CONSTRUÇÃO DE UMA ANTOLOGIA DE TEXTOS DESPORTIVOS DA CULTURA BRASILEIRA: PROPOSTA E CONTRIBUIÇÕES

 

LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ; DELZUITE DANTAS BRITO VAZ

 

 

Resumo

Através do resgate e do registro de manifestações culturais esportivas na literatura brasileira, procura-se reconstruir a história do esporte, do lazer e da educação física no Brasil. A exemplo do que acontece em França, Itália, Espanha e Portugal, propõem-se reunir textos literários da cultura brasileira, com o objetivo de reconstituir a trajetória do esporte em nosso país, com a construção de uma antologia brasileira de textos esportivos.

Palavras-chave: Educação Física. Esportes. Literatura. História

Abstract

Through the rescue and the registration of sportive cultural manifestations in brailian literature, one tries to reconstruct the history of sport, leisure and physical education in Brazil. From the example of what happens in France, Italy, Spain and Portugalit is proposed to gather in our country, with the construction of a brazilian anthology of sport texts.

Key-words: Physical Education. Sports. Literature. History.

 

Introdução:

Em 1994, o Ministério da Educação e do Desporto – MEC – constituiu Grupo de Trabalho (MEE/INDESP, 1996) para elaborar a aproximação conceitual de Esporte e Cultura, iniciando-se, no Brasil, uma discussão sobre “Esporte de Criação Nacional”. Com a identificação do problema conceitual, se fez necessário desenvolver a dissecação do título. No instante em que se separa a idéia “Esporte” de um lado e “Criação Nacional” de outro, percebe-se a possibilidade de um desdobramento fértil. Enquanto o “esporte” pode ser entendido como um jogo, uma brincadeira, uma dança, um ritual, etc., o atributo de “criação nacional” por sua vez, pode ser entendido como de “Criação Cultural”, ou com “Identidade Cultural” (SANTIN, 1996).

SILVA (1987), ao levantar a questão da perda dos valores culturais e da identidade cultural, afirma que somos um povo mesclado pelas mais diversas influências raciais, cujos traços são refletidos nas mais variadas formas de expressão artística:

“Neste aspecto, é importante relembrar que os jesuítas foram os primeiros a transformar os hábitos culturais dos nossos índios, obrigando-os, pelo processo de catequese, a aprenderem os hinos e os sermões da Igreja Católica e, justamente com isso, os falsos preceitos de pecado e moral.

“Assim como os índios, nossos irmãos escravos, vindos da África, sofrendo sob as garras da opressão dos senhores de engenho, tiveram de fazer seus cultos e brincadeiras às escondidas, sob a ameaça dos chicotes. Em suma, a cultura ibérica, através dos portugueses, infiltrou-se e aculturou-se na nossa realidade, clima e vegetação.

“Sobre a questão da perda dos valores culturais, é importante deixar claro que a nossa atitude passiva de receptores de outras culturas é histórico, pois até hoje guardamos o peso dessa herança advinda da colônia que parece ainda não ter passado…”. (p. 20-21)

 

Considera, ainda, que a perda da identidade cultural traz como conseqüência a minimização da criatividade popular, tornando, assim, a sociedade imitativa e caricaturista de valores culturais estrangeiros, com o que concordam DIECKERT; KURZ & BRODTMANN (1985) quando afirmam que no Brasil deve haver uma educação física brasileira e critica o modelo internacional do esporte corporal do povo brasileiro, que possui a capoeira como uma das maiores riquezas, além de outros jogos, danças e ritmos. DIECKERT (1987) destaca ainda o quanto é importante que essas manifestações sejam resgatadas, para não se transformarem em peças de museu.  Da mesma forma, Manuel Sérgio VIEIRA E CUNHA (1985), ao analisar um tipo de esporte baseado na cultura, enfatiza o significado dos jogos tradicionais das diversas formas de desporto popular e ainda das pequenas agremiações locais, que cedem lugar ao imperialismo do desporto-instituição, reprodutor e multiplicador das “taras do ter”.

Para SILVA (1987), a perda desses valores levou a sociedade a explorar o corpo dos cidadãos como se fosse objeto e não sujeito, imprimindo-lhe gestos e movimentos ginástico-desportivos padronizados, reduzindo o acesso às danças e aos jogos da lúdica popular e resultando na perda da ludicidade, que deve ser compreendida como o estado de espírito que dispõe o homem a ser alegre e brincar livremente.

