CONVERSANDO COM MESTRE PATINHO

 

Conversando com Antônio José da Conceição Ramos,

o MESTRE PATINHO[1]

Jornal do Capoeira – http://www.capoeira.jex.com.br/ Edição 63 – de 05 a 11/Mar de 2006

 

No dia 26 de fevereiro de 2006 estivemos – Loreta e eu – na casa de Mestre Patinho, em plena Madre Deus. Entrevista marcada para as 09:00 horas de la mañana, de um domingo de carnaval! Chegamos e Patinho, também: estava chegando da folia. Para quem conhece São Luis do Maranhão, a Madre-Deus (Bairro) e Carnaval de São Luis, sabe o que isso significa. Realmente um grande “sacrifício” do Mestre.

Loreta, minha filha, está se formando em Economia, pela UFMA; como já anunciado, sua monografia de graduação versará sobre Economia e Capoeira: a capoeira como formadora de renda; seu impacto na economia ludovicense (Anexo III). Seu orientador, Felipe de Holanda, ainda não se decidiu se é Capoeira ou se é Economista, ou vice-versa… É aluno de Patinho…

Da mui proveitosa entrevista com Mestre Patinho (foto 1), capturamos o seguinte:

–    Capoeira é um jogo corporal, é um diálogo – a rasteira é um choque, é preciso um corpo rítmico para ser bem dada;

–     Capoeira é fundamento, três alturas, três distancias, três ritmos…

–    Capoeiragem: jogo estratégico para a guerra – é um jogo de xadrez;

–     Quando conheci a Capoeira (anos 60), não era profissão, não havia possibilidade de viver da capoeira; aprendi a capoeira do Rio de Janeiro, com Jessé Lobão, aluno de Djalma Bandeira (foto 2), e com Sapo, meu Mestre…

–      Bimba não criou um estilo, ele criou um método: para se afirmar na “chamada de Angola” para disfarçar o jogo estratégico – passa-dois, balão cinturado – malícia, jogo de malícia, jogo de transformação, jogo de cintura: oitiva, rústica…

–      Hoje, a Capoeira é uma mesmice, se transformou em uma ginástica coreografada – vi um aulão, com mais de 500 alunos, todos repetindo o movimento… Lembra àquelas aulas de calistenia, aquelas apresentações de ginástica, de antigamente? As aulas de educação física do Exército? Isso não é Capoeira …

–     A Angola… É autodefesa, busca do diálogo corporal, é transformação, jogo de dentro, você encontra a sua altura, o seu jogo, sua dimensão; é diferente da capoeira do pós-modernismo; capoeira é matemática; é história; é geografia… Tem que estar em contato, é comunhão, todo dia…

–     No jogo estratégico, não pode baixar a guarda; deve-se respeitar o oponente; mesmo que o adversário não saiba jogar, o bom Capoeirista joga mesmo com quem não sabe, e o faz jogar, gingar…

–     Maçonaria x Capoeira – 0 a 9, infinita forma.

–     Não existe uma capoeira, Angola, Regional, cada jogador tem a “sua Capoeira”…

–     A Capoeira é uma arte-cultura esportiva que mais representa este País…

–    O Capoeira não procura emprego – procura trabalho, realiza um trabalho…

–     Não consigo sobreviver da Capoeira, sou um artista de rua, sou um mestre, hoje me aceito como mestre, pois estudo os ritmos maranhenses – são 37… – o boi, o teatro, a ginástica, a educação física, a lateralidade, a psicomotricidade, a música; para ser mestre da capoeira, tem que ser um Doutor…

–    Diálogo da Trilogia:

  • Angola – gunga
  • São Bento Pequeno – viola
  • São Bento Grande – violinha

 

São células na mesma cadência que preenchem o espaço melódico – pulsação;

A roda tem regência…

O Traíra (Mestre), no local de Angola, fazia Santa Maria; quando chega em São Bento grande, fazia cavalaria …

–     A teoria não vale nada, se não inserida na prática…

–     A grande dificuldade é a música, a musicalidade da capoeira; muitos me criticam por ensinar música, teoria musical, para se cantar as ladainhas, as chamadas… Mas é preciso, é necessário entender os toques, saber quando e como entrar, os tons, a harmonia; assim como o texto, saber o que esta cantando, não apenas repetir um som… É necessário entender a letra, o que canta, é preciso ter conhecimento…

–     Capoeira, hoje, é arte de negro, esporte de branco…

Capoeiristicamente,

 

Leopoldo Vaz, São Luis – Carnaval Maranhense de 2006

Professor de Educação Física

Mestre em Ciência da Informação

 

 

 

Do Livro-Álbum dos Mestres de Capoeira de São Luís do Maranhão

MESTRE PATINHO

ANTONIO JOSÉ DA CONCEIÇÃO RAMOS –

Antonio, de Santo Antonio,

José, de São José,

                                Conceição, de Nossa Senhora da Conceição,

Ramos, de Domingo de Ramos…”

 

ESTILO: Capoeiragem; Contemporâneo (Josué).

