podem ser identificados como formas de representação simbólica de realidades vividas pelo homem, historicamente criadas e culturalmente desenvolvidas."(op.cit, p.38)


 Assim, nossa proposta baseada nestes dois referenciais e levando em consideração as condições objetivas de nossa escola, visa contribuir na construção da autonomia, solidariedade e criticidade como elementos do exercício da cidadania com vista às necessárias mudanças sociais.


 O projeto tem como princípios norteadores; a valorização das experiências acumuladas pelos alunos; o planejamento e a tomada de decisão em grupo; a aplicação de conteúdos ligados a realidade significação social dos alunos; a experimentação constante, a valorização da cultura popular; o resgate ou afirmação da auto-estima; a contribuição da atividade física na saúde dos indivíduos e a utilização de uma avaliação que identifica conflitos no processo pedagógico e suas superações, de forma criativa e crítica no contexto professor-aluno.


 Como primeiro passo a proposta sugere a realização de uma diagnose com os alunos, com o objetivo de traçarmos um perfil dos mesmos, no que se refere a seus limites, qualidades, diferenças e expectativas.


 Após a análise diagnóstica e os seus resultados monta-se, em conjunto com os alunos, o nosso planejamento anual.


 O resultado deste processo culmina na listagem de conteúdos. Por exemplo, no último ano os conteúdos acordados foram: capoeira; danças e manifestações folclóricas; movimentos acrobáticos; jogos populares; jogos esportivos com regras transformadas; ginástica voltada para promoção de uma melhor qualidade de vida e atletismo.


 A montagem do calendário escolar é feita coletivamente com os alunos e neste processo fica estabelecido a periodização dos conteúdos e se realiza uma eleição para a distribuição dos mesmos.


 Como exemplo descreveremos o calendário estabelecido neste ano. Ficou estabelecido que o calendário teria a periodização bimestral e após a eleição, os conteúdos ficaram assim distribuídos:


 1º Bimestre - Jogos esportivos com regras transformadas


 Objetivo - Proporcionar, por meio dos esportes, a organização coletiva, a postura crítica, a transformação das regras oficiais visando uma prática não excludente e participativa.
Pontos enfocados - Origem dos esportes movimentos básicos e contextualização histórica.

 2º Bimestre - Jogos populares.


 Objetivo - Resgatar os valores histórico e cultural das atividades no grupo social, atuando na manutenção, prevenção e valorização da cultura popular.
Pontos enfocados - Origem das atividades, contextualização histórica, variações regionais e vivência prática.


 3º Bimestre - Danças e manifestações folclóricas.


 Objetivo - Expressar representativamente os diversos aspectos da vida humana, seus sentimentos e resgate de valores históricos e culturais.
Pontos enfocados - Origem, contextualização histórica, apreensão dos movimentos culturais básicos.


4º Bimestre - Capoeira


 Objetivo - resgatar a manifestação cultural tipicamente brasileira rica em elementos sócio-culturais presentes na vida cotidiana.
Pontos enfocados - Origem, contextualização histórica, movimentos básicos, ritmos e canções da cultura negra.


 Avaliação


 Contínua, com a participação efetiva dos alunos. Valoriza a participação crítica e coletiva, a reflexão, o compromisso e a apreensão dos conteúdos técnicos.
Instrumentos utilizados
Auto-avaliação e freqüência nas aulas.
Critérios
Participação e cooperação, respeito coletivo e conteúdos específicos apreendidos.


 Referências bibliográficas


 Aranha, Maria Lúcia Arruda. Filosofia da educação. 2.ed. São Paulo: Moderna, 1996.
Coletivo de autores. Metodologia do ensino de educação física. São Paulo: Cortez, 1992.
Gentili, Pablo; SILVA, Tomaz Tadeu da. Neo liberalismo, qualidade e educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1994, p. 93 -110.
Guiraldelli JR, Paulo. Educação física progressista: a pedagogia crítico-social dos conteúdos e a educação física brasileira. São Paulo: Loyola, 1991.
Libâneo, José Carlos. Democratização da escola pública. A pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1987.