Uma vez escoteiro, sempre escoteiro. É difícil dizer ou escrever “fui escoteiro”. Tenho conversado sobre a importância de ter freqüentado um grupo escoteiro com a Marô e o Litto . A Marô aprendeu sobre a natureza. Está morando há 27 anos nos Estados Unidos e veio passar o fim de ano com a família e cuidar de macacos doentes numa ONG do interior de São Paulo. O Litto gosta de ter aprendido pertencimento e cooperação. Lembra sempre de como era bom marchar na curva, com o alinhamento certinho feito por todos.
Pra mim foi mais.
Eu dividia, naquele trecho da Rua Alegre, em São Caetano, uma respeitada importância com meu amigo Luís. Nós dois tínhamos encarado 4 pontos. Ele na orelha, numa das nossas incursões pela serraria da rua de cima, e eu por imprudência nos balanços do Clube da GM, onde entramos juntos como lobinhos aos 6 anos. Fomos recebidos e guiados muitos anos pelo Chefe Gonçalves. Ele também era técnico de futebol do mirim da GM, que era formado pelos lobinhos. Comecei na linha e o Luís no gol. Logo trocamos de posição. O Chefe Gonçalves costumava colocar apelidos quando tinha gente de nome repetido no grupo ou no time. O Luís duplicado ficou Luís Chevrolet. Mais tarde implicariam que o nome parecia propaganda, e ele fez uma vitoriosa carreira como Luís Pereira. Eu, menos hábil, fui jogando nos times amadores e depois virei professor de Educação Física, um pouco como naquela família em que o sujeito, sem os atributos físicos para contentar os pais que queriam vê-lo como levantador de pesos, acabou sendo operador de guindaste.
Fiz uma boa carreira no Grupo Escoteiro João Ramalho. Fui líder da matilha verde e lobinho-mor da Alcatéia Bartira. Depois fui chefe da patrulha lobo, já como escoteiro. Lembro do acompanhamento atento do Chefe Gonçalves, que certamente não conhecia o Lauro de Oliveira Lima, mas já tinha o mote: “Professor não ensina, ajuda o estudante a aprender”. Lembro de nunca ter me vangloriado ou ostentado os cargos. Mais tarde aprenderia com a minha amiga Beta, antropóloga, companheira de fundação da associação dos professores da UFMA (APRUMA), que entre os Guajajaras o chefe não era quem mandava; era quem fazia primeiro. Deixei o João Ramalho aos 13 anos, saindo pra assinar carteira de trabalho na GM como aprendiz de ajustador mecânico, orientado e incentivado pelo Chefe Gonçalves que, tenho certeza, interferiu preu não enroscar na matemática encardida das provas de seleção.
Não nos encontramos mais desde então. Soube que ele foi padrinho de casamento do Luís, e tinha ficado chateado de não ir no meu (ele não conseguiria, foram muitos casamentos). Mas, professor é pra sempre. Eu disse que não ostentava as chefias, mas não posso dizer a mesma coisa do distintivo de teatro, que o Chefe Gonçalves me deu mesmo contra as regras. Era de cor caqui, de escoteiro, sobre o uniforme azul de lobinho.
A honraria foi por causa da uma apresentação num fogo de conselho de aniversario do João Ramalho, com muita gente de outros grupos. Apresentamos a peça O Lobo e o Cachorro. Como faria com algumas peças (inesquecível Arena Conta Zumbi) e filmes mais tarde, eu tinha toda a peça decorada. Fiz a minha parte do lobo, e ponto pro Wilson, que fez o cachorro. O dialogo final era assim:
- Deve mesmo ser delicioso viver de barriga cheia não é cachorro? Mas o que é que você tem aí no seu pescoço? Tá meio ralado..
- Isso não é nada, lobo. Isso é da coleira…
- Amarrado numa corrente? Preso? Não, meu amigo, não. A minha liberdade vale muito mais do que a comida dos seus patrões! Adeus, compadre cachorro. Adeus.
Além de gostar de natureza, ainda saber fazer alguns nós úteis e ter aprendido cedo o valor de saber fazer comida, até hoje ainda imagino os dois nós que tenho que desamarrar do lenço com as minhas duas boas ações do dia. Às vezes desato os nós procurando informações boas, respondendo mensagens ou digitando textos para o CEV. Uma vez escoteiro, sempre escoteiro. Obrigado, Chefe Gonçalves.
Fonte: Blog do Laércio
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