Integra

CDD.18.ed. 612.044

  VALIDADE DA VELOCIDADE DE LIMIAR DE LACTATO DE 3,5 MMOL X L-1

IDENTIFICADA ATRAVÉS DE TESTE EM PISTA DE ATLETISMO

 
Maria Augusta Peduti Dal Molin KISS*
Eriberto FLEISHMANN**
Lisbeth K. CORDANI***
Flávio KALINOVSKY****
Roberto COSTA*****
Fernando Roberto de OLIVEIRA******
João Fernando Laurito GAGLIARDI*******

  RESUMO

O treinamento aeróbio para atletas, em especial para meio fundistas e fundistas, tem se desenvolvido muito nos últimos anos, embasado, entre outros fatores, em vários tipos de testes laboratoriais, dentre os quais a medida de lactato sanguíneo para a determinação do limiar anaeróbio. A necessidade de atender a número mais elevado de esportistas, bem como a maior especificidade da atividade envolvida, levaram a procura de testes de pista. Foram analisados em laboratório e em pista de atletismo, 14 atletas de fundo e meio fundo, de nível nacional, utilizando-se testes escalonados de 3 min de duração por estágio, com pausas de 30 s. A velocidade de limiar de lactato de 3,5 mmol x l-1 foi determinada através de regressão segmentada, com ponto de intersecção desconhecido; a freqüência cardíaca nesse limiar foi calculada através de ajustes de curvas de primeiro ou segundo graus para obtenção de resíduos mínimos. Essas duas medidas resumo foram comparadas através do coeficiente de correlação de Pearson (r) e de testes inferenciais paramétricos e não paramétricos. O r entre laboratório e pista foi de 0,80 para a velocidade de limiar e de 0,81 para a freqüência cardíaca na velocidade de limiar. Não houve diferença significante entre os valores de laboratório e de pista, para nenhuma variável estudada, com nenhuma metodologia. Pode-se concluir que, para atletas de corrida, a determinação da velocidade de limiar de lactato em pista, calculada por meio de regressão segmentada, através do teste escalonado intermitente, é uma metodologia válida.
UNITERMOS: Limiar anaeróbio; Limiar de lactato; Testes de laboratório; Testes de pista; Corredores.

INTRODUÇÃO

Os resultados das competições atléticas tiveram grande evolução nos últimos anos, tendo-se verificado um avanço significativo no conhecimento dos fatores determinantes do rendimento aeróbio competitivo. Em paralelo a este desenvolvimento, houve evolução dos processos de avaliação, prescrição e acompanhamento do treinamento, que passaram a se utilizar mais frequentemente de análises bioquímicas e fisiológicas. Entre elas, a medida de concentrações submáximas de lactato sanguíneo ([LA]) contribuiu substancialmente para a evolução do dia a dia do treinamento e do estudo dos indicadores do metabolismo durante o esforço. Houve, inicialmente, uma maior preocupação com as causas do aumento das [LA] em exercícios submáximos em laboratório (Hollmann, 1985). Posteriormente, o enfoque dos estudos foi direcionado para a utilização prática das variáveis derivadas da análise das [LA] (Fohrenbach et alii, 1987; Kiss et alii, 1988; Oliveira et alii, 1994). Atualmente, apesar da evolução nas teorias formuladas, ainda não temos uma fundamentação satisfatória para os diversos conceitos de limiar anaeróbio e limiares de lactato a ponto fixo ou individualizado, apresentados sobre o assunto (Brooks, 1985; Davis, 1985; Walsh & Banister, 1988). Contudo, a aplicação da avaliação utilizando [LA] é crescente, demonstrando ser bastante útil no acompanhamento do treinamento esportivo (Jacobs, 1986). Após o aparecimento do conceito de limiar anaeróbio (Wassermann & McIlroy, 1964) surgiram várias metodologias de treinamento de corredores de média e de longa distâncias (Mader, 1991; Nurmekivi, 1988). Para a aplicação desse tipo de prescrição são utilizadas mais frequentemente testes de laboratório (Borch et alii, 1993; Coen et alii, 1991; Padilla et alii, 1991; Sjodin & Svedenhag, 1985; Weltman et alii, 1987; Zalessky, 1985), embora um menor número de estudos aplique testes em pista (Batista, 1990; Fohrenbach et alii, 1987; Oliveira et alii, 1993; Simões et alii, 1993; Usaj & Starc, 1990). As atividades de treinamento com atletas de alto nível competitivo têm como objetivo adaptações específicas ao esporte (Kipke, 1991). Com a intenção de melhorar o rendimento desportivo, essas adaptações devem ser investigadas e analisadas, com as medidas sendo obtidas diretamente no local de treinamento e competição dos atletas (Dal Monte, 1989). A partir dos estudos de Mader et alii (1976), as velocidades correspondentes às concentrações fixas de lactato sanguíneo são comumente usadas para avaliação, prescrição e verificação dos efeitos do treinamento aeróbio (Heck et alii, 1985; Jacobs, 1986). Contudo, não são apresentadas equações que permitam determinação objetiva da velocidade onde ocorre concentrações sanguíneas de 3,5 mmol x l-1, em teste escalonado de 3 minutos por estágio (Beaver, 1985; Kiss, 1989; Kiss et alii, 1993a). A esse problema deve-se acrescentar que com o aumento das velocidades no teste escalonado em esteira, as concentrações de lactato em cargas próximas são altamente correlacionadas, levando-se a discutir a utilização de ajustes de curvas clássicos (Cordani & Ribeiro, 1993). Além disso, existe na literatura uma lacuna relativa à validação da identificação destas velocidades de limiar de [LA] com metodologias de campo, similares àquelas de laboratório. Assim, o presente estudo teve como objetivo verificar a validade da medida de velocidade limiar de lactato de 3,5 mmol x l-1 em teste de pista com técnica semelhante aos estudos de Heck et alii (1985).

