INDÍCIOS DE “GYMNASTICA” NO MARANHÃO

Em janeiro de 1999, o Prof. Dr. Lamartine Pereira Da Costa fez um anúncio através do CEV (Centro Esportivo Virtual www.cev.org.br):

Permitam-me iniciar o ano de 1999 fazendo um anuncio importante para o desenvolvimento da Historia do Esporte no plano nacional e internacional, como também mobilizar os amigos da Lista e fora dela para que sejam iniciadas pesquisas no tema que se segue.”

Referia-se a presença de alunos de nacionalidade brasileira no Philantropinum, sediado em Schnepfenthal[1]; dentre esses alunos vamos encontrar:

 

NOME                                      LOCAL E                                 PERÍODO DE

                                                 ANO NASCIMENTO              ESTUDOS

de La Roque, Jean                    Pará, 1850                                 1861 – 1866

de La Roque, Auguste             Pará, 1851                                 1861 – 1867

de La Roque, Henri                  Pará, 1849                                 1861 – 1864

de La Roque, Guilherme          Cametá, 1853                            1863 – 1869

De La Roque, Luiz                   Pará, 1856                                 1865 – 1871

de La Roque, Carlos                 Pará, 1857                                 1865 – 1871

 

Naquela ocasião, informei a existência da Família LaRocque no Maranhão – do então senador Henrique de LaRocque Almeida. Os LaRocque  - importante família estabelecida no Pará, procedem de dois irmãos:

I - HENRIQUE de LaROCQUE (c. 1821 – Porto ?), que deixou geração do seu casamento, em 1848 – Pará -, com Matilde Isabel da Costa ( ? – 1919); e

II – LUIZ de LaROCQUE (c. 1827 – Porto ?), que deixou geração de seu casamento, em 1854 (Pará) com sua cunhada Emília Ludmila da Costa.

Ambos, filhos de JOÃO LUIZ de LaROCQUE (c. 1800 – a. 1854) e de Rosa Albertina de Melo. Entre os membros dessa família registra-se o senador HENRIQUE de LaROCQUE ALMEIDA, advogado diplomado pela Faculdade Nacional do Rio de Janeiro (hoje, UFRJ).[2]

            No Dicionário, é dada como sobrenome de origem escocesa, o que é contestado por Henrique Artur de Sousa, para quem a família LaRocque estabelecida no Brasil é de origem portuguesa, da cidade do Porto – encontrou uma primeira referência no início da colonização do Brasil, nos anos 1500, em São Vicente ... -, o que parece ser a versão verídica, haja vista que o falecimento de dois membros dessa família – os irmãos Henrique e Luís, filhos de João Luís de LaRocque e sua mulher Rosa Albertina de Melo – se dão na cidade do  Porto, no século XIX... (vide Dicionário...)

            Efetivamente alguns LaRocque se estabeleceram no Maranhão, a partir de 1832. Henrique Artur de Sousa - genealogista estabelecido em Brasília encontrou documentos no Arquivo Público do Estado do Maranhão “firmados de próprio punho” de três membros da família LaRocque, quando de sua chegada, “de que haviam estudado na Alemanha”, numa cidade chamada Schnepfenthal !

Filhos de Jean Francoise de LaRocque:

  • Carolina – depois Baronesa de Santos;
  • Henrique de La Rocque;
  • Guilherme de LaRocque;
  • João Luís de LaRocque;
  • Luís de LaRocque;
  • Rosa;
  • Amélia;
  • Antônio de LaRocque.

 

Desses irmãos, quatro estudaram na Alemanha; Henrique de LaRocque Júnior, e seus irmãos João e Augusto, também podem ter estudado na Alemanha ... Henrique de LaRocque Júnior - viria construir o Mercado de Ver-o-Peso, em Belém do Pará -, vem a ser avô do Senador LaRocque.

            O primeiro registro encontrado onde aparece a palavra “ginástica” data de 1841, conforme anúncio no “JORNAL MARANHENSE” [3] sob o título de:

“THEATRO PUBLICO

“Prepara-se para Domingo, 21 do corrente huma representação de Gimnástica que será executada por Mr. Valli Hércules Francez, mestre da mesma arte de escola do Coronel Amoroz em Paris; e primeiro modelo da academia Imperial de Bellas Artes do Rio de Janeiro, que terá a honra de apresentar se pela primeira vez diante d’este Ilustrado público, a quem também dirige agradar como já tem feito nos principais Theatros de Europa , e deste Império.

