ALGUMAS NOTAS SOBRE O GRUPO ILHA[1]

 

LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ

 

Silva (2011; 2013?) [2], ao investigar as diferentes estratégias, espaços e modalidades de atuação em que se insere um conjunto de agentes que ingressaram na carreira literária entre os anos de 1945 e 1964 no Maranhão, identificou sete movimentos culturais, citando – em quadro – os seguintes: Centro Cultural Gonçalves Dias, Grupo Movelaria, Grupo Ilha, Afluente, Opinião, Apolônia Pinto, e dentre os intelectuais analisados em seu trabalho, alguns não participaram de qualquer movimento (seria o sétimo, de seu quadro):

 

[…] superado o chamado Estado Novo, que no Maranhão transcorre sob a interventoria de Paulo Ramos, destacam-se entre os “intelectuais” expoentes e os “movimentos” em que se engajavam, nomes como os de José do Nascimento Morais Filho, José Sarney e Bandeira Tribuzi (todos contidos entre os casos aqui analisados), reconhecidamente lideranças do Centro Cultural Gonçalves Dias, Grupo Ilha e Grupo Movelaria Guanabara, respectivamente. No interior destes “movimentos” destacam-se, vinculados ao Centro, Bernardo Coelho de Almeida, Nascimento Moraes Filho, Vera-Cruz Santana, Manuel Sobrinho, Tobias Pinheiro, Dagmar Desterro, Ferreira Gullar, Lago Burnett, Bandeira Tribuzi – deslocando-se logo depois para o Grupo Ilha. Em torno deste último transitavam José Sarney, Bello Parga, Carlos Madeira e Lucy Teixeira. Quanto ao Movelaria Guanabara, uniram-se Antonio Almeida e Lago Burnett, que até então compunha o Centro Cultural Gonçalves Dias.

 

 

Moraes (1993) [3], ao analisar a obra de Bello Parga, poeta modernista, fala da existência do Grupo Ilha, de São Luis, liderado por José Sarney e Bandeiras Tribuzzi, e da qual o biografado fazia parte, chegando a integrar o conselho editorial da revista Ilha – no começo da década de 1950[4] – porta-voz do grupo, que pregava as ideias pós-modernistas da geração de 1945.

O Grupo Ilha é uma dissidência do CCGD, formalizado com a presença e influencia de Bandeira Tribuzzi que fora afastado do Centro por faltas – faltara três sessões seguidas, contrariando o seu regulamento, que previa a participação obrigatória em todas as sessões; todos são úteis, ninguém é necessário… Trouxe consigo José Sarney, Erasmo Dias, Luis Carlos Belo Parga, Lago Burnett…

Publicam, em 1948, o mensário de cultura “Malasarte”, dirigido por José Brasil (teatrólogo), J. Figueiredo (pintor), e pelos poetas Corrêa da Silva e Bandeira Tribuzi. Em seu editorial – aos leitores – é informado que era formado por um pequeno grupo de alguns dos modernos artistas e escritores do Maranhão atual (1948…). Seus colaboradores foram: Corrêa da Silva, Erasmo Dias, Franklin de Oliveira e Oswaldino Marques, contrapostos a Bandeira Tribuzi e seu circulo, integrado por José Sarney, Lucy Teixeira, Belo Parga, Carlos Madeira, e Domingos Vieira Filho, e temperados por figuras atomizadas, àquela altura, como José Brasil e Lago Burnett (CORRÊA, 1989) [5]:

De onde transparece a conclusão de que muito embora aqueles rapazes tenham ficado rotulados como o Grupo Ilha ou Grupo da Movelaria, o pioneirismo do Modernismo maranhense está radicado no mensário de cultura Malazarte, cujos responsáveis diretos e compósitos foram Corrêa da Silva e J. Figueiredo / José Brasil e Bandeira Tribuzi. A experiência de A Ilha, revista mensal de arte dirigida por José Sarney e Bandeira Tribuzi, representou, portanto, um desdobramento das atividades do poeta luso-maranhense enquanto organizador da cultura. A publicação contava com um conselho de redação integrado por Lucy Teixeira, Erasmo Dias, Murilo Ferreira, Domingos Vieira Filho e Luis Carlos Bello Parga.