METODOLOGIA

Amostra

O grupo estudado constou de 14 corredores de nível competitivo nacional, com média de idade de 20,5 + 2,4 anos, estatura 172,9 + 5,6 cm e peso 63,5 + 9,4 kg, especialistas em corridas de média e longa duração, com tempos de competição entre 14 a 15:30 minutos para a prova de 5 000 m e de 29 a 31 minutos para a prova de 10 000 m. Estes atletas treinavam, sistematicamente, cinco a seis vezes por semana pelo menos há quatro anos, competindo regularmente em suas respectivas provas.

Protocolos utilizados

Os atletas foram submetidos a testes escalonados (sobrecargas gradualmente crescentes) em laboratório e em pista, de forma alternada e casualizada, após terem assinado termo de consentimento para participar do estudo. Em laboratório foi utilizada esteira rolante Quinton 2472, cuja velocidade máxima é de 40 km x h-1.. O protocolo utilizado foi similar ao de Heck et alii (1985), ou seja, inclinação de 1%, velocidade inicial de 8,4 km x h-1 e incrementos de 1,2 km x h-1. A duração de cada estágio foi de 3 minutos, com intervalo de 30 s entre cada carga para a coleta de 20 m l de sangue arterializado no lóbulo da orelha, utilizando-se previamente uma pomada vasodilatora a base de nicotinato de butoxietileno e nonivamida. O sangue coletado era desproteinizado com 200 m l de ácido perclórico, 0,6 N, centrifugado, para posterior medida da [LA] em espectrofotômetro Guilford 300 N, utilizando método enzimático, com extinção de NADH, leitura em 340 nm, conforme Mader & Holmann (1977). Na pista oficial de atletismo, foi utilizada metodologia similar àquela de laboratório, com velocidades semelhantes (TABELA 1). Para que a aproximação fosse a maior possível, a pista foi demarcada com cones a cada 50 m, utilizando-se um frequencímetro sonoro, fabricação nacional, não patenteado (Fleishmann, 1993), ligado a um amplificador e a duas caixas acústicas, a fim de controlar o ritmo da corrida. A cada sinal sonoro o atleta deveria estar passando em uma das marcas de 50 m. Caso isso não ocorresse o ritmo deveria ser ajustado. O teste era interrompido quando o atleta não conseguisse acertar o ritmo em três cones sucessivos. A fim de possibilitar a coleta de sangue em pista em apenas 30 s de intervalo foram calculadas as distâncias a serem percorridas em cada estágio, de forma a permitir que o pesquisador estivesse ao lado do atleta no final das diferentes etapas. A duração de cada estágio também foi de 3 minutos.

TABELA 1 - Velocidades utilizadas nos testes de laboratório (lab) e pista (pis).

__________________________________________________________________________________ Velocidade (km x h-1)

__________________________________________________________________________________

Lab. 8,4 9,6 10,8 12 13,2 14,4 15,6 16,8 18 19,2 20,4

Pis. 8,4 9,5 10,9 12 13,3 14,4 15,7 17,1 18 19 20

__________________________________________________________________________________

Os valores de freqüência cardíaca (FC) durante os testes de laboratório foram obtidos em eletrocardiógrafo (Hewlett Packard 7830A), e na pista com auxílio de um telêmetro de eletrocardiograma, também Hewlett Packard (modelo 7828), acoplados a monitor, em ambas as situações. A temperatura e a umidade ambiente foram medidas com psicrômetro de deslizamento. O intervalo entre os testes de pista e laboratório foram de dois dias a uma semana, realizados em dias de temperatura muito similares: laboratório (média ± desvio padrão)= 27,8 + 1,30C e pista= 26,2 + 3,00C.