MESTRE: Mestre Sapo

NOME: Antonio José da Conceição Ramos

FILIAÇÃO: Djalma Estafanio Ramos e Alaíde Mendonça Silva Ramos

NASCIMENTO: São Luis do Maranhão – 14/09/1953

ENDEREÇO: São Pantaleão, 513, Centro, 65000-000 TELEFONE: (098) 9968-2525

EMAIL: mestrepato@uol.com.br

ACADEMIA: Escola Centro Cultural Mestre Patinho

RESUMO DE VIDA: Foram os movimentos da capoeira, a ginga que o encantou aos nove anos. Vendo como um rapaz jogava, passou a imitá-lo. O Mestre Sapo foi quem o ensinou e o graduou. Observando, que seu conhecimento muito restrito, foi estudar a capoeira na Bahia, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. Trabalhou no Ginásio Costa Rodrigues, na Academia Senzala. A capoeira o influenciou a ser um ginasta (olímpica); e um dançarino pelas escolas Pró-dança, Lítero e Gladys Brenha. Hoje divulga capoeira no Laborarte e em sua escola Centro Cultural Mestre Patinho.

 

Entrevista concedida a Manoel Maria Pereira

Tinha medo dos meus amigos, pois apanhava cascudo, rasteira, todos da mesma idade simplesmente porque tinha o corpo raquítico, tudo isso os nove anos de idade.

Por coincidência bem aqui na Quinta, bem no SIOGE. Década de 60 era um grande reduto da capoeira principalmente na São Pantaleão onde nasci.

Pois bem, um amigo que tinha recém chegado do Rio de Janeiro, Jessé Lobão, que treinou com Djalma Bandeira na década de 60, Babalú, um apaixonado pela capoeira, outro amigo que era marinheiro da marinha de Guerra, também aprendeu com o mestre Artur Emídio do Rio, Roberval Serejo; juntamos Jessé, Roberval Serejo, Babalú, Artur Emídio e eu formamos a primeira academia de capoeira, Bantú, e estava sem perceber fazendo parte da reaparição da capoeira no Maranhão. Também participou Firmino Diniz e seu mestre Catumbi, preto alto descendente de escravo. Firmino foi ao Rio e aprendeu a capoeira com Navalha no estilo Palmilhada e com elástico, nos repassando.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Daí por volta de 62 e 63 esteve aqui em São Luís o Quarteto Aberrê com o mestre Canjiquinha e seus discípulos: Brasília, hoje Mestre Brasília, que mora em São Paulo; e o nosso querido Mestre Sapo; Vitor Careca. Quando Vitor Careca e seus amigos chegaram aqui em São Luís não foram bem sucedidos.

Por sorte do grupo, na Praça Deodoro, na apresentação, estava assistindo o Mestre Tacinho, que era marceneiro e trazia gaiola. Era campeão sul-americano de boxe no estilo médio ligeiro e gostava da capoeira. Vendo que o grupo tinha um total domínio da capoeira, apresentavam modalidades circenses, mas ligadas a capoeira, como navalha, faca, etc. Tacinho convidou-os para uma apresentação no Palácio do Governo, pois era motorista do Palácio. O Governador da época era Sarney, gostando muito da apresentação, convida um deles para ministrar aula de capoeira no Maranhão, pois não foi possível porque eram menor de idade.

 

 

Anos depois, Mestre Barnabé (Mestre Sapo), Anselmo Barnabé Rodrigues, volta ao Maranhão.

Por volta de 66 ou 67, está tendo uma roda de capoeira no Olho d Água com o Mestre Sapo, coincidentemente estando na praia, entrei na roda, conheci o Mestre Sapo e nos tornamos amigos e comecei a estudar com eles. Através do Professor Dimas.

Como a capoeira era mal vista na época e cheia de preconceito, parti para a Ginástica Olímpica, volto para a capoeira e participo com o Mestre Sapo do 1º e 2º Troféu Brasil e fomos campeões, eu no peso pluma e Sapo no peso pesado. Identifiquei-me pela capoeira e fui para Pernambuco, Bahia e São Paulo, estudar capoeira.

Eu recebi muita influência de Mestre Sapo, Artur Emídio, Catumbi e Djalma Bandeira que todos foram alunos de Aberrê.

Quando eu conheci Sapo, eu me defini no estilo Capoeiragem da Remanecença (sic), fundamentada. Eu vivo do fundamento de que, apesar de ser baixo, mas na capoeira se vive pela altura. Existem três alturas, três distâncias e três ritmos.