 

A Ilha nasceu só

E sempre será

Mas não hermética

E inacessível

 

Pode-se chegar a ela

Por qualquer ponta

Da Estrela Cardeal

Não é preciso bussola

 

Basta atravessar a água

Mas não vão se afogar

Com o peso da roupa

 

Para alcançar a Ilha

É Preciso que dispam

As roupas que ainda vestem.

 

 

Rossini Corrêa (1993) [6] considera que a “Geração de 45” foi um momento de maior embate literário e resistência política. Ferreira Gullar, jovem intelectual, travou um embate literário com Corrêa de Araújo, que resultou em grande polêmica. A relação dos jovens intelectuais com os escritores de contexto literário diferente foi marcada por discordâncias e contendas. Foi na verdade o maior período de irreverência literária vivido no Maranhão, como se pode observar na afirmação de Lago Burnett: “De modo geral, havia de parte dos velhos simpatia por nós, mas nós éramos realmente insubmissos, atacávamos, atacávamos, atacávamos”:

 

Voltando-se à Movelaria Guanabara, as discussões ali travadas não se limitavam apenas às discussões literárias, mas passando pelas artes plásticas, entre outros assuntos. O Centro Cultural Gonçalves Dias tinha como meio de divulgação de seu pensamento crítico, um suplemento cultural publicado no jornal Diário de São Luiz, de propriedade do senador Vitorino Freire. Devido o posicionamento questionante dos jovens intelectuais, este teve a sua concessão cancelada. Era o momento de repressão política vivida pelos intelectuais da Geração de 45 e o Maranhão dominado pela oligarquia vitorinista. (REGO, 2010) [7]

 

Como já mostrou Gonçalves (2000) [8], analisando processos de (re) invenção do Maranhão, a partir do estudo da trajetória (fabricada, deliberadamente construída, que se apresenta como natural) de Sarney no campo político e no campo intelectual, a “geração de 50” (geração de 45) idealizou o Maranhão propondo um projeto coletivo para o mesmo, tal projeto foi convertido em projeto pessoal pelo próprio Sarney. Longe de romper com o “estado dinástico”, com o velho e o retrógrado (do vitorinismo) [i], Sarney, com seu projeto “Maranhão Novo”, reinstala e reabilita aquele estado de dinastia. Longe de ser natural, “o Maranhão foi inventado e reinventado, tantas vezes quanto puderam ser construídas estratégias para tal”.

Para Silva (2013) [9], a historiografia e crítica literária local passou a denominar de “modernismo literário” no Maranhão o período de 1945 e 1950 – período etiquetado por “oligarquia vitorinista”. Tais epígrafes consagradas pela historiografia local às diversas fases da política maranhense não têm por fortuitas suas origens e podem nos fornecer importantes elementos para compreendermos os usos estratégicos da memória e das referências ao passado como forma de coesão dos grupos em torno de um passado comum reivindicado:

Envoltos pela atmosfera de disputas faccionais entre “vitorinistas” e “oposicionistas” que (de)marcaria a historiografia maranhense, os “intelectuais” da segunda metade do século XX não hesitaram em se posicionar fazendo uso de suas “vocações literárias”, dando prosseguimento à tarefa herdada dos protagonistas políticos de outrora nas lutas pela libertação do Maranhão, em direção à retomada do seu mítico passado glorioso, de exuberância econômica, política e cultural, cujo significado é constantemente reinventado conforme se rearranjam os grupos em disputa. Esta observação ganha relevância para este estudo ao percebermos que, no universo analisado, as principais posições dentre os cargos eletivos e da administração pública são ocupados por figuras proeminentes nas disputas faccionais, aliadas ao grupo dos oposicionistas, que se impôs na posição de dominante no espaço do poder político maranhense.