Variáveis identificadas

Tanto no teste em laboratório quanto no de pista foram identificadas variáveis resumo, ou seja, que representavam o conjunto de pontos: velocidades e [La] ou velocidade e FC; as variáveis resumo referentes às velocidades de limiar de 3,5 mmol x l-1, foram determinadas através de regressão segmentada, ou ajuste poligonal, com ponto de intersecção desconhecido, conforme Draper & Smith (1981), utilizando-se a Equação 1:

lactato = a + bV1 + cV2 + d (indicador) + erro (Equação 1)

onde:

V1: velocidades correspondentes à primeira reta.

V2: velocidades correspondentes à segunda reta.

indicador: utilizado como variável "dummy" (binária), sendo igual a zero ou igual a um, conforme se esteja na primeira ou na segunda reta, respectivamente.

Ainda, conforme Draper & Smith (1981), foi utilizado, em todos os casos, um ajuste que levasse a um coeficiente de explicação (R2) maior do que 0,9. Quando necessário foi realizado mais de um ajuste, pois não se conhecia, a priori, quantos pontos determinavam o primeiro segmento de reta e quantos o segundo. A freqüência cardíaca na velocidade do limiar foi calculada através de regressão simples ou polinomial de segundo grau, conforme justificado pela análise dos resíduos.

Análise estatística

Considerando o tamanho de amostra relativamente pequeno e o desconhecimento do tipo de distribuição das medidas obtidas neste projeto, optou-se por testar a equivalência entre as variáveis de pista e de laboratório usando diferentes métodos, paramétricos e não paramétricos, supondo-se que ocorreria maior validade dos resultados quando houvesse concordância entre eles.

Testes utilizados:

a) Testes não paramétricos (Conover, 1980):

1-Teste do Sinal:

H: a mediana da variável diferença é igual a zero.

2-Teste de Wilcoxon (suposição de simetria na variável diferença):

H: a mediana da variável diferença é igual a zero.

b) Testes paramétricos (Neter et alii, 1985):

1-Test t-Student emparelhado (suposição de distribuição normal da variável diferença):

H: a média da variável diferença é igual a zero.

2-Teste multivariado (Johnson & Wichern, 1988):

Teste T2 - Hottelling (suposição de distribuição normal multivariada para as variáveis diferença):

H: as médias das diferenças são simultaneamente nulas.  

Para todas as análises efetuadas, foram aceitos como significantes diferenças onde p < 0,05.

RESULTADOS

A FIGURA 1 apresenta um exemplo do ajuste de dois segmentos de reta aos dados de laboratório para o atleta 12.

FIGURA 1- Regressão segmentada entre velocidade e lactato no atleta 12 em laboratório.

Os valores da variável - resumo velocidade no limiar de lactato com 3,5 mmol x l-1 (V3,5) em laboratório - variaram de 15,00 a 19,26 km x h-1. Em pista, a variação foi de 14,76 a 18,64 km x h-1 , com valor médio, respectivamente, de 16,49 e 16,42 km x h-1, conforme consta na TABELA 2. Os valores de R2 para a velocidade de limiar em laboratório variaram de 0,92 a 0,98; a variação em pista foi de 0,90 a 0,95. A freqüência cardíaca no limiar (FC) variou no laboratório entre 156 e 189 bat x min-1 (bpm) enquanto que em pista, entre 140 a 194 bpm, com valores médios, respectivamente, de 168,6 e 166,7 bpm. O ajuste polinomial de segundo grau foi utilizado em três atletas.

TABELA 2 -Velocidades e freqüência cardíaca nos limiares em laboratório e em pista: V3,5Lab, V3,5Pis, FCLab, FCPis (Valores de média e erro padrão). ____________________________________________________________________________

variável V3,5 (km x h-1) FC3,5 (bat x min-1)

lab pis lab pis

____________________________________________________________________________

média 16,5 16,4 168,6 166,7

erro padrão 0,3 0,3 3,0 4,5

Os coeficientes de correlação de Pearson entre os resultados de laboratório e pista foram, respectivamente de 0,80 e 0,81 para velocidade no limiar e para a freqüência cardíaca no limiar.

A TABELA 3 apresenta os níveis descritivos (valores de p) para cada um dos testes citados, em cada variável.

TABELA 3 - Níveis descritivos para a velocidade e FC na [LA] de 3,5 mmol x 1-1 (V3,5 e FC3,5).

