http://colunas.imirante.com/platb/leopoldovaz/2011/02/13/a-corrida-entre-os-indios-canelas/

A CORRIDA ENTRE OS ÍNDIOS CANELAS

Ao postar informe sobre a reunião que aconteceu neste final de semana em Manaus, acrescentei uma nota de que havia refeito estudo sobre a Corrida entre os Indios Canelas, do Maranhão. A pedido do Trajano – falamo-nos em  dezembro, pouco antes do Natal -, para um encontro sobre história do esporte que aconteceria em breve – e do qual seria convidado!

O tal encontro aconteceu… aproveito para divulgar, aqui, o texticulo que mandei ao Trajano, a pedido do Gesta… que façam bom proveito, apenas gostaria que respeitasse a autoria e que não me venha aparecer, em breve, como o estudo do tal do pesquisador estrangeiro contratado pela CBAt:

A propósito: será objeto de Palestra no Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão – IHGM – na próxima quarta-feira, dia 23 de fevereiro. (Rua de Santa Rita, 263 – Centro – ao lado da Americana…) 

A CORRIDA ENTRE OS ÍNDIOS CANELAS [1]

 LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ

do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão – Cadeira 40

Professor de Educação Física

 RESUMO

Descreve-se a “corrida de toras”, praticada pelos índios Canelas, classificada como pertencente ao grupo das provas de revezamento, procurando se estabelecer ser esta a primeira atividade “esportiva” praticada no Maranhão. Os Canelas, ao codificarem as corridas realizadas em suas aldeias – regras dos bisavós -, estão repetindo o que fizeram outras culturas. Se for aceita a codificação das regras de corridas pelos Gregos em seu período clássico como precursora das regras atuais do Atletismo, também deve ser aceita a corrida entre os Canelas como a primeira manifestação desse esporte em terras maranhenses (brasileiras).

Introdução

           Em diferentes culturas e diferentes épocas houve alguma forma de manifestação do movimento representado pela corrida e esta sempre teve primeiro, um caráter de sobrevivência. Ritualizada, passa a fazer parte da cultura, onde representam os valores e as normas sociais o mesmo ocorrendo quando levada para a esfera do lazer (lúdico).

           Catharino (1995) ao fazer uma análise do “Trabalho índio em terras de Vera ou Santa Cruz e do Brasil” refere-se, dentre esses trabalhos a dois que nos interessam particularmente: “O trabalho desportivo” e “O trabalho locomotor”.  Ao analisar o trabalho desportivo considera que nesse mundo, antes da chegada dos brancos, a sobrevivência exigia qualidades atléticas, exercícios constantes, com descanso e repouso intercalados, de duração sumamente variáveis. Por isso, os índios se tornavam atletas naturais, para sobreviver, pois tinham que, em terra, andar, correr, pular, trepar, arremessar, carregar, e, na água, nadar, mergulhar e remar. Realizar trabalho-meio, autolocomotor, com suas próprias forças, apenas e/ou, também, com auxílio de instrumentos primitivos, para obtenção de produtos necessários:

Entre prática guerreira e desportiva há um nexo de causalidade circulativo, proporcionalmente inverso. Mais prática desportiva, menos guerra. Mais guerra, menos aquela. Causas produzindo efeito repercutindo sobre a causa. Nexo fechado, de recíproca causalidade e efeito. O trabalho-meio, autolocomotor, servia de aprendizado e adestramento – atlético que era – ao competitivo”.

           Entre a infância e a puberdade, e a adolescência e a virilidade ou maioridade, entre os 8 e 15 anos, a que chamamos mocidade, os kunnumay, nem miry nem uaçu, tomavam parte no trabalho dos seus pais imitando o que vêem fazer. Não se lhes manda fazer isto, porém eles o fazem por instinto próprio, como dever de sua idade, e já feito também por seus antepassados:

“Trabalho e exercício, esses mais agradáveis do que penosos, proporcionais à sua idade, os quais os isentavam de muitos vícios, ao qual a natureza corrompida costuma a prestar atenção, e a ter predileção por eles. Eis a razão porque se facilita à mocidade diversos exercícios liberais e mecânicos, para distraí-la da má inclinação de cada um, reforçada pelo ócio, mormente naquela idade”.