O primeiro grande impasse surge quando se pergunta o que se entende por esporte e por lazer, dada a abrangência dos termos. Deve-se entender como esporte apenas as atividades lúdicas praticadas sob a orientação da ciência e da técnica? Apesar do costume vigente de tratar o esporte, o jogo e o brinquedo como três categorias distintas de atividades, não restam dúvidas de que se pode unificá-las sob o manto da criação cultural, embora reflitam valores culturais diversificados (HUIZINGA, 1980; SILVA, 1987; SANTIN, 1996; DAMASCENO, 1997).

O esporte, como tema literário, aparece pela primeira vez com Píndaro, embriagado pelos feitos atléticos dos campeões olímpicos:

“Durante a realização dos Jogos, desaguavam em Olímpia tudo o que na Grécia havia de artístico, filosófico e desportivo. Os poetas escancaravam o que lhes medrava na alma, os sofistas dialogavam com auditórios eruditos e os atletas competiam entre sí. Enfim, arte, filosofia e desporto num conúbio que muito enriqueceu a literatura grega. Já Homero poetizara as corridas de carros, mas literatura centrada no desporto… foi Píndaro o primeiro” (VIEIRA E CUNHA & FEIO, s.d: 9).

 

Depois dele, muitos outros. “E no gaiato tagarelar das ruas de Atenas, o desporto nascia como verdadeiro fenômeno cultural”. Virgílio, Horácio, Tíbulo, Propércio, em Roma; Dante e Petrarca, na Idade Média; Rebelais, Cervantes, Camões, Francisco de Quevedo, Jeronimo Mercurialis, Rousseau, na Idade Moderna. VIEIRA E CUNHA & FEIO (s.d.) justificam a feitura de uma antologia portuguesa de textos esportivos afirmando que o desporto, ao contrário do senso-comum que se tem dessa manifestação, não se resume a “uma atividade meramente corporal que, no setor da ciência, se confunde com a Medicina, no campo da convivência, com a expresso apaixonada da agressividade natural e manifestando o mais redondo desconhecimento pelo mundo da cultura” (p. 7). Afirmam ser o desporto uma pujante afirmação de cultura; uma síntese original de criação artística e de contemplação estética; um meio de educação e de comunicação de excepcional valia; e um “fenômeno social capaz de concorrer à Paz, à Saúde, à Tolerância, à Liberdade, à Dignidade Humana” (p. 8):

“Ainda integrado na luta pela compreensão do desporto, permitimo-nos recordar que a Cultura Física é uma Ciência do Homem e como tal deve ser analisada, estudada, praticada, difundida e… defendida! Daí que, ao nível da interdisciplinaridade com outros ramos do saber, não seja demasiado encarecer quanto à educação física e os desportos dialecticamente se relacionam, quer com as outras Ciências do Homem, quer com as Ciências da Natureza e as Ciências Lógico-Dedutivas…” (VIEIRA E CUNHA & FEIO, s.d.: 8).

 

Também na Literatura Brasileira é significativa a presença de escritores a evidenciarem uma simpatia pela prática desportiva. O objetivo deste estudo é o de, articulando-se o trabalho de investigação e o trabalho de resgate, recuperar e organizar fontes literárias e documentais, procurando reagrupá-las, tornando-as pertinentes, para constituírem um conjunto através do qual a memória coletiva passe a ser valorizada, instituindo-se em patrimônio cultural (FAVERO, 1994).

 

A Atenas brasileira

Na literatura dos viajantes, ABBEVILLE (1975:236) foi quem primeiro registrou, no Maranhão, as atividades dos primitivos habitantes da terra. Para esse autor é por não terem ambições materiais que os índios da Ilha do Maranhão têm na dança o primeiro e principal exercício; além da dança, têm como exercício a caça e a pesca. Já SPIX e MARTIUS afirmam serem os Jês hábeis nadadores, havendo o registro de serem também grandes corredores:

“… timbiras de canela fina (corumecrãs)… famosos pela velocidade na corrida, esses índios enrolavam suas pernas com fios de algodão que acreditavam afinar-lhes as pernas e proporcionar-lhes leveza para correr…” (citados por CALDEIRA, 1991:77-78).