V3,5 FC3,5

t -Student p= 0,569 p= 0,696

Wilcoxon p= 0,701 p= 0,600

Teste do Sinal p> 0,999 p= 0,267

T2 Hottelling p=0,267

Não houve diferenças significantes nos valores obtidos em V3,5 e FC3,5 em pista e laboratório, em nenhum dos testes estatísticos aplicados (p > 0,05).

DISCUSSÃO

A validade de uma medida depende, inicialmente, do erro da metodologia utilizada, bem como da consistência do resultado da variável obtida em medidas repetidas. Considerando-se a complexidade da análise laboratorial clássica de lactato e o desconhecimento do erro dessa medida em nosso meio foi importante o seu estudo inicial em nosso laboratório, para podermos, posteriormente, analisar a validade do limiar anaeróbio como estimador da capacidade aeróbia ou de "endurance".

Os resultados do erro de medida, obtidos por Kiss et alii (1993b) foram de 3% nos valores abaixo de 3 mmol x l-1 e de 5% nos maiores do que 5 mmol x l-1. Isto nos permite utilizar nossos resultados de forma confiável, pois estão de acordo com valores obtidos no exterior, quando analisados de forma não automática.

Outro importante item a ser considerado como pré-requisito para estudo de validade (Safrit & Wood, 1989) é a reprodutibilidade das medidas, estudada em nosso meio em 1992 (Kiss et alii, 1992). A velocidade de limiar de lactato a ponto fixo mostrou-se reprodutível mesmo em indivíduos não acostumados com trabalho em esteira rolante, quais sejam, bombeiros, levando-nos a considerá-la de forma semelhante em esportistas corredores de longa e média distâncias. Um dos problemas importantes nos estudos dos limiares láticos é que poucos são os autores que apresentam equações para seu cálculo (Kiss, 1989) e quando relatam sua utilização, como Beaver et alii (1985), seus resultados estatísticos não as justificam; esses autores partem da definição visual do ponto de intersecção, enquanto neste trabalho ele é calculado. Kiss (dados não publicados) encontrou correlações oscilando entre 0,74 e 0,92 para os valores de lactato a cada conjunto de três cargas sucessivas em testes escalonados, o que levaria a procura do ajuste de modelos para dados dependentes (Marques et alii, 1982) a fim de estabelecer a curva relacionando concentrações sanguíneas de lactato e velocidades. Contudo, as equações comumente utilizadas apresentam resíduos elevados não possibilitando o seu uso. Por esse motivo, optou-se, conforme Cordani & Ribeiro (1993), pela análise de pontos representativos da curva na comparação pista e laboratório. Quando tratamos com esportistas, um dos princípios básicos da avalição funcional é a especificidade; por esse motivo, as medidas obtidas em esteira rolante, embora nos forneçam informações bastante seguras, são insuficientes para o controle eficaz das intensidades de treinamento (Chicharro & Arce, 1991; Heck et alii, 1985). Os testes de campo nos oferecem dados mais úteis para guiarmos o treinamento (Szogy, 1987), evitando diversos problemas, como por exemplo, dificuldades de coordenação em corrida em esteira rolante no laboratório (Van Dam, 1992). Daí justifica-se nossa preocupação com a aplicação de testes de campo para estudo de capacidade aeróbia de atletas. Na literatura encontramos que algumas abordagens ainda são susceptíveis a críticas. Várias das recomendações e testes apresentados para identificação de variáveis de limiar de lactato em corredores não foram validados contra testes de referência, como é o caso de propostas de Chicharro & Arce (1991), Fohrenbach et alii (1987), Simões et alii (1993), Van Dam (1992) e Zalessky (1985). Esses autores utilizaram três a oito repetições de distâncias com amplitude de 1200 m a 2323 m, aumentando a velocidade a cada estágio para a identificação da velocidade correspondente à [LA] de 4 mmol x l-1. Nesses estudos também não houve a preocupação de estabelecer equações ou medidas resumo para comparar os testes de pista com os de laboratório. Estas metodologias, apesar de serem práticas, associadas à "performance" e discriminatórias de efeitos de treinamento aeróbio, não tiveram seus resultados comparados com a velocidade de máximo "steady state" (VMSSL), ou com os valores obtidos pela aplicação do protocolo de Heck et alii (1985), fatos esses necessários pois a velocidade de limiar anaeróbio é protocolo dependente. Alguns testes de campo foram validados com objetivos de obter variáveis de referência de VMSSL, enquanto em outros casos, métodos diferenciados de aproximação do fenômeno foram apresentados. Geisemeyer & Rieckert (1987), estudando 25 estudantes de esportes, compararam o valor de limiar anaeróbio de 4 mmol x l-1 (V4) encontrado em protocolo laboratorial, estágios de 3 min, com os resultados obtidos em pista, através de duas metodologias: uma similar a de laboratório e outra usando repetições de corridas de 800 m. As velocidades, nestas últimas, eram gradualmente crescentes, mas escolhidas pelos avaliados. Não foram encontradas diferenças significantes entre os valores de V4 nas três situações, com as correlações variando entre 0,67 a 0,95 em homens e mulheres. Contudo, o trabalho não descrevia adequadamente o teste laboratorial, nem o critério para a determinação do limiar anaeróbio, bem como