Após essas explicações, o Autor informa que essa seção – o trabalho desportivo – é dedicada ao trabalho competitivo entre índios, embora caçando e pescando, competissem amiúde com outros animais, considerados irracionais, o que faziam desde a infância. Sem falar nos jogos educativos:

“… jogos e brinquedos (Métraux) dedicou um só parágrafo, quase todos graças a d’Evreux, acerca dos feitos pelos Tupinambás. “Tratava-se de ‘arcos e flexas proporcionais às suas forças’. O jogo, educativo para a caça, pesca e guerra, era possível porque reunidos plantavam, e juntavam cabaças, que serviam de alvo, ‘adextrando assim bem cedo seus braços’. Assim, brincavam os meninos de 7 a 8 anos. Kunumys-mirys. As meninas, na mesma faixa etária, Kugnantins-myris, além de ajudarem suas mães, faziam ‘uma espécie de redesinhas como costuma por brinquedo, e amassando o barro com que imitam as mais hábeis no fabrico de potes e panelas’.  

Ao descrever as atividades da educação física no Brasil colonial, MARINHO (s.d.) afirma serem a “pesca, a natação, a canoagem e a corrida a pé processos indispensáveis para assegurar a sobrevivência de nossos índios”.     

O Atletismo aparece em Maranhão anterior ao período colonial, através da Corrida de Toras – pertencente ao grupo de provas de revezamentos – dos Índios Kanelas Finas – pertencentes à etnia Jê, presentes por estas terras há pelo menos cinco mil anos. O “esporte nacional dos Tapuya”, que praticavam uma corrida a pé encetada carregando peso, é registrado por dois historiadores franceses – Claude d´Abeville – História da Missão dos padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e terras circunvizinhas, de 1614; e Ives d´Evreux – Viagem ao Norte do Brasil feitas nos anos de 1613 a 1614, publicada em 1864.

http://www.funai.gov.br/indios/jogos/novas_modalidades.htm#005

No Brasil holandês, se distinguiam a população indígena entre os ‘brasilianos’ ou ‘brasilienses’ e os ‘tapuias’. As relações entre os holandeses e os tapuias são tratadas abundantemente nas fontes neerlandesas, como é o caso das narrativas de Gerrit Gerbranstsz Hulck, publicada em 1635: “Breve descrição dos tapuias no Brasil; e a narrativa de viagem de Rouloux Baro em seu contato com Janduí, o chefe tapuia do Rio Grande do Norte, aliado dos holandeses:

“[...] Ao nascer do sol, o ancião ordenou às mulheres que fizessem farinha e aos homens que fossem à caça de ratos e voltassem logo após o meio-dia, a fim de correr a árvore. Obedeceram e entrementes dois tapuias trouxeram sobre suas espáduas dois troncos de árvores, de mais de vinte pés de comprimento. Tiraram-lhes a casca na chama do fogo e poliram a madeira toda em volta, sem deixar nenhum nó. E quando todo o povo regressou cada qual pintou o corpo em diversas cores. Isto feito, aqueles que tinham apanhado ratos soltaram-nos na planície, depois parte deles carregou prontamente aqueles troncos, correndo com uma velocidade inigualável atrás dos ratos. Quando um deles parecia cansado, outro o substituía sem retardar a corrida, que durou mais de uma hora. Depois de terminada, cada um que voltava contava como e de que modo perseguira, ferira e matara os ratos. O ancião Janduí correra com eles e Ra coisa maravilhosa ver um homem de mais de cem anos (segundo a opinião dos seus, de mais de 160) correr com tanta destreza.” (in “Relação da viagem de Rouloux Baro”, anexa a Pierre Moreau, História das últimas lutas no Brasil entre holandeses e portugueses, Belo Horizonte, 1979, p.99, citado por MELLO, 2010, p. 269; grifos nosso). 

           A “Corrida das Toras” é absorvida pela Igreja Católica, e incorporada aos ritos religiosos dos padres jesuítas que chegaram ao final do século XVI. A exemplo da tradicional festa da Puxada do Mastro, em Olivança, e os mastros levantados em inúmeras festas religiosas, de hoje em dia.

(http://www.ciadanoticia.com.br/v1/tag/derrubada-de-toras/)

Origem dos índios Canelas:

A ocupação do território maranhense se deu através de três correntes migratórias – Lácidas, Nordéstidas e Brasílidas, nessa ordem. Embora os traços mais antigos da presença do homem no continente americano datem de 19 mil anos, as teorias mais recentes o dão como procedentes da Ásia a 20 ou 30 mil anos (CORREIA LIMA & AROSO, 1989). Esses autores, ao adotarem a sistemática de Canals (1950) – Pompeu Sobrinho (1955), afirmam que caçadores australóides do nordeste asiático – Sibéria, de acordo com Aquino, Lemos & Lopes (1990, p.19) – ingressaram no Alasca há pelo menos 36 mil anos e durante os 20.000 anos seguintes consolidaram sua cultura e se expandiram pelo território, tendo seus descendentes atingido Lagoa Santa há 7.000 (mais ou menos) 120 anos.