“Mr. Valli há contractado o Theatro União, para dar sua função, junto com Mr. Henrique, e tem preparado para este dia um espetáculo extraordinário que será composto pela seguinte maneira:

  • Exercícios de forças, Agilidade e posições Acadêmicas
  • Exercícios no ar e muitas abelidades sobre colunnas assim como admiraveis sortes nas cordas

“Nos intervalos de Mr. Valli, se apresentará Mr. Henrique, para executar alguns exercícios de fizica, em quanto Mr. Valli descansa.”

            Novo anúncio é publicado em 16 de novembro daquele ano de 1841 [4], sob o mesmo título, em que eram anunciadas as novas atrações do programa a ser apresentado:

“Theatro Publico

“Domingo 21 do corrente 1841, 1ª apresentação gimnastica dirigida por Mr. Valli, Herculez Francez, que tem a distinta honra de apresentar-se diante deste ilustre publico para executar seis noites de divertimentos:

1ª noite – exercícios gimnasticos, malabares, fizica

2ª dita – grande roda gyratoria

3ª dita – jogos hydraulicos como existem em Europa

  1. dita – a grande luta dos dois gladiadores”.

Ainda nesse mesmo ano, aparecem anúncios [5] de aulas de esgrima:

Annuncios Diversos

“Manoel Dias de Pena, se dispõe a encinar com toda a prefeição o jogo de espada, e assim roga a todos os Snrs. que quizerem aprender esta Arte, tão útil a mocidade, se diriga a esta Typographia que se dirá aonde mora o annunciante.”

Desde 1844, quando foi fundado o primeiro colégio destinado exclusivamente às moças, em São Luís, as atividades físicas faziam parte do currículo:

“... não somente sobre as disciplinas escolares com também sobre o preparo physico, artístico e moral das alumnas. Às quintas-feiras, as meninas internas participavam de refeições, como se fossem banquetes de cerimônia, para que se habituassem 'a estar bem á mesa e saber como se deveriam servir as pessoas de distinção'. Uma vez por semana, à noite, havia aula de dança sob a rigorosa etiqueta da época, depois de uma hora de arte, na qual ouviam bôa música e aprendiam a declamar." (ABRANCHES, 1941, p. 113-114) [6].

Esse colégio - o "Collegio das Abranches", como era conhecido o Collégio N. S. das Glória -, foi fundado por D. Marta (Martinha) Alonso Veado Alvarez de Castro Abranches [7] - educadora espanhola nascida nas Astúrias provavelmente por volta de 1800 (JANOTTI, 1996) [8] –, e pela sua filha D. Amância Leonor de Castro Abranches, e tinha, ainda, como professora, D. Emília Pinto Magalhães Branco, mãe dos escritores Aluizio, Artur e Américo de Azevedo.

Cabe lembrar que Antônio Francisco Gomes, em 1852, propunha além da ginástica, os exercícios de natação, esgrima, dança, jogo de malha e jogo da pella para ambos os sexos (CUNHA JÚNIOR, 1998, p. 152) [9]

Em 1869, é anunciada a criação de um novo colégio - o Collégio da Imaculada Conceição -, sendo seus diretores os Padres Theodoro Antonio Pereira de Castro; Raymundo Alves de France; e Raymundo Purificação dos Santos Lemos. Internato para alunos de menor idade seria aberto em 07 de janeiro de 1870. Do anúncio constava o programa do colégio, condições de admissão dos alunos, o enxoval necessário, e era apresentado o Plano de Estudos tanto do 1º grau como do 2º grau, da instrução primária; o da instrução secundária; e da instrução religiosa. No que se referia às Bellas Artes – desenho, música vocal e instrumental, gymnástica, etc., mediante ajustes particulares com os senhores encarregados dos alunos. O novo colégio situava-se na Quinta da Olinda, no Caminho Grande, fora do centro da cidade, e possuía água corrente, tanque para banhos, árvores frutíferas, jardim, bosque e lugar de recreação. (A ACTUALIDADE n. 28, 28 de dezembro de 1869).

Considerando-se sob o aspecto de quem começou a praticar exercícios com pesos, podemos afirmar que o pioneiro foi JOÃO DUNSHEE DE ABRANCHES MOURA, ainda no século passado. O autor de "O Captiveiro", de "A esfinge do Grajaú", "A setembrada”, nasceu na estreita Rua do Sol, 141, situado entre a Rua do Ribeirão e o Beco do Teatro, a 02 de setembro de 1867 (GASPAR, 1993, p.12; VAZ, 2008) [10].

Nos livros de memórias desse festejado historiador, advogado, polemista, sociólogo, crítico, romancista, poeta, jornalista, parlamentar e internacionalista maranhense, relata-nos que o "Club dos Mortos" - proposto por Raymundo Frazão Cantanhende -, reunia-se no porão da casa dos Abranches, no início da Rua dos Remédios: "E como não era assoalhado nem revestido de ladrilhos, os meus paes alli instalaram apparelhos de gymnastica e de força para exercícios physicos" (ABRANCHES, 1941, p. 187).