não se referia a reprodutibilidade das medidas para os diferentes testes. Oliveira et alii (1993) estudaram grupo heterôgeneo de nove indivíduos, utilizando corridas de 1200 m, velocidade inicial de 9,4 ou 10,8 km x h-1 e incrementos de 2,8 km x h-1, com pausa de 1 min. No laboratório, foi usada metodologia recomendada por Heck et alii (1985) para a identificação de V4. Foi encontrado r= 0,98 entre os valores de V4 identificado em pista e laboratório; a limitação deste estudo foi o pequeno número de indivíduos . Em Tegtbur et alii (1993) encontramos uma atraente metodologia para a identificação da VMSSL. O método consiste na aplicação de um ou dois esforços anaeróbios máximos (2 x 200 m ou 300 + 200 m), com considerável acúmulo de lactato. Após uma pausa de 8 min, o indivíduo iniciava um teste progressivo por estágios com repetições, em pista, de corridas de 800 m. Percebia-se, com as primeiras cargas, que as [LA] começavam a diminuir, alcançando um valor mínimo ([LA]min.), a partir do qual obtinha-se um aumento progressivo das [LA]. O ponto de [LA]min seria a intensidade de equilíbrio entre a produção e a eliminação do lactato. Em seus estudos, os autores constataram que nesta intensidade obteve-se VMSSL na maioria dos casos. Esta abordagem tem a vantagem de proporcionar, ao mesmo tempo, índices de aptidão física aeróbia e anaeróbia. Trata-se, contudo, de um único trabalho publicado sem fidedignidade dos resultados dos testes, o que nos leva a ter cautela nas generalizações. Usaj & Starc (1990) foram os únicos autores a demonstrar, em pista, que a V4 identificada através de repetições de 1200 m (cinco a 12 repetições)- incrementos de 0,2 m/s em cada estágio, não diferia significantemente da VMSSL, sendo contudo feita uma análise paramétrica apenas com nove atletas, sem preocupação com a distribuição das variáveis ou com a equação para determiná-las. A maioria dos estudos apresentados parte do princípio, nem sempre verdadeiro, de que com testes utilizando distâncias fixas obtemos resultados similares àqueles onde o tempo é fixo. Isto parece ocorrer em intensidades em que a duração de cada estágio, se encontra por volta de 4 min. (Foster et alii, 1993). No presente estudo, utilizou-se o mesmo tempo de estágio tanto em campo quanto em laboratório - 3min, sendo que esta abordagem teve como incoveniente a necessidade de uma constante movimentação na pista por parte dos avaliadores, problema que foi contornado com um planejamento antecipado do ponto onde terminaria cada estágio. A presente investigação é pioneira no estudo das velocidades correspondentes às concentrações fixas de lactato, seguindo as recomendações de Heck et alii (1985). Entre as sugestões apresentadas optou-se por utilizar a V3,5 como referência de VMSSL, para estágios de 3 min e inclinação entre 0 e 2% em situações onde são necessárias transferências de resultados de laboratório para a pista, pois precisava-se, para um melhor ajuste de curva, de seis a sete estágios para cada atleta. A utilização do valor de V4, frequentemente aplicada, implicaria que o tempo dos estágios fosse de 5 min o que aumentaria substancialmente a duração do teste e possivelmente influenciaria no número de cargas completadas por cada atleta. Uma ameaça à evidência da validade do protocolo aqui estudado é o fato de não ter sido ainda determinado se o valor de V3,5 encontrado nesta metodologia corresponde à VMSSL, em pista. Esta questão deve ser investigada com a comparação dos valores de V3,5 seguindo o protocolo proposto para pista com o valor de VMSSL encontrado em teste com aplicação de cargas retangulares também em pista. Esta crítica é extensiva a quase todos os trabalhos anteriormente referenciados, com exceção apenas dos estudos de Usaj & Starc (1990) e Tegtbur et alii (1993) . A comparação dos valores encontrados no presente estudo com os de outras pesquisas torna-se difícil pela grande variedade de metodologias e grupos estudados. Porém, utilizando-se como referência trabalhos com abordagens similares, os valores de V3,5 aqui encontrados, similares àqueles esperados para atletas do mesmo nível (Borch et alii, 1993; Usaj & Starc, 1990), encontram-se acima dos resultados obtidos para corredores de menor nível competitivo aeróbio (Chicharro & Arce, 1991; Oliveira et alii, 1994) e inferiores a atletas de nível internacional (Oliveira et alii, 1994). O valor de correlação encontrado entre os valores de V3,5lab e V3,5pis está dentro da faixa normalmente recomendada para validação de critério, podendo ser considerado como muito bom (Mathews, 1980). Uma maior relação ente os valores provavelmente não foi encontrada pelos diferentes níveis de coordenação e eficiência de corrida dos atletas, quando do teste em esteira rolante, e/ou por dificuldades na adequação do ritmo de corrida em pista aos sinais sonoros que determinavam a velocidade de corrida. Assim, para a primeira aplicação do presente protocolo, recomenda-se uma adaptação do atleta ao sistema de corrida com sinalizador sonoro e cones. As freqüências cardíacas na velocidade de limiar de lactato a ponto fixo não diferiram significantemente entre laboratório e pista, podendo servir para balizar o treinamento.