Sander-Marino (1970, citados por Correia Lima & Aroso, 1989, p. 19) registram entre 40 e 21 mil anos a presença dos superfilos MACRO-CARIB-JÊ, uma das correntes pré-históricas povoadoras das Américas. Para Feitosa (1983, p. 70) há um consenso quando da “determinação temporal” da chegada dos australóides no Novo Mundo, com as estimativas variando de 20.000 a.C. (RIVET); 28.000 a.C. (CANALS); 40.000 a.C.

De acordo com pesquisas mais recentes, realizadas em São Raimundo Nonato – Piauí, foram encontrados fosseis com datação de 4l.500 anos (FRANÇA & GARCIA, 1989).

Os Lácidas, descendentes dos australóides, atingem o Maranhão. Das famílias lingoculturais suas descendentes, destaca-se a JÊ, grupo mais populoso; de maior expansão territorial; e de melhor caracterização étnica. Os Jês caracterizam-se pela ausência da cerâmica e tecelagem, aldeias circulares, organização clânica e grande resistência à mudança cultural, mesmo depois de contato, como se observa entre os Canelas, ou RANKAKOMEKRAS como se denominam os índios da aldeia do Escalvado (DICKERT & MEHRINGER, 1989ª, 1994).

Paula Ribeiro (1841, apud CORREIA LIMA & AROSO, 1989; PAULA RIBEIRO, 2002; FRANKLIN, CARVALHO, 2005) descreve uma das principais “manifestações do lúdico e do movimento” – para usar uma expressão de Dieckert & Mehringer (1989b, 1994) -, na cultura Jê, referindo-se à música e à dança:

… enquanto as muitas mulheres guizam as comidas, dançam eles e cantam ao som de buzinas, maracás e outros instrumentos… esta dança e música noturna, melhor repetida depois da ceia, dura quase sempre até as cinco da manhã…” (p. 39).

Os Jê são conhecidos no Maranhão com a denominação deTIMBIRAS“, e dividem-se em dois ramos principais, segundo seu habitat – Timbiras do Mato e Timbiras do Campo -, estes apelidados de canelas finas “pela delicadeza de suas pernas e pela velocidade espantosa que desenvolvem na carreira pelos descampados”, conforme afirma Teodoro Sampaio (1912, apud CORREIA LIMA & AROSO, 1989, p. 41), confirmando Spix e Martius (1817, citados por CORREIA LIMA & AROSO, 1989, p.59) quando afirmam, sobre os Canelas, “… gaba-se a sua rapidez na corrida, na qual igualariam a um cavalo.”.

           Os Timbira são um povo física, lingüística e culturalmente caracterizado como da família Jê, que disperso, habitava o interior do Maranhão e partes limítrofes dos Estados do Pará, Goiás e Piauí. Esse povo existe ainda parcialmente, compondo-se hoje das seguintes tribos (NIMUENDAJÚ, 2001):

           Timbira orientais:

Timbira de Araparytiua

Kukóekamekra e Kr˜eyé de Bacabal

Kr˜eyé de Cajuapára

Kre/púmkateye

Pukópye e Kr˜ikateye

Gaviões

Apányekra (Canellas de Porquinhos)

Ramkókamekra (Canellas do Ponto)

Krahó

           Timbira ocidentais:

Apinayé

           Seus parentes mais próximos são os Kayapó do norte, os Suyá e os hoje extintos Kayapó do sul.

Ao descrever as atividades da educação física no Brasil colonial, Marinho (s.d.) afirma serem a “pesca, a natação, a canoagem e a corrida a pé processos indispensáveis para assegurar a sobrevivência de nossos índios”.

Acreditam Dieckert & Mehringer (1989a, 1989b, 1994) ser “através da criação e da valorização cultural da corrida de toras… a base para a sua [dos Canelas] sobrevivência física  e cultural” .