Relata, ainda, que os membros desse clube abolicionista, juntando o útil ao agradável: "... não raras noites, esse grupo juvenil de improvisados athletas e plumitivos patriotas acabava esquecendo os seus planos de conjuração e ia dansar na casa do Commandante Travassos...". (ABRANCHES, 1941, p. 188).

Anos mais tarde, Aluísio Azevedo, tanto em "O Mulato" - publicado em 1880 -, como em uma crônica publicada em 10.12.1880, propõe uma educação positivista para as mulheres maranhenses:

"... é dar à mulher uma educação sólida e moderna, é dar à mulher essa bela educação positivista... é preciso educá-la física e moralmente... dar-lhe uma boa ginástica e uma alimentação conveniente..." (MÉRIEN, 1988, p. 166-167) [11].

No início da década de 1910, desaparece o hábito de repousar nos fins de semana, substituído pelas festas, corridas de cavalo, partidas de tênis, regatas, corso nas avenidas, matinês dançantes, e pelo futebol. Essas atividades, divulgadas pelos jornais, começaria a apresentar seus primeiros sinais de mudança ainda nas últimas décadas do século XIX, com o surgimento e fortalecimento gradual dos esportes:

"É nessa conjuntura que adquirem um efeito sinergético, que compõem uma rede interativa de experiências centrais no contexto social e cultural, como fonte de uma nova identidade e de um novo estilo de vida

"Os 'Clubs' que centralizam essas atividades surgem como modelos da elite no final do século XIX, e já no final da década de 10 e início de 20, estão difundidos pelos bairros, periferia, várzeas e se tornam um desdobramento natural das próprias reuniões sociais". (KOWALSKI, 2000, p. 391) [12]

O então presidente da Província - Bendito Leite (governador do Maranhão, de 1 de março de 1906 a 25 de maio de 1908) [13] - ante o espetáculo proporcionado lamentou não poder manter nas escolas públicas o ensino regular da ginástica...

Desde 1901 o “Regimento para as Escolas Estadoaes da Capital” (Decreto nº16 de 04 de Maio de 1901; NASCIMENTO, 2007a, 2007b,) [14], instituía, no seio de suas diretrizes gerais, questões referentes a “inspecção e asseio” normatizando desde a entrada dos alunos em que caberia às professoras proceder á uma revista do asseio dos mesmos “tomando as providencias necessarias em ordem a estarem todas as condições regulares de limpeza de mãos, unhas, rosto e penteado do cabello, no momento de serem iniciados os exercicios escolares” (REGIMENTO, 1901, p.80) conforme a classe a que pertence o estudante. Percebem-se nítidos traços de influência militar em termos de linguagem e recomendações na modelagem deste corpo escolarizado, quando instituem os exercícios abaixo descritos:

 

“a) Os da primeira classe constarão de marchas e contramarchas com variações apropriadas a darem facilidade de movimento dos alumnos;

b) Os da segunda versarão sobre movimentos em varios tempos, com e sem flexão dos membros, desacompanhados de instrumentos;

c) Os da terceira se comporão dos mesmos exercicios das segunda, mas com instrumentos;

d) Os da quarta de exercicios de barra de extremidades esphericas, barra fixa, apparelhos gyratorios.” (REGIMENTO, 1901, p.80, grifos nosso).

 

A "gymnástica" era praticada pelas elites, que tomavam aulas particulares, conforme se depreende desse anúncio, publicado em 1904:

"PARA OS ALUMNOS DE AULA PARTICULAR DE GYMNÁSTICA

"A Chapellaria Allemã acaba de despachar:

"camizas de meia com distinctivos

"Distinctivos de metal com fitas de setim e franjas d'ouro

"Distinctivos de material dourado para por em chapéus

"          Chapellaria Allemã de Bernhard Bluhnn & Comp.

          23 - Rua 28 de julho - 23"

(A CAMPANHA, 6ª feira, 8 de janeiro de 1904, p. 5).

O sexo feminino também tinha suas aulas de ginástica, pois fazia parte do currículo da Escola Normal[15], conforme resultado dos exames publicados, como era comum à época:

"CURSO ANEXO

"Foi este o resultado dos exames de hontem:

"GYMNÁSTICA

“Núbia Carvalho, Maria Varella, Neusa Lebre, Hilda Pereira, Margarida Pereira, Almerinda Parada, Leonor Rego, Rosilda Ribeiro, Fanny Albuquerque, Agrippina Souza, Cecilia Souza, Roza Martins, Esmeralda Paiva, Neusa Silva, grau 10

"Faltaram 12".

