Cevnautas, os interessados podem conversar e pedir a dissertação pro Marcel. Laércio

Racismo impede que negro tenha cargo diretivo no futebol
Por Glenda Almeida - glenda.almeida@usp.br
Publicado em 8/abril/2011 | Editoria : Sociedade |
A discriminação está presente "além dos gramados" no país que vai sediar a Copa

No imaginário brasileiro, existe a ideia de que no meio futebolístico as relações raciais são leves e brandas, como se não houvesse discriminação por cor, e como se nos campos o negro tivesse um espaço ‘garantido’, ‘respeitado’. No entanto, uma série de histórias de vida e experiências contadas por jogadores, dirigentes, treinadores, árbitros, torcedores, jornalistas e intelectuais, seguidas das análises feitas pelo pesquisador Marcel Diego Tonini, revelam o caráter ainda racista dos bastidores do futebol, principalmente quando o que está em jogo é o comando de clubes e federações, ou seja, os cargos de chefia e liderança “além dos gramados”.

Percebendo que as pesquisas já realizadas a respeito do tema ‘negro no futebol brasileiro’ abordavam exclusivamente os jogadores, Tonini decidiu analisar outros profissionais desse universo. Assim, apresentou em seu trabalho um novo olhar sobre o tema, utilizando como ferramenta de estudo o registro das histórias orais da vida de pessoas que trabalham no campo e nos bastidores.

Os relatos demonstram como o racismo ainda é assunto ‘tabu’ no Brasil, evidenciando o histórico brasileiro de não discussão do tema, inclusive no meio futebolístico. “O ‘interior’ do futebol funciona na mesma direção da própria sociedade: uma ‘área rígida’ para as relações raciais, na qual ser negro ainda é empecilho para ascensão profissional”, salienta o pesquisador. “Nas 20 entrevistas, negros e brancos mediam palavras, como se o próprio ato de conversar sobre o tema significasse que eram racistas”, completa.

Segundo Tonini, o estudo das histórias narradas pelos próprios negros que vivenciaram situações de discriminação, com experiências dentro do jogo e relacionamentos nos bastidores, representa um caminho eficaz para o desenvolvimento da investigação sobre as relações raciais no Brasil.

As histórias de vida
Para realizar a pesquisa  Além dos gramados: história oral de vida de negros no futebol brasileiro (1970-2010), Tonini entrevistou, entre outros, o ex-jogador Junior, do Flamengo; Jairo, que foi goleiro do Corinthians, e João Paulo Araújo, árbitro que atuou nas décadas de 1980 e 1990. Além deles, outras personalidades conversaram com Tonini, como Paulo César de Oliveira, árbitro, e os dirigentes do Juventude, do Grêmio e do Cruzeiro – times marcados por histórias polêmicas relacionadas à discriminação.

De acordo com o autor, a ideia do negro como jogador, e não como dirigente, ou técnico, já é algo comum e estabelecido no imaginário da sociedade. Essa concepção se confirmou por meio das entrevistas, que revelavam experiências de infância e dos dias atuais. Os relatos possibilitaram ao pesquisador entender como pensam os próprios sujeitos dos campos e bastidores quando o que está em pauta é o racismo no futebol.

“O intuito era acrescentar para a literatura dados qualitativos relevantes, referentes ao período de tempo compreendido entre os anos de 1970 e 2010; um recorte recente da nossa trajetória futebolística”, acrescenta.

Dirigentes brancos
Tonini pôde conlcuir que, mesmo no mundo do futebol, se mantém a mentalidade de que o negro não serve para pensar. Sendo incapaz de comandar, deve apenas obedecer. “Trata-se de uma herança do ideário escravocrata. Nesse contexto, podemos questionar, por exemplo, por que a maioria dos dirigentes é branca”, indaga o pesquisador.

“Geralmente, esses líderes vêm de famílias abastadas, já tendo sido sócios do clube. O fato de o branco ter mais oportunidades que o negro é uma questão relacionada à construção da história brasileira, marcada pela escravidão. A partir do momento que decidem que no futebol os dirigentes de clubes não são remunerados, consolida-se uma das várias maneiras de não deixar que o negro seja inserido nesses cargos de chefia. Até porque, nem aqueles jogadores negros que tiveram uma projeção conseguiram galgar a hierarquia do universo futebolístico”, explica Tonini.

Obstáculos da cor
Não conseguir apitar uma final de campeonato, por exemplo, foi um dos obstáculos enfrentados pelo entrevistado João Paulo Araújo. O ex-árbitro afirma não ter vivido essa experiência por causa da cor de sua pele. Andrade, ex-técnico do Flamengo, vencedor do Campeonato Brasileiro de 2009, não foi mais contratado por nenhum outro grande clube depois de ser demitido em 2010. Ele também é negro.

