Katia Rubio – página oficial – Hoje saiu um caderno especial na FSP sobre temas interessantes que cercam a carreira do atleta em diferentes momentos da vida. Colaborei em duas delas: sobre transição de carreira e sobre a vida do atleta jovem. Aí está. SUPERCORPO Compare as medidas do seu corpo com as de medalhistas olímpicos
ANA LUIZA ALBUQUERQUE
ANTONIO DOMINGUEZ
LUIZA OLMEDO
DA EDITORIA DE TREINAMENTO 02/06/2016
O corpo de um medalhista olímpico é a versão em máxima potência do homem comum. Por maior envergadura, por maior altura ou por maior passada, as medidas dos superatletas são afirmações do potencial humano.
O alemão Robert Förstemann, ciclista de montanha, tem a coxa do tamanho de uma bola de basquete. A circunferência dela é de 74 cm; a média do brasileiro é 58,8 cm.
A envergadura, maior distância entre as pontas dos dedos médios de cada mão, de braços abertos, costuma ter medida próxima à da altura em uma pessoa normal. A jogadora de basquete norte-americana Breanna Stewart, com 1,93 m de altura, tem envergadura de 2,16 m. É o dobro do tamanho de um abraço de tamanduá. Supera em 54 cm a envergadura média feminina no Brasil, de 1,62 m.
O tamanho das pernas do corredor jamaicano Usain Bolt permite que ele complete 100 m com pouco mais de 40 passadas. Com essas poucas pisadas, você provavelmente mal chegaria à metade do percurso, fora o cansaço.
Por dentro, também há diferenças. O cérebro de um medalhista é mais eficiente e econômico do que de um simples mortal. Em uma jogada comum, um craque como Neymar aciona área do cérebro que corresponde a menos de 10% do utilizado por um amador. Sobra espaço para adivinhar os próximos passos do time adversário.
Durante quatro meses, a Folha pesquisou medidas de atletas de ponta, entrevistou esportistas, médicos e especialistas para explicar como os seres olímpicos acabam virando super-humanos.
SUPERNEURÔNIOS Craques como Neymar têm os atalhos do esporte gravados no cérebro
CAROLINA MUNIZ
PHILLIPPE WATANABE DA EDITORIA DE TREINAMENTO 02/06/2016
Não são apenas os músculos que distinguem um atleta de elite de um simples mortal. O cérebro do esportista também é diferente.
De tanto treinar, os grandes atletas têm um funcionamento cerebral mais econômico e eficiente que o dos demais atletas. Eles acionam no córtex, a camada mais externa do cérebro, só as regiões necessárias para a realização de um determinado movimento, como um drible ou uma defesa.
“Os craques ativam uma área cerebral menor, mas com muita qualidade”, explica Paula Fernandes, psicóloga especialista em esporte da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Imagine o cérebro como um supermercado. O atleta de elite conhece a localização exata do que quer comprar. Vai direto ao corredor e à prateleira específicos. Um amador sabe em qual corredor entrar, mas perde algum tempo até achar a prateleira correta, gastando mais energia.
Neymar tem os atalhos do futebol gravados no cérebro. É o que diz um estudo publicado em 2014 no jornal científico “Frontiers in Human Neuroscience”.
Por meio de imagens de ressonância magnética, cientistas japoneses compararam o cérebro dele ao de três jogadores espanhóis da segunda divisão, dois nadadores e um atleta amador. Durante o exame, todos executaram movimentos com os pés, como se estivessem driblando um adversário.
A pesquisa revelou que o atacante do Barcelona aciona uma área do córtex bem menor do que a acionada pelos outros atletas profissionais.
Em relação ao jogador inexperiente, a diferença é ainda mais acentuada. Neymar ativa uma área que corresponde a menos de 10% da utilizada pelo amador.
O craque executa os movimentos de forma natural e automática, o que libera espaço no cérebro para que ele possa pensar e agir mais rapidamente durante o jogo, explica Eiichi Naito, neurologista do estudo.