(O MARANHÃO, Sexta-feira, 15 de novembro de 1907).

No Programma Didactico para o Curso de Pedagogia (1906; COUTINHO e NASCIMENTO, s.d.) [16], direcionado à Escola Normal do Maranhão, o professor e Dr. Almir Parga Nina[17], então membro da Associazione Pedagogica, de Roma, e da Ligue pour L’Hygiene Scolaire, de Paris, foram lançadas as disposições regulamentares do curso destinados à formação pedagógica das moças da elite da capital ludovicense. Neste programa ressaltavam-se como fins da Escola Normal além da instrução geral, a

“instrucção techica que instruirá e adestrará nos methodos e processos de cultura physica, mental e moral da mocidade” (NINA, 1906, s/p, grifos nossos) 53.

Referente às questões sobre cultura física e higiene escolar, este programa colocava que no primeiro ano de pedagogia as alunas teriam contato com conhecimentos gerais – anatômico-fisiológico, psicológico e antropológico – sobre as crianças a fim de embasar a chamada Pedagogia Reparadora relacionada á correção das moléstias e vícios adquiridos dentro e fora da escola (NINA, 1906). No segundo ano do curso, por sua vez, teriam as normalistas acesso à organização material (estrutura física) e organização pedagógica (programa didático - roteiros, horário, recreio, promoções, exames, férias) da instituição escolar. Porém, dentro da chamada organização pedagógica, estava inserido um ponto relevante denominado “Pathologia Escolar”[18]. (NINA, 1906; COUTINHO e NASCIMENTO, s.d.) 53.

Em outro anúncio, publicado em 1908, o "professor de instrucção physica" avisava que pretendia realizar "os exames de seus alumnos na próxima quinta feira" (em O MARANHÃO, Segunda-feira, 02 de março de 1908, p. 2, n. 257).

No dia 26 de dezembro de 1907, é registrada uma partida de futebol entre alunos da Escola de Aprendizes Marinheiros, como parte de sua preparação física. O futebol, além de outras modalidades e atividades, principiava a se utilizado como prática de educação física nas escolas:

"Aprendizes Marinheiros:

"Hontem, às 4 horas da tarde, os aprendizes marinheiros, fizeram exercícios de 'foot-ball' na arena do Fabril Athletic Club e um assalto simulado de florete, sob a direção do respectivo instructor da Escola.

"Os alumnos revelaram-se disciplinados e agiram com muito garbo e desembaraço.

"Domingo próximo, às 5 horas da manhã, haverá novo exercício no mesmo local". (O MARANHÃO, 26/12/1907)

Em 1908, o FAC fez as reformas de seus estatutos, para incluir o manejo de armas - prática do tiro - entre suas atividades, com o fim de prestar um serviço às juventude, valendo-se da Lei do Sorteio Militar. Com a ajuda do então tenente Luso Torre foi fundada uma seção de Instrução Militar, a fim de preparar os sócios que nela quisesse tomar parte e gozar dos favores da referida lei.  

Talvez para se beneficiar dessa Lei, e livrar os jovens da elite maranhense da instrução militar, em 1909, o Tiro Maranhense informava que já chegava a 120 o número de pessoas inscritas naquela Sociedade. Em 10 de abril é anunciada a posse da diretoria, na Câmara Municipal. (O MARANHÃO, sábbado, 03 de abril de 1909).

Em nenhum desses anúncios se faz referencia ao nome do professor de ‘gymnástica’...

Na década de 1920, havia debates sobre a educação escolar higiênica, bem como do exercício da cultura física representada nas atividades lúdicas (jogos e brincadeiras) e na chamada ginástica pedagógica como meios de desenvolver a mente e corrigir possíveis desvios do corpo escolarizado. (COUTINHO e NASCIMENTO,[19]

Logo após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) ocorreu no Brasil muitas mobilizações para discutir publicamente e fortalecer a identidade nacional - a republicana. O debate sobre a identidade nacional tornou-se pauta comum entre os políticos e intelectuais brasileiros, foi considerado como uma necessidade pública para estabelecer ordem e progresso à Nação. E no Estado do Maranhão não foi diferente! Iniciativas particulares e filantrópicas começaram a mobilizar a grande massa analfabeta dos centros urbanos até mesmo em cursos noturnos (OLIVEIRA, 2012) [20].

Para Rosangela Silva Oliveira (2012)59, a instrução pública no Estado do Maranhão, na Primeira República, adestrou comportamentos e sentimentos aos interesses do governo liberal republicano:

 Discuti-la publicamente alimentava o sonho popular de sair da escuridão das trevas do espírito (o analfabetismo) e trazia o crédito eleitoral e influência política ambicionados por muitos profissionais urbanos. Sempre secundarizada em favor de outras ações governamentais, ficava em evidência somente em momentos de crise política quando suas fragilidades eram expostas para desviar a atenção pública de outras mazelas sociais (OLIVEIRA, 2004) [21].