CONCLUSÕES

Dentro das limitações deste trabalho podemos concluir que os dados de velocidade no limiar de lactato e a freqüência cardíaca para essa velocidade, podem ser estudados através de variáveis resumo, utilizando-se a técnica de regressão segmentar, tanto em laboratório quanto em pista. Além disso pudemos validar a determinação do limiar de lactato em pista, quando utilizamos protocolo intermitente de 3 min de duração e 30 s de pausa.

ABSTRACT   VALIDITY OF THE LACTATE 3.5 MMOL X L-1 THRESHOLD VELOCITY IDENTIFIED BY A TEST IN THE ATHLETIC TRACK  

Aerobic training for sportsmen, in particular, long and midlle distance runners, has had a great development in recent years, partially due to different types of laboratory tests, among them, measure of blood lactate. The great demand of athletes and specificity of the sports activity led to a search for track tests. 14 male long and middle distance runners, competing at national level, were studied in laboratory and field (track) conditions using gradual increasing tests, 3 min each level, with 30 s pause. The velocity of lactate threshold of 3.5 mmol x l-1 was determined by piecewise regression, with unknown intersection point; heart rate in this velocity was studied with linear or quadratic regression, depending on minimal residuals. These two summary measures were compaired using Pearson correlation coefficient (r), and parametric and non parametric inferential tests; r between track and laboratory results were 0.86 and 0.81 for velocity and heart rate, respectively. Significant differences between summary measures for track and laboratory were not found. Concluding, determination of lactate threshold for runners with incremental protocol in track is a valid estimation of laboratory results.

UNITERMS: Anaerobic threshold; Lactate threshold; Laboratory tests; Track tests; Runners

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BATISTA, A.F. Aspectos de resistência específica com atletas corredores de 5.000 metros. São Paulo, 1990. 73p. Dissertação (Mestrado) - Escola de Educação Física, Universidade de São Paulo.

BEAVER, W. et alii. Improved detection of lactate threshold during exercise using a log-log transformation. Journal of Applied Physiology, v.59, p.1936-40, 1985.

BORCH, K.W. et alii. Accumulation of blood lactate during graded exercise as a predictor of anaerobic threshold. Journal of Sports Sciences, v.11, p.49-55, 1993.

BROOKS, G.A. Anaerobic threshold: review of the concept and directions for future research. Medicine & Sciences in Sports and Exercise, v.17, n.1, p.22-31, 1985.

CHICHARRO, J.L.; ARCE, J.C.L. Umbral anaeróbio: bases fisiológicas y aplicácion. Madrid, Mcgraw-Hill, 1991.

COEN, B. et alii. Control of training in middle-distance and long-distance running by means of the individual anaerobic threshold. International Journal of Sports Medicine, v.12, n.6, p.519-24, 1991.

CONCONI, F. et alii. Determination of the anaerobic threshold by noninvasive field test in runners. Journal of Applied Physiology: Respiratiory, Enviromental and Exercise Physiology, v.52, n.4, p.869-73, 1982.

CONOVER, W.J. Pratical nonparametric statistics. 2.ed. New York, John Wiley, 1980.

CORDANI, L.K.; RIBEIRO, R.O. Relatório de análise estatística sobre o projeto: validade do teste escalonado em pista para avaliação de "endurance" no atletismo. São Paulo, Instituto de Matemática e Estatítica/USP, 1993. 45p.

DAL MONTE, A. Exercise testing and ergometers. In: DIRIX, A. et alii. The olimpic book of sports medicine. London, Blackwell, 1989. p.121-50.

