Coluna do Jorge Bento: A chama prestes a apagar-se 0comentário

 

Durante dias de passo apressado, tanta foi a doçura suspensa no ar, o Rio de Janeiro foi o Olimpo do universo.

 

A chama acesa no estádio mostrou o Sol e a Lua rompendo a escuridão da noite, trazendo a claridade da manhã e inundando de luz a jornada da Vida.

 

No Cristo do Corcovado viu-se reluzente o sonho de um sujeito de corpo, mãos e pés atados à gravidade do limo da terra, mas capaz de assumir formas de alma e, com as cordas e asas da vontade, sobrepujar o peso e a indolência do mal, erguer anseios, angústias e apelos ao céu, levitar, subir e sobrevoar o cume da ética e dignidade.

 
O Humanismo recobrou o fôlego para denunciar e afrontar os fantasmas e horrores desta conjuntura de pasmo e desolação. Contrariando o império insano da alienação, o Homem surgiu cimeiro.

 
A coreografia, sincronia, suavidade e fulgurância de cantos maviosos, de cenas e figuras radiosas e de gestos esplendorosos revelaram o filho do pecado redimido pela pureza da água, revestido da beleza da verdade e do verde da floresta, e iluminado pelo fogo da civilização, adquirindo assim teor de Humanidade e levantando voo para o divino.

 
Durante duas semanas, o nosso planeta viveu uma configuração quase perfeita da magia e do encantamento. A exibição do poder da força submeteu-se a uma liturgia da leveza, singeleza, sensibilidade e harmonia oníricas, do sábio entendimento entre os indivíduos. Não há perdedores a registar: os medalhados são heróis para reverenciar e os restantes criaturas para honrar.

 
Vieram de todas as direções, do Sul e do Norte, do Este e do Oeste; escalaram montanhas, atravessaram depressões, rasgaram trevas e abriram horizontes para ultimar a Torre de Babel e no firmamento estrelado pintar as telas e celebrar as bodas da família da Humanidade. Cantaram e dançaram como crianças feitas de fantasias e ideais, que incendeiam o espírito, enternecem o coração e humedecem os olhos. Zeus, Prometeu e Hércules surgiram irmanados; trocaram abraços e bateram palmas de contentamento. A relação entre contemporaneidade e tradição, progresso e natureza, local e universal, estranho e familiar tingiu-se de equilíbrio e sintonia, não dando azo ao caos e à cupidez da desarmonia.

 
O falcão não foi esquecido, porém a primazia coube à pomba branca e refulgente da fraternidade e da paz, a mais sublime e exaltante expressão da forma humana. Porque é a da suprema virtude do Homem: a humildade de respeitar e admirar os outros, próximos e distantes, de se espantar, inebriar e deslumbrar com as suas diferenças, grandezas e feitos.

 
Os Jogos reavivaram o sentido da sua mensagem e colocaram-no numa altura de obrigação e afeição conformes ao incitamento olímpico. Este não foi imaginado para ser descartado; pelo contrário, é para nos servir de bússola e tentarmos viver de acordo com ele. Se o seguirmos e almejarmos afincadamente os alvos que ele aponta, por certo rondaremos a perfeição e a felicidade, e ajudaremos a tecer e colorir a ilusão, o prodígio e a maravilha do Humano, a realizar o mundo idealizado: o melhor de todos e de cada um.

 
O impossível é uma invenção do demo, para nos afastar do caminho da superação e meter nas trilhas da perdição. É contra essa tentação que a chama arde, à imagem da vela que se consome e sacrifica para nos alumiar.

 
A pira do estádio está prestes a apagar-se. Mas o seu brilho flamejante jamais se varrerá da nossa lembrança. Ah, como o Rio ficou mais lindo com as tonalidades e os enredos que, doravante, acrescentam mistério ao arco-íris do samba!

 

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