 

A literatura maranhense tem início com o surgimento da imprensa. RAMOS (1986), escrevendo sobre o seu aparecimento no Maranhão registra, no período colonial, que “… jornalista era o magnífico João Tavares com sua ‘Informação das recreações do Rio Munin do Maranhão’…”. No período imperial registra-se o aparecimento de inúmeros jornais políticos e literários, coletâneas de poesia e de peças teatrais, sendo publicados entre 1821 e 1860, 183 jornais (RAMOS, 1986, 1992), a grande maioria de caráter político.

Os jornais com objetivo de recrear – de caráter literário, recreativo, científico e/ou instrutivo – foram: a “Folha Medicinal”, de 1822; oMinerva”, de 1827; “A Bandarra”, 1828.  Apenas esses dois últimos, dos 21 jornais do período de 1821 a 1830 dedicaram-se a divulgar literatura. Alguns periódicos tiveram contribuições de Sotero dos Reis, Odorico Mendes, João Lisboa (RAMOS, 1986). RAMOS (1992) ainda registra o aparecimento em 1831, do  “Atalaia dos Caiporas”; em 1839, do  “O Recreio dos Maranhenses”; 1840, de “A Revista”;  “O Jornal Maranhense” aparece em 1841. Periódico oficial, trazia como epígrafe uma frase de Tímon: “a verdadeira educação de um Povo livre faz-se nos jornais”. De 1842, são o “Museu Maranhense”, ” O Publicador Maranhense”; de 1845, o “Jornal de Instrução e Recreio”,. “O Almazém”; de 1846, O Arquivo Maranhense”, contando com Gonçalves Dias, ainda jovem e interessado em teatro, dentre seus colaboradores. Escreveu em seu primeiro número: “Fiéis ao nosso programa, o nosso fim continua a ser – a Instrução e o Recreio -…” (RAMOS, 1992: 121). De 1849, a “Revista Universal Maranhense”. O “Jornal de Tímon”, publicado em fascículos de 1852 a 1854, foi, no dizer de  Viveiros de Castro (citado por RAMOS, 1992),  “revista literária, de publicação mensal, na qual João Francisco Lisboa conquistou muito justamente a nomeada de um dos primeiros prosadores da língua portuguesa” (p. 189). Ainda desse ano de 1852, “A Marmotinha”. Nos anos seguintes aparece “A Violeta” (1853); “O Botão de Ouro” e “A Sentinela” (1854); de 1855 é o “Diário do Maranhão”; em sua edição de 23.10.1855, número 41, é informado que “tivemos a satisfação de ler um novo jornal recreativo intitulado “A Saudade”, dedicado ao belo sexo maranhense”. (RAMOS, 1991: 213). De 1857 éA Estrela da Tarde”; de 1858, o “Jornal do Comércio. O “Verdadeiro Marmota”, jornal literário, foi saudado, em 1860, nestes termos elogiosos: “reaparece este interessante jornal, depois de ter por algum tempo, pela indolência e lassidão, que geralmente ataca os jornais recreativos nesta província…” (citado por  RAMOS, 1992:237).

Em 1860, contando com uma população de 35 mil pessoas, São Luís tinha matriculado em suas escolas primárias 2 mil rapazes e 400 moças e no secundário, 180. Esses poucos números mostram que era muito reduzido o número de pessoas que acediam à leitura. O ensino primário havia se desenvolvido desde a independência. Em 1838 é inaugurado o “Liceu Maranhense”, dirigido pelo famoso gramático Francisco Sotero dos Reis. O Liceu passou a substituir os preceptores dos filhos da burguesia comercial e da oligarquia rural (MÉRIAN, 1988). No entender de Dunshee de Abranches, a fundação desse colégio, logo seguido do colégio das Abranches, do Colégio do Dr. Perdigão e de tantos outros, contribuiu para com o progresso da educação mental da juventude, levando o Maranhão tornar-se, de fato e de direito, a Atenas brasileira.

 

Dois autores maranhenses

Dunshee de Abranches

João Dunshee de Abranches Moura nasceu à Rua do Sol, 141, em São Luís do Maranhão. Advogado, polimista, historiador, sociólogo, crítico, romancista, poeta, jornalista, parlamentar e internacionalista. Dentre seus escritos, destaca-se a trilogia constituída pelo “A Setembrada”, “O Captiveiro”, e “A Esfinge do Grajaú” (GASPAR, 1993).