DAVIS, J.A. Anaerobic threshold: review of the concept and directions for future research. Medicine & Science in Sports and Exercise, v.17, n.1, p.6-18, 1985.

DRAPER, N.R.; SMITH, H. Applied regression analysis. 2.ed. New York, John Wiley, 1981. 709 p.

FLEISHMANN, E. Comparação dos limiares anaeróbio individual e de lactato analisados pelos testes de laboratório e de pista em esportistas de atletismo de fundo e meio-fundo. São Paulo, 1993. 46p. Dissertação (Mestrado) - Escola de Educação Física, Universidade de São Paulo.

FOHRENBACH, R. et alii. Determination of endurance capacity and prediction of exercise intensities for training and competition in marathon runners. International Journal of Sports Medicine, v.8, n.1, p.11-8, 1987.

FOSTER, C. et alii. Fixed time versus fixed distance for the blood lactate profile in athletes. International Journal of Sports Medicine, v.14, n.5, p.264-68, 1993.

GEISEMEYER, U.; RIECKERT, H. Field-step testes for sports discipline-related diagnosis of endurance power. International Journal of Sports Medicine, v.8, n.2, p.132, 1987.

HECK, H.`et alii. Justification of 4 mmol x 1-1 lactate threshold. International Journal of Sports Medicine, v.6, p.117-30, 1985.

HOLLMANN, W. Historical remarks on the development of the aerobic-anaerobic threshold up to 1966. International Journal of Sports Medicine, v.6, n.3, p-103-16, 1985.

JACOBS, I. Blood lactate: implications for training and sports performance. Sports Medicine, v.3, p.10-25, 1986.

JOHNSON, R.A.; WICHERN, D.W. Applied multivariate statistical analysis. 2.ed. Englewood, Prentice Hall, 1988.

KIPKE L. Sport medical diagnostics by applying the lactate - test. In: FINA INTERNATIONAL AQUATIC SPORTS MEDICINE CONGRESS, 9., Rio de Janeiro, 1991. Anais. Rio de Janeiro, FINA, 1991.

KISS, M.A.P.D.M. Perfil metabólico de endurance em laboratório e campo em função de idade e de treinamento. São Paulo, 1989. 15p. /Projeto de Ingresso em Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa, USP, 1989/

KISS, M.A.P.D.M. et alii. Aerobic threshold in laboratory and on track calculated by piecewise regression. Revista Paulista de Medicina, v.111, n.5 , p.30, 1993a

KISS, M.A.P.D.M. et alii Fidedignidade de consumo máximo de oxigênio e dos e dos limiares ventilatórios e de lactato 3,5 mmol x 1-1 . Revista Brasileira de Ciência & Movimento, v.6, n.4, p.2, 1992. /Apresentado ao 18. Simpósio Internacional De Ciências Do Esportes, São Caetano do Sul - Resumo/

KISS, M.A.P.D.M. et alii Lactato em sangue arterializado: erro de medida. In: SIMPÓSIO PAULISTA DE EDUCAÇÃO FÍSICA, 4, São Paulo, 1993. Anais. São Paulo, EEFUSP, 1993b. p 62.

KISS, M.A.P.D.M. et alii Lactato em testes de endurance e de velocidade. Revista Paulista de Educação Física, v.2, n.3, p 39-43, 1988.

MADER, A. Evaluation of endurance performance of marathon runner and theoretical analysis of tests results. Journal of Sports Medicine and Physical Fitness, n.31, p.1-19, 1991.

MADER, A.; HOLLMANN, W. Zur bedenting stoffiwchsellerstingfuhrkeit des eliteruderers in training und wettkaampf. In: HECK, H. et alii. Ausdauertraining atoffiwschselgrundlangen un steurunosansatze. Berlin, DSB, 1977. p.6-62.

MADER, A. et alii. Zur beurteilung de sportartspeziifischen ausdauer leitungsfahihkeit im labor. Sportarzt und Sportmedizin, v.27, p.80-8, 109-12, 1976.

MARQUES, M.M. et alii. Crescimento e desenvolvimento pubertário em crianças e adolescentes brasileiros: altura e peso. São Paulo, Editora Brasileira de Ciências, 1982.

MATHEWS, D.K. Medida e avaliação em educação física. Rio de Janeiro, Ed. Guanabara/Interamericana, 1980.

NETER, J. et alii. Applied linear statistical models: regression, analysis of variance and experimental designs. 2.ed. Homewood, Richard D. Irwin, 1985.

NURMEKIVI, A. Running: adapt the method to the athlete. Soviet Sports Review, v.23, n.3, p.107-11, 1988.