A corrida de toras

            

http://torceporvoce.blogspot.com/2009/04/corrida-com-tora.html

          

Na etnologia sul-americana, as corridas de toras são geralmente apontadas como traço característico dos Jê ou, no máximo – levando-se em conta testemunhos acerca de povos extintos ou que as teriam realizado no passado -, estendidas ao tronco lingüístico Macro-Jê (Melatti, 1976). Nos tempos correntes, praticam-nas os jês centrais Xavante e Xerente, os Panará e os grupos timbiras.(VIANNA, 2001). Vianna (citando MARTÍNEZ-CROVETTO, 1968b), informa sobre práticas similares entre sub-grupos guaranis na Argentina e Paraguai.

           Por outro lado, os eventos contemporâneos Jogos Indígenas têm propiciado que outros povos que vivem no Brasil passem a praticar as corridas de tora (BRITO VIANNA, 2001). Como curiosidades longínquas, é ainda interessante observar os registros sobre corridas em que se levam sobre os ombros pedras, no Assam (Índia), e mesmo outros homens, no Havaí (Damm, 1970 [1960], citado por VIANNA, 2001).

           Os povos indígenas que praticam essa atividade, hoje, são os: Krahô, Xerente, e Apinajé do Tocantins, que habitam a região central do Estado de Mato Grosso em várias terras indígenas e os Gavião Parakategê e Kyikatêjê do Pará, Terra Indígena Mãe Maria. Os Kayapó do Pará e do Mato Grosso realizavam semelhante esporte que consistia em carregar e não correr com as toras. Os Fulni-ô de Pernambuco teriam praticado esse esporte no passado, de acordo com estudo do antropólogo Curt Nimuendajú. Os Kanela e os Krikati são do estado do Maranhão (FUNAI).

           Entre os Krahô, Xerente, e Apinajé, a Corrida de Tora difere em diversos aspectos, obedecendo a seus ritos tradicionais de significados social, religioso e esportivo.
           Para o povo Khraô, habitante de extensa faixa contínua de Cerrado no estado de Tocantins, ela está associada a algum rito e, conforme esses ritos variam os grupos de corredores, assim como o percurso e o tamanho das toras.

 

NIMUENDAJÚ, Curt. A corrida de toras dos timbira. Mana v.7 n.2  Rio de Janeiro oct. 2001

           Essas atividades são realizadas sempre com duas toras praticamente iguais. Os participantes se dividem em dois grupos de corredores “rivais”, cabendo apenas a um atleta de cada grupo carregar a tora, revezando-se em um mesmo percurso. As corridas se realizam no sentido de fora para dentro da aldeia, nunca de dentro para fora, ou mesmo dentro dela, quando estabelecem os pontos de largada e chegada no pátio de uma casa chamada woto, uma espécie de oca preparada para todas as atividades culturais, sociais e política. É sempre realizada ao amanhecer e ao entardecer. As corridas vindas de fora acontecem geralmente no final das tardes, quando os Krahô retornam de alguma atividade coletiva (caça ou roça). A corrida de tora é praticada nos rituais, festas e brincadeiras. Nesses casos, as toras podem representar símbolos mágicos-religiosos, como durante o ritual do Porkahok, que simboliza o fim do luto pela morte de algum membro da comunidade. Pela manhã, a corrida ganha um sentido de ginásticas para a preparação do corpo. Corre-se apenas com as toras já usadas ao redor das casas, no sentido contrário do relógio. (FUNAI).

           Os Xavante, do Mato Grosso, também realizam a Corrida de Tora, o Uiwed, entre duas equipes de 15 a 20 pessoas. Pintam os corpos e correm mais de cinco quilômetros, revezando-se até chegar ao Wa’rãm’ba, o centro da aldeia, e iniciam a Dança do Uwede’hõre. Na festa do U’pdöwarõ, a festa da comida, também existe a corrida com tora, mas nesse evento a tora usada é maior e mais pesada (média de 100 a

110 Km).

           Os Gavião Kyikatêjê/Parakateyê, do Pará, também grandes corredores de tora, obedecem aos mesmos rituais de outros povos, mas há uma peculiaridade que é o Jãmparti (pronuncia-se Iãmparti). Trata-se de uma corrida com uma tora com mais de 100 Kg, mais comprida e carregada por dois atletas. Realizada sempre no período final das corridas de toras comuns, ou seja, aquela que é carregada por um atleta, com o sentido de harmonia e força. Em todas essas manifestações há a participação das mulheres. Não há um prêmio para o vencedor, pois somente a força física e a resistência são demonstradas. (FUNAI).

