O pano desceu dolente sobre a boca do palco.
Chegou ao fim a espantosa representação dos humanos, investidos na função de suplantadores dos deuses.
Olhamos incrédulos, mas é inexorável: por agora, acabou-se!
Queríamos e precisávamos tanto, mesmo tanto, de mais! Não adianta pedir bis. Os atores saíram de cena e não voltam; retiraram-se para o merecido descanso.
O sonho não se esgotou, nem fatigou; ao invés, readquiriu energias para resistir no ambiente de penumbra dos quatro anos que se vão seguir.
Estamos tão comovidos e embebecidos que não sabemos bem o que fazer: levantamo-nos para bater palmas ou para um adeus com os olhos marejados de lágrimas?
Cumprimos as duas obrigações; uma aumenta a outra.
A consciência reclama recolhimento.
Todavia, não para afogar a voz na garganta e guardar silêncio. Esta é a hora de valorar e falar; intima-nos a puxar atrás os ponteiros do relógio, a proceder a um balanço rigoroso e a enfrentar os detratores, sem concessões.
A dor de cotovelo dos impenitentes profetas da desgraça é intensa.
Mais aguda ainda é a de duas excrescências que lhes afloram na testa.
Porque os Jogos foram desportivamente notáveis, e organizacionalmente insuperáveis.
Cuidavam que a baderna seria a regra; nem sequer para a cerimónia de abertura abriam uma exceção. Saiu-lhes tudo ao contrário dos pérfidos vaticínios, mas não irão aprender a lição. A arrogância cega-os e impede de ver com um raio da razão.
O dinheiro era curto, porém sobejou a criatividade, para enviar ao mundo mensagens de universalidade: os valores da alegria, da miscigenação e da solidariedade, do respeito pela natureza limpa e pela humana diversidade. Talvez assim o poderio argentário perceba que riqueza bem maior é a da sensibilidade. E que a ganância de domínio, assente na poluição industrial, não encobre a sua extensa e confrangedora pobreza moral.
Afinal, ó astros majestáticos, tudo decorreu a beirar a utopia da perfeição! O corpo não sofreu arranhadelas, e das carteiras não desapareceu um tostão. Enquanto vós, animais raivosos, grunhis, o humilhado povo brasileiro canta e é feliz.
Perguntem aos atletas, confiáveis juízes da vera realidade: a eles os Jogos do Rio deixam uma infinda saudade. Ouviram enternecidos a língua do coração, que coloca as entranhas na palma de cada mão. Saborearam a generosidade em toda a refeição, e o calor da fraternidade nas ruas da emoção.
Com a existência de verbos açucarados ficaram surpresos e maravilhados. Desconheciam que, com palavras ao alcance geral, é possível tecer rendas de bilros e filigranas de fino metal, levantar o nada do chão, dar aos pés asas de elevação, transformar a tristeza em riso e flor e a rudeza em canto e amor. Da noite e do frio gerar dias banhados de sol e calor. E com a ironia e o humor desmoralizar a indecência e o horror.
Quando Hércules inventou os Jogos, a Grécia e Olímpia foram o berço ideal e conveniente. Para renovar o passado e transmiti-lo ao futuro, o Rio de Janeiro foi a escolha inteligente.
Doravante, “cesse tudo quanto a antiga musa canta, porque outro valor mais alto se alevanta.” Ei-lo escrito no céu com letras vivas de luz, oiro e anil. Curvem-se as potestades perante a grandiosidade do Brasil!
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