 

 

Menezes (2010) [10] ao traçar o perfil literário e político de dois maranhenses – de nome Ribamar: Gullar e Sarney, afirma:

 

 

Antes de receber a alcunha de intelectual, vanguardista, crítico e memorialista, Ribamar já era conhecido no meio acadêmico ludovicense antes mesmo de escrever o seu primeiro livro de poesia, pois era apadrinhado por Manuel Sobrinho (na foto, ao lado do jovem Ribamar e do jornalista Lago Burnett) que fora um dos organizadores do Centro Cultural Gonçalves Dias, uma sociedade cultural que agremiava experientes e jovens escritores de São Luís e que fora presidida por Nascimento Moraes (pai). Em 1946/7, outro Ribamar (então estudante de direito) também tentou entrar para esse clube de intelectuais, não conseguiu. Segundo Nascimento Moraes, sua produção textual foi considerada medíocre pelos mestres literários, entretanto, no mesmo ano o jovem Bandeira Tribuzi (recém-chegado de Portugal) conseguiu entrar e torna-se amigo tanto dos gonçalvinianos (que incluía também Nascimento Moraes Filhos e Lago Burnett e o primeiro Ribamar), quantos daqueles que frequentavam a Movelaria Guanabara (Belo Parga, Murilo Ferreira, Lucy Teixeira e o segundo Ribamar).

 

 

E assim partem Ferreira Gullar, Lago Burnett, Lucy Teixeira, entre outros. Ferreira Gullar quando se despede dos seus familiares, dos amigos e dos mestres, afirmando para os novos companheiros de ofício que no Maranhão não havia artes plásticas e que vivera uma fase pré-poética. Ou, como ainda confessou para a Folha de São Paulo em 2005[11]:

“Nasci em São Luís. Era uma cidade à qual as coisas chegavam cem anos depois. Para mim, os poetas estavam todos mortos. Essa era uma profissão de defuntos. Então, comecei como poeta parnasiano, com decassílabos e dodecassílabos. Só mais tarde tomei conhecimento de que havia outra poesia que não era rimada e metrificada: nenhum princípio a priori, nenhuma norma.”

 

Mais tarde, em outra entrevista, agora para a revista E (nº 77, SESC) [12], ao ser lembrado sobre uma afirmativa de Mário Faustino na qual dizia que o maranhense havia saído de São Luís e chegado ao Rio sabendo tudo de poesia e de artes plásticas, Ribamar/Gullar arrisca ser mais humilde:

[…] A cidade de São Luís continua a ser uma terra de poetas, de pessoas estudiosas e apaixonadas pela literatura, especificamente pela poesia. Quando saí de lá, eu não tinha o conhecimento sobre arte que adquiri um tempo depois. Um dos motivos de ter saído de lá foi exatamente esse. Eu era apaixonado pelas artes plásticas, e lá não havia praticamente nada de artes plásticas. Não tinha museu, salão, galeria de arte, não havia nada. Sequer havia livro sobre arte nas livrarias. O primeiro livro de arte que li era do pai de um amigo meu. […]

 

Ao que confirma o outro Ribamar/Sarney, em comentário de Menezes (2010) [13], quando fala de sua mágoa com os escritores do CCGD, em sua Coluna no jornal O Estado do Maranhão de 24/06/2007:

Mas me angustiava o atraso do Maranhão, sua mentalidade romântica e desalentada. Já, então, lera tudo sobre nosso estado, tinha a cabeça feita sobre as origens dos seus problemas. Mas não tinha com quem conversar sobre isso. Minha geração era só, como sempre acontece no Maranhão, prisioneira do brilho literário. E era para isso e por isso que nos reuníamos todas as tardes na Movelaria Guanabara, de Pedro Paiva, local também dos pintores modernos. O CCGD, cultor do beletrismo, o outro grupo de jovens literatos, não nos aceitava.”