Em “A Setembrada”, escrita sobre a forma de romance histórico, relata de forma viva e humana a face maranhense da Revolução Liberal de 1831. Publicado em 1933, confere uma atuação de primeiro plano a dois ascendentes seus: Garcia de Abranches, seu avô e Frederico Magno de Abranches, seu tio. Referindo-se ao Fidalgote, como era conhecido Frederico Magno, seu sobrinho relembra que:

“… Os dois namorados [Frederico e Maricota Portinho] tiveram assim, momentos felizes de liberdade e de alegria, fazendo longos passeios pelos bosques, em companhia de Milhama, ou passando horas inteiras a jogar a péla de que o Fidalgote era perfeito campeão” (DUNSHEE DE ABRANCHES, 1970:31).

 

GRIFI (1989), ao se referir aos jogos de bola, encontrou que Galeno, “o famoso médico grego”, recomendava tal prática para fins higiênicos e até mesmo escreveu um tratado específico sobre “o jogo da pequena bola”. Mas os jogos de bola, na Grécia, já aparecem nos poemas homéricos (p. 68). Mais adiante, afirma que nos séculos XIV, XV, e XVI destacou-se mais que os outros os jogos da bola, que se se fundiu às manifestações folclorísticas, no novo contexto das estruturas renascentistas:

“Na França, particularmente, a bola (de dimensões maiores da normal), nascido no tardo-medievo, como instrumento de contenda incruenta, torna-se momento lúdico e agonístico, aberto a todos. Os jogos mais conhecidos são a paume, o pallone, a soule, a crosse, aos quais seguiram-se, na Itália, o calcio-fiorentino, o pallone al bracciale, a pallacorda, a palla al vento, a palla-maglio, o tamburello (…) A paume (jeu de paume) consiste em bater a bola com a mão e substituiu os ludus pilae cum palma romano; conhecido já no século XII foi jogado melhor no período sucessivo, até dar vida ao atual tênis. “ (p. 188).

 

O “O Captiveiro”, não é apenas um livro de memórias. Escrito em 1938 para comemorar o cinqüentenário da abolição da escravatura e o centenário da Balaiada, trava-se, na verdade de registros de acontecimentos políticos e sociais do Maranhão (GASPAR, 1993). Numa de suas passagens, descreve as lutas entre brasileiros (cabras) e portugueses (puças), republicanos e monarquistas, abolicionistas e negreiros, que para defenderem seus ideais, passam a criar periódicos e grêmios recreativos de múltiplas denominações para defesa de seus ideais. Dessa mania surge a “Arcadia Maranhense”, e de uma sua dissidência, a “Aurora Litteraria”. Para ridicularizar os membros desta última, aparece um jornaleco denominado “Aurora Boreal”: “… só faltava fundar-se o Club dos Mortos. E justificou [Raymundo Frazão Cantanhede] tão original proposta dizendo que, se tal fizéssemos, iríamos além dos positivistas: ficaríamos mortos-vivos e assim seríamos governados por nós mesmos”. (ABRANCHES, 1941:174). O Clube dos Mortos reunia-se no porão da casa dos Abranches, no início da Rua dos Remédios, conforme relata Dunshee de ABRANCHES (1941) em suas memórias:

“E como não era assoalhado nem revestido de ladrilhos, os meus paes alli instalaram apparelhos de gymnastica e de força para exercícios physicos (…) E, não raras noites, esse grupo juvenil de improvisdos athletas e plumitivos patriotas acabava esquecendo os seus planos de conjuração e ia dansar na casa do Commandante Travassos … Apezar de só ter uma filha, agasalhava na sua hospitaleira residência uma parentella basta e jovial, em que superabundava o sexo frágil. Não faltavam pianistas, violinistas, e cantores nesse grupo variegado de moças casadeiras e gentis. Os saraus ali se succediam desde as novenas de N. S. dos Remédios á véspera de Reis. Era que, todos os annos, a família Travassos armava um presépio. Os ensaios das Pastorinhas iniciavam-se desde fins de Outubro; e, depois delles fatalmente seguiam-se dansas até á meia-noite…”. (p. 187-188).