Fran Paxeco idealiza e organiza o Primeiro Congresso Pedagógico do Estado do Maranhão entre o final de 1919 e início de 1920:

Por estes dias, reunidos em sessão pedagógica da Faculdade de Direito, o diplomata português Fran Paxeco, presidente administrativo do Instituto da Assistência à Infância, diretor-geral do jornal local “A Pacotilha”, professor da Faculdade de Direito no Estado do Maranhão e lenthe da Congregação do Lyceu Maranhense, propôs aos colegas bacharéis e docentes do Instituto Superior acima mencionado a realização de um Congresso Pedagógico para apresentar teses e reflexões sobre a instrução pública maranhense, suas limitações e possibilidades. (OLIVEIRA, 2012)59.

Nos Anais do 1º Congresso Pedagógico no Estado do Maranhão consta que no dia 18 de agosto de 1919, em reunião pedagógica presidida pelo vice-diretor desta Faculdade, o Dr. Henrique Couto, secretariado por Domingos de Castro Perdigão, os docentes Godofredo Viana, Manoel Jánsen Ferreira, António José Pereira Junior, António Lopes, Leôncio Rodrigues, Alcides Pereira, Costa Gomes, Lemos Viana, Abranches Moura, António Bona, Fabiano Vieira e Raimundo Lopes ouviram de Fran Paxeco o convite para realizarem um Congresso Pedagógico em fevereiro do ano vindouro (1920). A proposta foi aceita por unanimidade e imediatamente elegeram uma comissão organizadora, formada pelos drs. Godofredo Vianna, Fabiano Vieira, António Bóna, António Lopes e o próprio Fran Paxeco (MARANHÃO, 1922, citado por OLIVEIRA, 2012)[22].

A carta-circular datada de 12 de janeiro de 1920 expedida pela Comissão Organizadora, destinada às escolas oficiais, aos colégios particulares e demais interessados em participar e/ou inscrever trabalhos, apontou os ramos de educação adotados e abertos para o diálogo pedagógico. Foram eles:

I – Educação Física: Jogos e brinquedos. Canto Coral. Despórtos. Recreios. Higiene Escolar e Doméstica. Inspècção médica. Assistência aos estudantes pobres. Caixas escolares. Cantinas. Balneários. Colónia de férias.

II – Educação Intelètual: A) Música. Desenho. Lingua materna. Escrita e leitura. Aritmética e geometria. Sciéncias naturais. Geografia. História. Algebra e trigonometria. B) Astronomia. Fisica e química. Linguas estranjeiras. Psicologia. Filosofia. C) Trabalhos manuais. Agricultura. Economia.

III – Educação técnica: Relações do ensino primário, secundário e superior com o ensino agrícola, veterinário, médico, jurídico, industrial e comercial.

IV – Educação moral: Sentir, pensar, proceder. Culto da casa, da família, da pátria, da humanidade. Pais e professores. Deveres e direitos dos cidadãos. Consciéncia. Espirito Solidário. Toleráncia. Altruismo.

V – Educação Estética: Arquitetura, mobiliário, decoração dos edifícios escolares. Conforto do lar e da aula. Simpatia pelos objetos e pelos estudos. Influxo das artes plásticas, na estrutura física, afetiva e mental dos sères humanos.

Teses especiais sòbre: Faculdades, escolas de pedagogia, licèus. Educação vocacional. Atribuições pedagógicas e financeiras da União, dos estados e dos municípios. Organismos de técnicos, para superintender na escolha de horários, ortografia, livros, material, casas, etc. Estatística. Taxa escolar. Exames e promoções. Nomeação de professores. Escolas móveis ou ambulante (primárias e agrícolas). Exposições e museus. Bibliotecas infantis. Código do ensino: leis, decretos e regulamentos. Construções. Colégios particulares. Equiparações. Artes e ofícios. Colónias correcionais. Intercámbio de catedráticos das escolas superiores. (MARANHÃO, 1922 p. 4-5, citado por OLIVEIRA, 2012)59, 61.

O regimento interno elaborado para o Congresso Pedagógico apresentou como objetivo geral de “obter e apreciar quaisquer estudos ou informações, preocupando-se designadamente com a instalação da escola, os métodos educativos, a escolha de compêndios e o preparo técnico dos professores” (MARANHÃO, 1922 p. 19) em oito sessões plenas: uma de abertura, uma de entrega das teses e da sua distribuição aos relatores, três para ao debate das matérias contidas nas cinco sessões, uma para as teses separadas, uma para a leitura das conclusões e de encerramento, com a obrigatoriedade de publicar os trabalhos apresentados. (OLIVEIRA, 2012)59.