Autor(a) Roberto Castro http://br.olhares.com/corrida_de_tora_foto261655.html

http://www.brasiloeste.com.br/noticia/1135/grito-do-cerrado-2004

Jung & Bruns (1984) ao analisarem os aspectos rituais das corridas de longa duração em diferentes culturas e épocas afirmam ser “outra forma de corrida religiosa… a chamada corrida do tronco dos índios Jês no Brasil meridional… A corrida podia ser um rito ou também ter caráter profano. Os participantes podiam ser homens, mulheres ou inclusive crianças”. Para esses pesquisadores, baseados em Stahle (1969), a época das corridas corresponderia ao início das chuvas. Dieckert & Mehringer (1989a, 1989b, 1994) afirmam que as corridas de toras são realizadas durante os cinco diferentes ciclos festivos “que ocorrem na época das secas, de março a setembro”.

 http://webradiobrasilindigena.wordpress.com/2007/12/02/corrida-de-tora/

Não descartam o contexto ritualista da corrida, que marcam os “ritos de iniciação, o regresso à aldeia após uma caçada ou também como prova de matrimônio”, não havendo surpresa em que essas corridas fossem executadas às vezes diariamente. Segundo os regulamentos, duas equipes, – representação dual da sociedade Canela onde as duas metades da aldeia, a ocidental e a oriental se “opõe” (DICKERT & MEHRINGER, 1989a, 1994) – teriam que carregar os troncos de madeira (palmeira buriti) – (DICKERT & MEHRINGER, 1989b, 1994) – em uma corrida por um caminho previamente traçado, até uma meta estabelecida, quase sempre fixada na praça da aldeia.

Bruns & Jung (1984) trazem como distância de corrida 12 quilômetros e o peso do tronco até 100 quilos. Dieckert & Mehringer (1989a, 1989b, 1994) dividem as corridas em longas (20 a 40 km), médias (4/5 km) e “corridas na aldeia” (850 metros). As corridas longas, de acordo com depoimento dos índios, ocorriam antigamente com mais freqüência. Os pesquisadores presenciaram uma corrida longa, de 25 km, no período em que permaneceram entre os Canelas e aproximadamente 20 corridas médias, saindo do cerrado para a aldeia, numa distância de 4/5 km, distância também corrida pelas mulheres. As toras de palmeira buriti pesavam entre 20 e 110 quilos.

As “corridas de aldeia” eram realizadas com mais freqüência, sempre por volta das 6 horas da manhã e/ou à tarde, pelas 4 horas, no caminho circular de 850 metros. Cada equipe carrega um tronco que é trocado com freqüência, já que é muito pesado para ser levado por um só corredor durante o longo trajeto percorrido. O tronco é passado do ombro de um corredor para o de outro, repetindo-se a cada 50 a 100 metros:

O objetivo da competição é transportar a tora, fazendo trocas entre os corredores – carregadores – o mais rápido possível, entre a partida e a chegada, onde ela deve ser jogada primeiro. Isso só pode ser feito quando cada membro do grupo dispor tanto de uma boa condição para a corrida como também de uma boa força para o transporte. Além disso deve acontecer uma constante combinação entre os corredores (atitude tática), sobre quando deveria ser feita a troca da tora. Além disso não pode haver perda de  tempo na troca da tora de um ombro para outro. Deve-se por esgotamento do carregador ou durante a troca. Assim sendo, sempre se combinam as coisas no grupo antes da corrida …”. (DIECKERT & MEHRINGER, 1989a, p.13).

           Verifica-se, pelas regras principais, que se trata de uma corrida de revezamento aonde toda a equipe vai correndo atrás de quem leva o tronco, e têm um caráter competitivo entre os dois grupos adversários, onde o objetivo sério é: vencer (DICKERT & MERINGER, 1989a, 1989b, 1994). No entanto não há nem elogios para o ganhador, nem críticas para o perdedor (JUNG & BRUNS, 1984), pois conforme informou um dos corredores a DIECKERT E MEHRINGER (1989a, 1994) “(…) ele sempre procura não correr muito mais rápido do que o adversário. Isso poderia causar inveja e, também, haveria o perigo de um ‘feiticeiro’ (bruxo – curandeiro mau) castigá-lo…” (p. 14).

Para Jung & Bruns (1984) o significado do tronco já não é mais conhecido pelos indígenas,

“… se supõe uma relação com o culto dos mortos, onde o tronco de madeira simbolizaria os mortos. Através de se carregar consigo os mortos, nessas festas, deveria produzir-se uma união das almas dos mortos com as dos jovens, para que a força dos maiores se transferia a eles e estimule seu crescimento”.