 

Nessa mesma obra, Dunshee de ABRANCHES (1941) lembra que o “Velho Figueiredo, o decano dos fígaros de São Luís” (p. 155), mantinha em sua barbearia – a princípio na Rua Formosa e depois mudada para o Largo do Carmo – um bilhar, onde

“ahí que se reuniam os meninos do Lyceo depois das aulas, e, às vezes, achavam refúgio quando a polícia os expulsava do pátio do Convento do Carmo por motivos de vaias dadas aos presidentes da Província e outras autoridades civis e militares. Essas vaias era quasi diárias…”. (p. 157).

 

Em “A Esfinge do Grajaú”, também livro de memórias (ABRANCHES, 1993), deparamo-nos como uma abordagem eminentemente política, tendo como pano de fundo as teses republicanas (GASPAR, 1993). Lembra dos passeios a cavalo que fazia pelas manhãs, acompanhando o Dr. Moreira Alves, então Presidente da Província:

“… Adestrado cavaleiro, possuindo um belo exemplar de montaria, incumbira-se ele (Anacleto Tavares) na véspera de conseguir para o ilustre político pernambucano um valente tordilho, pertencente ao solicitador Costa Santos e considerado o mais veloz esquipador da capital. Para fazer frente a esses reputados ginetes, Augusto Porto, meu futuro cunhado e sportman destemido, havia-me cedido o seu Vesúvio… Moreira Alves ganhara logo fama de montador insigne… o novo Presidente da Província conhecia a fundo a equitação… Para o espírito estreito de certa parte da sociedade maranhense, afigurava-se naturalmente estranho que fosse escolhido para ocupar a curul presidencial da Província um homem que se vestia pelos últimos figurinos de Paris, usava roupas claras, gostava de fazer longos passeios a pé pelas ruas comerciais…”. (p. 16-17).

 

Aluísio de Azevedo

Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo nasceu em 14 de abril de 1857 em São Luís do Maranhão. Em sua infância e adolescência foi caixeiro e guarda-livros, demonstrando grande interesse pelo desenho. Torna-se caricaturista, colaborando em “O Fígaro”, “O Mequetrefe”, “Zig-Zag” e “A Semana Ilustrada”, jornais do Rio de Janeiro. Obrigado a retornar ao Maranhão, em 1878, pela morte do pai, abandona a carreira de caricaturista e inicia a do escritor. Publica em 1879 “Uma lágrima de mulher”. Com a publicação de “O Mulado”, em 1881, introduz o Naturismo no Brasil. Publica, ainda : Memórias de um condenado (1882); Mistério da Tijuca (1882); Casa de Pensão (1884); Filomena Borges (1884); O Homem (1887); O Coruja (1990); O Cortiço (1890); Demônios (1893);  A Mortalha de Alzira (1894); Livro de Uma sogra (1895). Em 1895, abandona a carreira de escritor e torna-se diplomata (AZEVEDO, 1996).

Aluísio Azevedo, em conto autobiográfico, afirma que, aos doze anos, estudante do Liceu, havia uma coisa verdadeiramente série para ele: “era brincar, estabelecendo-se entre minha divertida pessoa e a pessoa austera de meus professores a mais completa incompatibilidade”. Narra as estripulias da época, em companhia dos amigos de infância:

“Criado a beira-mar na minha ilha, eu adorava a água. Aos doze anos já era valente nadador, sabia governar um escaler ou uma canoa, amarrava com destreza a vela num temporal, e meu remo não se deixava bater facilmente pelo remo de pá de qualquer jacumariba pescador de piabas.” (citado por MÉRIEN, 1988: 47).

 

Um dos fundadores de “O Pensador” (1879), jornal anticlerical, publica várias crônicas onde traça um perfil da mulher maranhense, e sua condição de mulher em uma sociedade escravocrata, cujo papel reservado era apenas o de mãe. Compara a mulher da burguesia maranhense à lisboeta desocupada, denunciando o ócio em que viviam. Como igualmente denunciava “o ócio dos padres que viviam do trabalho de pessoas honestas e crédulas” (MÉRIEN, 1988:158), sendo estes, os padres, também “culpados pelo atraso da instrução pública” (p. 159).