O relato de Junior, ex-jogador do Flamengo nas décadas de 1970, 1980 e 1990, que veio a ser treinador, abordou o caso da faixa estendida por torcedores em uma partida na Itália, onde estava escrito “Junior, negro sujo”. Tonini conta que o atleta veio de família rica do nordeste – uma exceção no contexto do futebol -, e que, provavelmente por conta disso, não se veja como negro, afirmando ainda não ter sofrido discriminação no Brasil.

“Mas outros três relatos me chamaram atenção: os dos próprios dirigentes”, conta o pesquisador. “Quando perguntei sobre o caso de racismo que aconteceu em uma partida entre Grêmio e Cruzeiro, que inclusive teve repercussão na grande mídia, os dirigentes de ambos os clubes tentaram, de certa forma, minimizá-los, como se fossem meras casualidades, e não discriminação racial. Talvez, se dependesse deles, casos como esse não receberiam atenção”, aponta Tonini.

O mestrado foi defendido na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da
USP, no dia 17 de fevereiro de 2011.

Comentários

Por Eduardo Jaime Machava
em 14 de Abril de 2011 às 12:18.

LAERCIO!

Como pode observar, aqui estou junto á comunidade dos que sabem. Não é o meu caso. Mas quero saber. Terão a santa paciência de me ensinar muito embora seja já um adultinho.

Acabo de ler, com alguma tristeza à mistura, o artigo referente ao facto de os negros não poderem desempenhar funções de dirigismo no Desporto Brasileiro.É lamentável nos dias de hoje que certas pessoas mantenham esta forma de ver as coisas (acto que pertence ao século XIX. São coisas que o tempo se encarregará de responder. Pela via que os fenómenos ocorrem, deixa transparecer que os cidadãos de raça branca se apresentam em situação de privilégio quando comparados com os negros. Tenho consciência de que esta forma de pensar, pertence a alguns sujeitos que, a coberto de não sei o quê, se consideram superiores aos outros, facto que em tempo foi defendido por HITLER ao considerar a sua raça a mais pura. Transferência de mentalidade da Alemanha para o Brasil? Creio que não.

Se a escravatura que caracterizou a vida dos brasileiros, na devida ÉPOCA, por que considerar os mesmos ideais para a presente fase?

Acredito que os Verdadeiros brasileiros sabem que a nação é de todos e todos devem contribuir para o seu engradecimento. Penso ter dado o meu pobre parecer com relação à temática apresentada.

Um abração de solidadariedade para com os Brasileiros negros e brancos vítimas.

Eduardo

Universidade Pedagógica

Faculdade de Educação Física e Desporto

Moçambique.

Por Marcel Diego Tonini
em 15 de Abril de 2011 às 12:06.

Prezado Eduardo e demais amigos do CEV,

Não sei se entendi errado a sua mensagem, mas, de qualquer maneira, gostaria de reafirmar, se é que a matéria da Agência USP não tenha deixado claro, que a minha pesquisa de mestrado ("Além dos gramados: história oral de vida de negros no futebol brasileiro - 1970-2010) vem denunciar o racismo no futebol brasileiro atual. Através dos relatos dos próprios negros que entrevistei, pude tornar públicas as situações de discriminação racial enfrentadas por eles, seja na sociedade como um todo, seja no futebol em particular. Mais do que trazer para o conhecimento geral casos que não foram registrados por outras fontes, penso que a grande contribuição da pesquisa foi elaborar documentos orais em que os próprios negros (e alguns brancos) puderam se expressar com todos os seus sentimentos, pensamentos e experiências quanto à questão do negro no futebol atual. Ou seja, incluir o discurso de pessoas que historicamente foram alijadas dos documentos historiográficos. Afinal, a grande maioria dos estudos na área sempre tratou a questão sem considerar e dar vazão para tais vozes.

Espero que as matérias sobre a minha dissertação repercutem na internet para que possamos continuar lutando contra o racismo no Brasil.

Para aqueles que tiverem interesse, segue o link de outra matéria que saiu na Agência FAPESP de hoje (15/04/2011): http://www.agencia.fapesp.br/materia/13740/racismo-no-futebol.htm.

Agradeço a atenção e estou à disposição.

Abraços,

Marcel

Por Karl Pinheyro
em 4 de Dezembro de 2013 às 21:10.

Olá Marcel e Laerte,

 

primeiramente parabenizar pelo estudo, sou gestor esportivo e militante do movimento negro, e estou ampliando a questão do racismo para todos os esportes, iniciando um estudo mais aprofundado sobre a matéria, e gostaria de receber a dissertação, envio cópia para Glenda. Estou aqui para falarmos mais sobre, tenho um grupo no facebook, e gostaria que participassem: https://www.facebook.com/groups/1402708529962800/

 

Abraço!

 

Email: karlpinheyro@gmail.com


Para comentar, é necessário ser cadastrado no CEV fazer parte dessa comunidade.