A terceira sessão, em 24 de fevereiro, presidida pelo prof. José Ribeiro do Amaral, presidente da Academia Maranhense, recebeu um público de treze professores, três alunas da Escola Normal, dois professores maristas, os quintanistas de medicina Domingos Perdigão e Mário Carvalho. Fran Paxeco registra a ausência de professores da rede municipal nas atividades do Congresso Pedagógico, abariu o debate sobre a primeira parte do programa Educação Física e recebeu as seguintes contribuições: duas indicações didáticas para a área temática de Jogos e Brinquedos, a indicação coletiva de sugerir oficialmente às autoridades governamentais um dia letivo específico para ensaios de hinos escolares e patrióticos, a proibição de ginástica em aparelhos para menores de dez anos, a solicitação de inspeção médica como medida de uma boa Higiene Escolar e Doméstica, também reclamaram a necessidade de um debate amiúde sobre a assistência aos estudantes pobres. (OLIVEIRA, 2012)59.

A oitava sessão do Congresso Pedagógico, presidida pelo coronel Frederico Figueira, presidente da Comissão de Ensino do Congresso Legislativo, no dia 29 de fevereiro com um público de vinte e cinco professores e uma quartanista da Escola Normal, se constituiu de debates e reflexões sobre as condições estruturais das escolas primárias, a superlotação das salas de aulas, destacando as vantagens dos jogos e brincadeiras para o infante maranhense. (OLIVEIRA, 2012)59.

Uma nona sessão ainda foi realizada, dia 1 de março, para a leitura dos Relatórios com as conclusões na área de Educação Física relatado por Luiz Viana, Educação Intelectual por Antonio Lopes da Cunha, Educação Moral por Rosa Castro e rápidas considerações sobre Educação Técnica, Educação Estética e Teses Especiais:

 Contou com a visita-surpresa do governador do Maranhão, o dr. Urbano Santos que expressou em discurso as desvantagens do ensino clássico e livresco, incentivando os professores presentes a deixarem  ridículas verbiagens e aplicarem em sala de aula, com constância, a virtude da vontade de aprender. Fugir da parolajem inútil de conteúdos abstratos, idéia pedagógica moderna de Pestalozzi[23] e Froebel[24]. (OLIVEIRA, 2012)59.

Entre as teses apresentadas, anexadas por Fran Paxeco nos Anais deste Congresso Pedagógico estão diretrizes pedagógicas importantes à instrução pública no Estado do Maranhão. Destacam-se as seguintes: No ramo Educação Física:

“Dos jogos no Colégio” do Prof. marista Paulo Domingos

‘É preciso que os alunos brinquem, se distráiam, dispendam em passatempos inocentes a exuberáncia de seiva, a vivacidade do humor, o ardor do sangue que néles corre. Faz-se indispensável o ar, o espaço, o sol, o movimento, o barulho, para o crescimento do seu sèr e o desenvolvimento de suas energias (MARANHÃO, 1922 p. 43).

Sobre a “Cultura Física”, da Profa. Hermindia Augusta Soares Ferreira

Quando um aluno estiver inactivo, deve-se inspeccioná-lo, porque, doente o físico, enfèrmo ficará o espírito (MARANHÃO, 1922, p. 51).

A aplicação dos jogos merece, entretanto, um especial cuidado dos professores ou, melhor, dos inspectores médicos, a quem incumbe a verificação da capacidade física e mental dos alunos e consequente separação, entre os normais e os anormais, calibrando, de acordo com este critério, a prática dos exercícios. Também é digna de interesse a racional classificação dos jogos, afim de se conseguir a sua gradação pedagógica ( ibid, p. 52).

Para Oliveira (2012) 59, internalizando princípios escolanovistas, as proposições destas diretrizes pedagógicas propõem reflexões para educar o corpo e a mente dos alunos com estímulos importantes para atrair sua atenção, curiosidade, desejo e vontade de aprender conhecimentos teóricos pela e na experiência prática, segundo orientava a Pedagogia Moderna, apoiada em estudos de Pestalozzi e Froebel, entre outras contribuições teóricas.

Não se pode negar a grande contribuição de Fran Paxeco (OLIVEIRA, 2012)59, seu idealizador, que, obviamente, não faria tudo sozinho, mas sem a sua obstinação e articulação política pouco seria feito. O testemunho escrito das theses organizadas nos Anais deste evento mostraram a seriedade e profundidade do conhecimento científico exibido, o que aponta sua grande contribuição à instrução pública. As palavras escritas no seu tratado de Geografia e História exprimem seu amor ao Maranhão, ao magistério e aos infantes maranhenses, com um espírito pestalozziano moderno: “Sejamos geógrafos. Prendâmo-nos ao solo. Despeguemo-nos das alturas nebulozas do abstrato, e regressemos ao campo da ação rial, da humanidade e da vida” (MARANHÃO, 1922, p. 640-41; (OLIVEIRA, 2012)59.

