Correr: um ato desportivo e simbólico
Começam hoje as competições do atletismo nos Jogos do Rio. A maior parte delas são corridas, realizadas num cenário arrebatador, cercado de morros a tocar o azul do céu, espelhado num mar de esmeralda. Uma alegoria verdadeiramente ‘olímpica’!
Correr não é somente um exercício físico. É um ato desportivo e, por isso mesmo, uma genuína prática simbólica. Uma obrigação da existência. Corremos contra o destino e a condenação a que fomos sujeitos. Temos que comer o pão ganho com o suor do rosto. Deixamos que os ventos do mal se evadissem da Caixa de Pandora e fustigassem a nossa vida. Corremos para fugir deles, para os voltar a reunir e manter sob controlo, com a esperança de edificar uma terra semelhante à do imaginário paraíso perdido.
Somos feitos de húmus; logo a carne é frágil, indolente e preguiçosa. Mas, dentro de nós, mora a voz ensurdecedora do desassossego: não basta o que vemos e somos, carecemos de ir mais além, fundo e longe. Para atingirmos o patamar da nossa identidade: seres quase divinos, quase perfeitos, quase felizes.
Viver não é preciso. Correr é preciso para nos afastarmos do que diminui, para nos abeirarmos daquilo que não herdamos e é o mais necessário e valorizado: o ético e o estético, o bom e o belo.
Cumprimo-nos, correndo em todo o tempo e lugar, sabendo que podemos falhar, chegar à meta exaustos e tombar para o lado. Há sempre uma maratona à nossa espera. Para levarmos a boa nova e disso darmos testemunho aos outros; para lhes transmitirmos o gosto e afeiçoamento à árdua, exigente e longa caminhada.
Saúdo as provas de corrida dos Jogos do Rio. Elas lembram-nos as outras que, todos os dias, temos que empreender. Estar parado é andar para trás; é acabar sem começar. Corramos, pois, tanto quanto possível, irmanados e juntos, e dando o nosso melhor!
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