 

Aqui permanecendo Bandeira Tribuzi no seu labor literário e no desempenho de suas atividades como economista e Nascimento Morais Filho. Para Rego (2010):

A Geração de 45 foi a mais dinâmica e determinada de todas as gerações pós-anos quarenta, como se pode observar na afirmação de Lago Burnett: “Até hoje, no Maranhão, têm surgido, depois de nós, apenas tentativas isoladas de valores autônomos. Desapareceu o espírito de equipe que, embora tenha mérito apenas episódio, facilita a deflagração de movimentos, sobretudo quando se quer mudar alguma coisa”.

[1] In VAZ, Leopoldo Gil Dulcio. BREVE OLHAR SOBRE A LITERATURA LUDOVICENSE. Introdução. (Inédito)

[2] SILVA, Franklin L. A Literatura Como Condição: apontamentos para a análise das entradas na carreira literária no Maranhão contemporâneo (1945-1964). Revista Outros Tempos, V. 8, número 11, 2011 – Dossiê História e Literatura.

SILVA, Franklin Lopes. Literatura, Polícia e Pessoalidade: lógicas cruzadas de atuação no espaço intelectual maranhense (1945-1964). Síntese da monografia de graduação em Ciências Sociais na Universidade Federal do Maranhão. 2013?, disponível em http://www.seer.ufs.br/index.php/tomo/article/viewFile/1598/1453 , acessado em 08/05/2014

[3] MORAES, Jomar. PERFIS ACADEMICOS. 3 ed. São Luis: AML, 1993

[4] https://br.noticias.yahoo.com/interior-maranh-o-para-bras-lia-154800961.html

[5] CORRÊA, Rossini. O MODERNISMO NO MARANHÃO. Brasília: Corrêa & Corrêa, 1989.

[6] Corrêa, Rossini. Formação Social do Maranhão: O Presente de uma Arqueologia. São Luis, SECMA, 1993, p.226.

[7] REGO, 2010, obra citada, disponível em http://www.guesaerrante.com.br/2010/10/13/Pagina1235.htm

[8] GONÇALVES, Fátima. A Invenção do Maranhão Dinástico. São Luís: EDUFMA-PROIN-CS. 2000

[9] SILVA, 2013?, Disponível em http://www.seer.ufs.br/index.php/tomo/article/viewFile/1598/1453 , acessado em 08/05/2014

[10] MENEZES, Flaviano. Os dois filhos do Mará – Primeira Parte. In Encontrando as Pedras XLI, Blog MARANHARTE, sábado, 10 de abril de 2010, disponível em http://maranharte.blogspot.com.br/2010/04/encontrando-as-pedras-xli-os-filhos-do.html, acessado em 08/05/2014

[11] MENEZES, 2010, disponível em http://maranharte.blogspot.com.br/2010/04/encontrando-as-pedras-xli-os-filhos-do.html, acessado em 08/05/2014

[12] MENEZES, 2010, disponível em http://maranharte.blogspot.com.br/2010/04/encontrando-as-pedras-xli-os-filhos-do.html, acessado em 08/05/2014

[13] MENEZES, 2010, disponível em http://maranharte.blogspot.com.br/2010/04/encontrando-as-pedras-xli-os-filhos-do.html, acessado em 08/05/2014

[i] O vitorinismo (1945-1966) caracteriza-se pelo domínio, da cena política estadual, de Victorino Freire, da Ocupação, contestado pelas Oposições Coligadas, que ascenderiam ao poder em meados dos anos 60, tendo início o sarneísmo; a Ocupação era acusada pelas Oposições de consolidar um projeto contrário às verdadeiras tradições maranhenses; trata-se do período de invenção da mística “Ilha Rebelde” na Greve de 1951 e de forte reatualização do mito da Atenas Brasileira. In COSTA, Wagner Cabral da. Sob o Signo da Morte: Decadência, Violência e Tradição em terras do Maranhão. 2000. 200f. Dissertação (Mestrado em História Social) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2000.

 

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