 Dieckert & Mehringer (1989a, 1994) ao procurarem o significado das corridas, encontram em Nimuendajú (1946, 2001) como sendo uma forma de honrar as almas mortas, o que é interpretado por Stahle (1969) como “culto da morte”, pois “… todas as toras são consideradas ‘representantes dos mortos’ e a corrida de toras possibilita uma ‘ressuscitação das toras como forma de garantia da vida para além da morte para os mortos”.

Já Schultz (1964) segue a interpretação de Nimuendajú (1946, 2001), em suas investigações sobre os Krass, mas enfatiza também o “caráter esportivo”.

Os RANKAKOMEKRAS confirmam que a tora seria uma alma dos mortos.  Mas “… a alma do morto (megaro) teria se transformada numa moça e agora se encontraria na palmeira Buriti…”.

 Conclusão:

As formas de movimento dos índios Canelas se manifestam num contexto de ritual (DICKERT & MEHRINGER, 1989a, 1989b, 1994; JUNG & BRUNS, 1984). Por ser uma sociedade dual – onde as duas metades da aldeia se opõem -, o que determina a conseqüente formação de grupos (DICKERT & MEHRINGER, 1989a, 1989b, 1994), situações de conflito são resolvidas, por exemplo, com a realização da “corrida de toras” (FEITOSA, 1983). Nela se manifestam os valores e as normas sociais (DICKERT & MEHRINGER, 1989a, 1994). São as festas que aproximam os jovens dos valores e normas culturais, que lhes permite “vivenciar” o mundo de acordo com suas leis (DICKERT & MEHRINGER, 1989b, 1994).

Parece verdadeira a interpretação de ser a corrida de tronco um  culto aos antepassados (DICKERT & MEHRINGER, 1989a, 1989b, 1994; JUNG & BRUNS, 1984), pois as regras da corrida foram ensinadas ‘pelos bisavós’ e ainda são respeitadas (DICKERT & MEHRINGER, 1989a, 1989b, 1994). Há um sentido mais profundo na realização da corrida, pois aquele que “quiser viver como caçador e coletor e também como guerreiro tem que apresentar uma excelente condição física”. Por isso, essa “necessidade de sobrevivência” foi formulada “(…) enquanto ‘objetivo de ensino’ para os jovens, num contexto cultural, a fim de garantir a continuação da tribo.” (DICKERT & MEHRINGER, 1989a, 1994).

Observa-se que em diferentes culturas e diferentes épocas houve alguma forma de manifestação do movimento representado pela corrida (DICKERT & MEHRINGER, 1989a, 1989b, 1994; JUNG & BRUNS, 1984) e esta sempre teve, primeiro, um caráter de sobrevivência. Ritualizada, passa a fazer parte da cultura onde representam os valores e as normas sociais, o mesmo ocorrendo quando levadas para a esfera do lazer (lúdico).

Os Canelas, ao codificarem as corridas realizadas em suas aldeias – regras dos bisavós -, estão repetindo o que fizeram outras culturas. Se é aceita a codificação das regras de corridas pelos Gregos em seu período clássico como precursora das regras atuais do Atletismo (BRASIL, 1989; VAZ, 1991), também se deve aceitar a corrida entre os Canelas como a primeira manifestação desse esporte em terras maranhenses, pois quando as diversas nações européias modernas aqui chegaram por volta dos anos 1.500 já encontram diversas outras nações, sendo a mais antiga delas os Canelas.

 Referências bibliográficas:

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VAZ, Leopoldo Gil Dulcio. A corrida entre os índios canelas – contribuições à história da educação física maranhense. In Revista “Nova Atenas” de Educação Tecnológica, São Luís, v.4, n. 2, jul/dez 2001, disponível em www.cefet-ma.br/revista.

VIANNA, Fernando Fedola de Luiz Brito. A bola, os “brancos” e as toras: futebol para índios xavantes. Universidade de São Paulo Faculdade de filosofia, letras e ciências humanas, Departamento de antropologia. Dissertação de mestrado em antropologia social, sob orientação da Profa. Dra. Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo, dezembro/ 2001. Disponível em

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[1] Painel apresentado na III Jornada de Iniciação Científica da Educação Física da UFMA, 1995; Artigo publicado na COLETÂNEA INDESP – DESPORTO COM IDENTIDADE CULTURAL, Brasília: Ministério Extraordinário dos esportes/Instituto Nacional de Desenvolvimento dos desportos, 1996, p. 106-111. Revisto e ampliado para esta apresentação.

dom, 13/02/11 por leopoldovaz | categoria Atlas do Esporte no Maranhão, Atletismo

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