Aluísio considerava que todo o mal vinha do ócio e da preguiça das mulheres e apenas uma mudança na educação e na concepção do casamento poderia permitir a realização da mulher:

“Do procedimento da mulher (…) depende o equilíbrio social, depende o equilíbrio político, depende todo o estado patológico e todo o desenvolvimento intelectual da humanidade (…) Para extinguir essa geração danada, para purgar a humanidade desse sífilis terrível, só há um remédio: é dar à mulher uma educação sólida e moderna, é dar à mulher essa bela educação positivista, que se baseia nas ciências naturais e tem por alvo a felicidade comum dos povos. É preciso educá-la física e moralmente, prepará-la por meios práticos e científicos para ser boa mãe e uma boa cidadã; torná-la consciente de seus deveres domésticos e sociológicos; predispor-lhe o organismo para a procriação, evitar a diásteses nervosa como fonte de  mil desgraças, dar-lhe uma boa ginástica e uma alimentação conveniente à metiolidade de seus músculos, instruí-la e obrigá-la principalmente a trabalhar… “. (Aluísio AZEVEDO, Crônica, “O Pensador”, São Luís, 10.12.1880, citado por MÉRIEN, 1988:166,  167).

 

O mesmo tema é retomado quando da publicação de “O Mulato”, criando-se enorme polêmica na imprensa, ora acusando o autor, ora vozes se levantando para defendê-lo acerca de sua posição sobre a condição feminina. Aluísio tinha consciência que parte dos leitores em potencial era constituída pelas mulheres da pequena burguesia portuguesa e maranhense da cidade e pelas filhas dos fazendeiros que encontravam na leitura uma diversão contra o tédio que pesava sobra a vida cotidiana e ociosa que tinham. No entender de MÉRIEN (1988), os discursos de Raimundo sobre a condição feminina, o papel da esposa e da mãe na educação das crianças, são dirigidos mais a elas do que a Manuel Pescada:

“O senhor tem uma filha, não é verdade? Pois bem! Logo que essa filha nasceu o senhor devia ter em vista prepará-la para vir a ser útil… dar-lhe exercícios, alimentação regular, excelente música, estudos práticos e principalmente bons exemplos; depois evitar que ela fosse como é de costume aqui, perder nos bailes o seu belo sono de criança…”. (Aluizio AZEVEDO, O Mulato, 1881).

 

Dois amigos de Aluísio Azevedo, Paulo Freire e Luís de Medeiros, fazem publicar cartas sob pseudônimo – Antonieta (carta a Julia, “Diário do Maranhão”, São Luís, 6.6.1881) e Júlia (carta a Antonieta, “Pacotilha”, São Luís, 9.6.1881), respectivamente – falando “de suas impressões e do impacto que o livro lhes causara” sobre a condição de vida de Ana Rosa, que lembrava a vida que as mocinhas maranhenses levavam (MÉRIEN, 1988:291).  Julia/Luís de Medeiros faz longas considerações sobre a condição da mulher maranhense, “lastimando-se da educação retrógrada que recebera em sua família e no colégio” (p. 290), onde fora do português, não se ensinava mais nada às moças além de algumas noções de francês, de canto, de piano e de bordado. Para ela, “a falta de exercícios físicos é a origem das perturbações do sistema nervoso que atingem a maioria das moças maranhenses” (p. 290).

A preocupação social é um traço marcante na obra de Aluízio, que buscava, com aguda capacidade de observação, compreender científicamente os elementos determinantes da realidade do Brasil. Em “O Mulato”, faz uma descrição permenorizada dos costumes da São Luís nos idos de 1880, época em que aparece seu romance:

“As crianças nuas, com as perninhas tortas pelo costume de cavalgar as ilhangas maternas, as cabeças avermelhadas pelo sol, a pele crestada, os ventres amarelentos e crescidos, corriam e guinchavam, empinando papagaios de papel.” (p. 9).

 

Conclusão

A literatura ajuda-nos a compreender melhor o mundo que nos cerca, quando descreve a sociedade em que a história se passa. Pode ser usada como fonte de pesquisa, ao se identificar, na narrativa, as manifestações de caráter esportivo, recreativo e de lazer.

Buscou-se em dois autores maranhenses – Aluízio Azevedo e Dunshe de Abranches – trechos em que se referem à cultura corporal no Maranhão, no século XIX, com o objetivo de reconstituir a trajetória do esporte em nosso país, com a construção de uma antologia brasileira de textos esportivos.

 

 

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