Mas vale ressaltar que o otimismo pedagógico construído no seio da instrução pública do Estado do Maranhão não foi suficiente para resultar em reformas educacionais imediatas. Estas só ocorreram uma década depois, em 1931, e continuou alto o índice de pessoas analfabetas na classe popular.


[1] Fonte: Preisinger, M. (Arquivos de Schnepfenthal – 1998)

[2] in DICIONÁRIO DAS FAMÍLIAS BRASILEIRAS, vol. II, BARATA, Carlos Eduardo de Almeida; CUNHA BUENO, Antônio Henrique da. Arquivos da Biblioteca Pública “Benedito Leite”.   

[3] JORNAL MARANHENSE,, São Luís, n. 36, 12 de novembro de1841

[4] JORNAL MARANHENSE,, São Luís, n. 37, 16 de novembro de 1841

[5] JORNAL MARANHENSE, anno I, São Luís, Sexta-feira, 31 de dezembro de1841, n. 49

[6] ABRANCHES, Dunshe de. O CAPTIVEIRO. Rio de Janeiro: (s.e.), 1941

[7] A fidalga espanhola D. Martinha Alvarez de Castro, casou-se com Garcia de Abranches, o Censor, quando tinha 17 anos. Foi a fundadora do primeiro colégio destinado ao sexo feminino em Maranhão - o “Colégio Nossa Senhora das Graças”, mais conhecido como o Colégio das Abranches - junto com sua filha Amância  Leonor, em 1844. Foi - ela, ou uma das filhas - a primeira professora de educação física do Brasil [7].

[8] JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. Três mulhes da elite maranhense. In REVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA, São Paulo, v. 16, n. 31 e 31, p. 225-248, 1996

[9] CUNHA JÚNIOR, Carlos Fernando Ferreira da. A produção teórica brasileira sobre educação physica/gymnastica no século XIX: questões de gênero. In CONGRESSO BRASLEIRO DE HISTÓRIA DO ESPORTE, LAZER E EDUCAÇÃO FÍSCA, VI, Rio de Janeiro, dezembro de 1998. COLETÂNEA... .  Rio de Janeiro : Universidade Gama Filho, 1998, p. 146-152.

[10] GASPAR, Carlos. DUNSHE DE ABRANCHES. São Luís: (s.e.), 1993. Discurso de posse no Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, a 28 de julho de 1992.

VAZ, Leopoldo Gil Dulcio. HOMENAGEM AO PATRONO DA CADEIRA Nº 40. REVISTA DO IHGM – No. 29 – 2008 – Edição Eletrônica, p. 157

[11] MÉRIEN, Jean-Yves. ALUÍSIO AZEVEDO  VIDA E OBRA (1857-1913) - O VERDADEIRO BRASIL DO SÉCULO XIX. Rio de Janeiro : Espaço e Tempo : Banco Sudameris; Brasília : INL, 1988.

[12] KOWALSKI, Marizabel. Estilo de vida e futebol. IN CONGRESSO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA, ESPORTE, LAZER E DANÇA, VII, Gramado-RS, 29 de maio a 01 de junho de 2.000. COLETÂNEAS... Porto Alegre: UFRGS, 2.000, p. 390-395.

[13] Benedito Pereira Leite (Rosário, 18571909) foi um político brasileiro. Foi um dos membros da Junta governativa maranhense de 1891. Foi governador do Maranhão, de 1 de março de 1906 a 25 de maio de 1908.

[14] REGIMENTO PARA AS ESCOLAS ESTADOAES DA CAPITAL, a que se refere o Decreto nº16 de 04 de Maio de 1901. In: Collecção das leis e decretos do Estado do Maranhão de 1912. Republica dos Estados-Unidos do Brazil. Maranhão: Imprensa Official, 1914.

NASCIMENTO, Rita de Cássia Gomes. A Educação Higiênica em São Luís nas primeiras décadas do século XX. São Luís: Universidade Federal do Maranhão, 2007b. (Graduação em Pedagogia).

NASCIMENTO, Rita de Cássia Gomes. PELAS CRIANÇAS DESVALIDAS: o Instituto de Assistência à Infância do Maranhão nas primeiras décadas do século XX. São Luís: Universidade Estadual do Maranhão, 2007a. (Graduação em História).