O termo capoeira vem do chapéu que os mercadores usavam para vender seus produtos, com abas longas, botavam sues produtos dentro do chapéu, e com berimbau na mão vinham a chamar a atenção.

Eu quero deixar uma ressalva na entrevista. A capoeira por ser um jogo de guerra, o golpe estratégico era o disfarce. O Capitão-Do-Mato, quando ia prender o negro que fugia das senzalas, e via o negro “gingar”, dizia: “Preto ta disfarçando de angola”, quando investia pegava um pontapé ou uma rasteira. O risco que tem pela perca (sic) dos fundamentos pelo grau de dificuldade de execução ou falta de conhecimento. Temos que ter forma de viver e formas e meios de sobreviver.

A capoeira saiu dos quilombos e hoje está nos shoppings. Digo, querem transformar a capoeira em jogo de competição que é um risco. A capoeira tem golpes perigosos que pode até matar. A facilidade que você aplica um golpe mortal é muito grande.

No século XIX, em Tutóia, Caxias, Pindaré e Codó se vê a capoeira com influência bahiana, só se vê na forma capoeiragem, no folclore, como o Boi da Ilha, por exemplo. O caboclo de pena, pela sua malicia, seu gingado e vadiagem em estilo defensivo da capoeira. O miolo do boi, que é a pessoa que fica debaixo do boi, pela forma de artimanha utilizando na coreografia de luta. No tambor de crioula, não só pelos componentes, mas pela primeira colocação antropóloga (sic) afinado a fogo, tocado a muque, e dançado a coice, que vem provar a chamada pernada.

Casei-me, aumentando o meu ensino voltado para academias, me separei indo ministrar no Bom Menino, voltando para a dança, também para o Lítero e depois para o [Colégio] Gladys Brenha e percebi que não tinha nada a ver com academias  e fundei a primeira escola de capoeira do Maranhão, que foi a escola de capoeira do Laborarte. O último trabalho que realizei aberto ao público foi “Quem nunca viu, venha ver”  e outros que me deram prêmios, como a gravação de um CD. Hoje tenho minha forma de ensinar, buscando sempre a forma indígena que tem na capoeira, pois estudei com os índios samangó – só o berimbau dos instrumentos participa e tem uma só batida de marcação iúlna (sic) – a batida do berimbau é mudada e tem uma formação de entrada dos instrumentos. O Mestre chama, colocando ritmo e ordenando a entrada de cada instrumento – agogô, atabaque, berimbau contrabaixo, berimbau viola, berimbau violinha, reco-reco e pandeiro; entra também as palmas.

Santa Maria – uma batida que diferencia das outras duas é que tem duas batidas de marcação, sempre acompanha com as palmas.

Marvana – com três palmas

Caudaria – com dois toques e três batidas

Samba de roda – neste ele explica que não precisa tocar bem, pois cabe a cada um o seu interesse pelo aperfeiçoamento.

Angola – é mais compassada e cheia de ginga.

Cabe ressaltar que a “iúna” é destinada a recepção de pessoas na roda e momentos fúnebres.

Ladainha – é uma louvação a Deus e as formas de vida e espírito que queiram citar.

O mestre não participa da roda, ele coordena, ensina, dando ritmo e puxando as músicas.

 

Mestre Pato ou Patinho

ANTÔNIO JOSÉ DA CONCEIÇÃO RAMOS

 – MESTRE PATINHO[2]

 

Nasceu em 1953, tendo como seu grande Mestre o Sapo – Anselmo Barnabé Rodrigues. Patinho, além da capoeira, praticou ginástica olímpica, sendo aluno de Dimas, e judô.

Aos nove anos, franzino, procurava uma atividade que lhe desse força nos braços e pernas. Ao observar um vizinho fazendo exercícios de capoeira, apaixona-se pela atividade e passa a observar seus movimentos e a imitá-los, aprendendo sozinho os vários golpes e movimentos. Depois de algum tempo, passa a ter aulas com ele. Mais tarde, teve outro mestre – um escafandrista chamado Roberval Serejo, com quem treinou por dois anos. Foi quando assistiu à demonstração dos baianos, no Palácio dos Leões… No ano seguinte, quando Sapo se estabeleceu no Maranhão, Patinho estava entre seus primeiros alunos…

 

 

[1] São corresponsáveis por este artigo: Loreta Brito Vaz – UFMA, Acadêmica de Economia, Capoeira Angola; Felipe de Holanda – UFMA, Professor de Economia, Capoeira Angola (Orientador)

[2] In RODRIGUES, Inara. Patinho: vida dedicada à capoeira. In O ESTADO DO MARANHÃO, São Luís, 14 de setembro de 2003, Domingo, p. 6. Caderno de Esportes.

 

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