OLIVEIRA, F.R. Variáveis de frequência cardíaca submáxima: associação com a velocidade de referência de [LA] de 4mmol/l e rendimento aeróbio em corrida aeróbia. Jornal Informativo da Federação Internacional de Educação Física (FIEP-Brasil), v.2, n.5, p.8, 1994.

OLIVEIRA, F.R. et alii. Proposta de referências para a prescrição de treinamento aeróbio e anaeróbio para corredores de média e longa duração. Revista Paulista de Educação Física, v.8, n.2, p.68-76, 1994.

OLIVEIRA, F.R. et alii Reference velocity of [LA] 4mmol x 1-1 on track test. Revista Paulista de Medicina, v.3, n.5, p.33, 1993. Supplement.

PADILLA, S. et alii. Capacidade aerobia y anaerobia en corredores de medio fondo: relaciones con la marca de 1500m em pista. Archivos de Medicina del Deporte, v.7, n.30, p.141-6, 1991.

RIBEIRO, J.P. et alii. Heart rate break point may coincide with the anaerobic threshold and not the aerobic threshold. International Journal of Sports Medicine, v.6, p.220-4, 1985.

RODRIGUEZ, F.A. Valoración funcional del marchador atlético: pruebas de laboratório y de campo. Archivos de Medicina del Deporte, v.9, n.33, p.47-57, 1992.

RUBIO, S. et alii. Comparación de parámetros ergoespirométricos en pruebas de laboratório y campo. Archivos de Medicina del Deporte, v.9, n.33, p.43-46, 1992.

SAFRIT, M.J.;WOOD, T.M. Measurement concepts in physical education and exercise science. Champaign, Human Kinetics, 1989.

SIMÕES, H.G. et alii. A influência do limiar anaeróbico na prova de 3.000m e na produção de lactato de 300m. In: SIMPÓSIO PAULISTA DE EDUCAÇÃO FÍSICA, 4., Rio Claro, 1993. Anais. Rio Claro, 1993. p.76.

SJODIN, B.; SVEDENHAG, J. Applied Physiology of marathon running. Sports Medicine, v.2, n.1, p.83-99, 1985.

STEGMANN, H.; KINDERMANN, W. Comparation of prolonged exercise tests at the individual anaerobic threshold and fixed anaerobic threshold of 4mmol/l lactate. International Journal of Sports Medicine, v.3, n.2, p.105-10, 1982.

SZOGY, A. Sports-medical training counselling usung aerobic and anaerobic field tests. International Journal of Sports Medicine, v.9, n.2, p.133, 1987.

TEGTBUR, U. et alii. Estimation of and individual equilibrium between lactate production and catabolism during exercise. International Journal of Sports Medicine, v.25, n.5, p.620-7, 1993.

TIBERI, M. et alii. Comparative examination between Conconi and lactate threshold on the treadmill by middle distance runners. International Journal of Sports Medicine, v.9, p.388,1988.

URHAUSEN, A. et alii. Individual anaerobic threshold and maximal lactate steady-state. International Journal of Sports Medicine, v.14, n.3, p.134-9, 1993.

USAJ, A.; STARC, V. Two concepts os anaerobic threshold and running performance. In: HERMANS, G.P.H., ed. Sports, medicine and health. Amsterdam, Elsevier Science Publ., 1990. p.753-8.

VAN DAM, B. Lactate diagnostic with the Mini 8. Germany, Dr. Lange, 1992.

WALSH, M.L.; BANISTER E. W. Possible mechanisms of the anaerobic threshold: a review. Sports Medicine, v.5, p.269-302, 1988.

WASSERMAN, K.; McILROY, M.B. Detecting the anaerobic metabolism in cardiac patients during exercise. American Journal of Cardiology, v.14. p.844-52, 1964.

WELTMAN, K. et alii Prediction of lactate threshold and fixed blood lactate concentrations from 3200m running performance in male runners. International Journal of Sports Medicine, v.8, n.6, p.401-6,1987.

ZALESSKY, M. Control bioquímico del entrenamiento de la resistencia. Stadium, v.19, n.110, p.23-7, 1985.

Recebido para publicação: 27 abr. 1995
Revisado em: 02 maio 1995
Aceito em: 07 jun. 1995

 

Trabalho realizado no Laboratório de Pesquisas Aplicadas ao Esporte (LAPAE) do Departamento de Esporte, com a colaboração do Laboratório de Bioquímica do Departamento de Biodinâmica ambos da Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo.

  ENDEREÇO: Maria Augusta Peduti Dal Molin Kiss

Av. Prof. Mello Moraes, 65

05508-900 - São Paulo - SP - BRASIL

 

 

Acessar