[15] “A Escola Normal do Maranhão foi criada pelo decreto nº 21 de 15 de Abril de 1890 e, logo após, dia 19 de Abril de 1890, foi criada a Secretaria de Instrução Pública. Seu criador foi o Dr. José Tomás de Porciúncula (RJ/1854-RJ/1901). Médico, nomeado Interventor pelo presidente da República, uma de suas preocupações foi reorganizar o Ensino e criar a Escola Normal”

[16] COUTINHO, Adelaide Ferreira; NASCIMENTO, Rita de Cássia Gomes. IDEÁRIO NACIONAL, DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO E CONTROLE NA PEDAGOGIA HIGIÊNICA EM SÃO LUÍS NO LIMIAR DO SÉCULO XX. Disponível em

      http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe5/pdf/897.pdf , acessado em 12/10/2012

 

[17] NINA, Dr. Almir Parga. Programma Didactico- Roteiro para o Curso de Pedagogia em 1906. Maranhão: Typografia Frias, 1906, citado por COUTINHO e NASCIMENTO, s.d., disponível em http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe5/pdf/897.pdf , acessado em 12/10/2012.

[18] As normalistas estudariam as “molestias escolares propriamente ditas; molestias que a escola determina, mas que o meio escolar pode aggravar; molestias que a escola pode diffundir e propagar; molestias devidas á má organisacao pedagogica; Desvios e incurvações da columna vertebral; escolioses, cyphose, lordose.Myopia. Tuberculose [...] Anemias-Rachitismo [...]. Hydrocephalia em suas relações com o desenvolvimento das faculdades psychicas [...] Paralysia Infantil-Epilepsia [...] Paludismo, especialmente nas escolas ruraes [...] Molestias infecciosas agudas [...] Variola, Sarampão, escalartina, diphteria, parotidite, coqueluche, dysenteria etc moléstias da pelle e do couro cabelludo, sarna, tinhas, etc; Ophtalmias; Frequencias das otites e otorreas (escorrimento pelos ouvidos) nas creancas, sua influencia na audição, cansaço cerebral – surmenage escolar (NINA, 1906, s/p)

[19] COUTINHO, Adelaide Ferreira; NASCIMENTO, Rita de Cássia Gomes. IDEÁRIO NACIONAL, DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO E CONTROLE NA PEDAGOGIA HIGIÊNICA EM SÃO LUÍS NO LIMIAR DO SÉCULO XX. Disponível em  http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe5/pdf/897.pdf , acessado em 12/10/2012

[20] OLIVEIRA, Rosângela Silva. FRAN PAXECO, LENTHE DA REVITALIZAÇÃO PEDAGÓGICA MODERNA NO ESTADO DO MARANHÃO, ORGANIZADOR DO 1º CONGRESSO PEDAGÓGICO EM 1920. IX Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação – Rituais, Espaços e Patrimónios Escolares,  Lisboa, 12 a 15 de julho de 2012, ANAIS IX COLUBHE 2012. http://colubhe2012.ie.ul.pt/ , disponibilizado por Dra. Rosa Paxeco Machado através de correspondência eletrônica pessoal em 12/10/2012 http://sn125w.snt125.mail.live.com/default.aspx#n=1557179640&fid=1&fav=1&mid=4b2f82ba-1480-11e2-b36f-00215ad9df80&fv=1

[21] OLIVEIRA, R. S. Do contexto histórico às idéias pedagógicas predominantes na escola normal maranhense e no processo de formação das normalistas na Primeira República. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Maranhão, 2004

[22] Maranhão. Trabalhos do I Congresso Pedagógico. São Luis: Imprensa Oficial, 1922, in OLIVEIRA, 2012.

[23] Johann Heinrich Pestalozzi (Zurique, 12 de janeiro de 1746Brugg, 17 de fevereiro de 1827) foi um pedagogo suíço e educador pioneiro da reforma educacional. Em 1801 Pestalozzi concentrou suas idéias sobre educação num livro intitulado "Como Gertrudes ensina suas crianças" (Wie Gertrude Ihre Kinder Lehrt). Ali expõe seu método pedagógico, de partir do mais fácil e simples, para o mais difícil e complexo. Continuava daí, medindo, pintando, escrevendo e contando, e assim por diante.  http://pt.wikipedia.org/wiki/Johann_Heinrich_Pestalozzi.

[24] Friedrich Wilhelm August Fröbel (Oberweißbach, 21 de abril de 1782Schweina, 21 de junho de 1852) foi um pedagogo alemão com raízes na escola Pestalozzi. Foi o fundador do primeiro jardim de infância. http://pt.wikipedia.org/wiki/Froebel; VER também http://revistaescola.abril.com.br/educacao-infantil/4-a-6-anos/formador-criancas-pequenas-422947.shtml

 

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