“Seu cérebro, adaptado ao futebol, destina mais recursos neuronais para detectar e antecipar as ações dos outros jogadores”, afirma em entrevista por e-mail, de Suita, no Japão.
ANTECIPAÇÃO
Cristiano Ronaldo faz gol até no escuro. Parece exagero, mas aconteceu em um teste feito por um canal de TV inglês em 2011.
Quando a bola é lançada, as luzes se apagam. Mesmo sem enxergar, o atacante português acerta a bola.
“O atleta procura as dicas que o adversário dá antes de executar um ataque ou uma defesa. Com isso, ele prepara sua ação de forma antecipada”, afirma Bruna Velasques, neurocientista da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
No esporte de alto rendimento, milésimos de segundo podem fazer a diferença entre a vitória e a derrota.
No boxe, por exemplo, cada movimento é realizado em aproximadamente 0,08 segundo, menos que um piscar de olhos. Se o pugilista esperar o soco do oponente para reagir, o nocaute é certo.
“O boxe é um jogo de muita inteligência. Ataque pensado contra ataque pensado”, diz a boxeadora Taynna Taygma, número um do ranking brasileiro na categoria 60 kg.
Os anos de treinamento intenso transformam o cérebro desses atletas numa espécie de banco de dados, que armazena as jogadas aprendidas ao longo da carreira.
Quando percebe o início da ação do rival, o acervo mental é ativado. De forma veloz e precisa, ele decide como superar o obstáculo.
“Como é que descubro onde o adversário vai sacar? Parece que eu sou um ninja, né?”, brinca o tenista Flávio Saretta, medalhista de ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2007. “Isso é treinamento. É muito jogo em um nível alto.”
Para Saretta, a capacidade de ler o jogo e surpreender o oponente é o que explica o desempenho excepcional de um tenista. “O Roger Federer quase não sua em quadra. Ele consegue adivinhar onde o cara vai jogar a bola e se antecipa. Fica aquela impressão de que em todo o lugar em que você joga a bola ele está lá. É um dom.”
Um superatleta é feito de dom e treinamento. “Os grandes atletas praticam aquela atividade desde pequenos. O número elevado de repetições provoca alterações no cérebro que melhoram o raciocínio e a habilidade”, explica Ricardo Arida, neurofisiologista da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
No cérebro dos atletas de elite, áreas com mais importância para o esporte praticado têm maior quantidade de neurônios, o que é traduzido em aumento da massa cinzenta, a concentração de corpos celulares de neurônios.
O mesmo ocorre com outros profissionais de atividades especializadas, como músicos e dançarinos experientes.
A espessura do córtex é maior nesses indivíduos, porque os neurônios fazem mais conexões.
Mas somente o treinamento não basta. “Há também uma questão genética. Afinal, mesmo que comecem a treinar desde criança, nem todos irão se tornar um Neymar”, diz Arida.
Treinamento árduo ‘turbina’ pulmão e coração de maratonistas
EVERTON LOPES
VANESSA HENRIQUES DA EDITORIA DE TREINAMENTO 02/06/2016
O coração é maior e mais musculoso. Partes do pulmão não utilizadas por pessoas comuns trabalham a todo vapor. Cada batimento cardíaco manda sangue para mais partes do corpo. Uma tomada de fôlego manda ar para mais longe no organismo.
Olhar para dentro dos superatletas é como observar uma máquina adaptada para desempenhar perfeitamente uma função específica, com o menor desperdício de energia. O treino constante e direcionado molda esses superórgãos.
Com esse aperfeiçoamento, o nadador de 50 m consegue completar a prova respirando apenas uma vez. E o maratonista aquático nada 10 km, por quase duas horas, sem parar.
No primeiro caso, o corpo se adapta para ser mais tolerante ao estresse a que é submetido. No segundo, ele se adapta para atingir a maior eficiência energética possível.
Em atletas que disputam provas de longa distância, o ventrículo esquerdo do coração, responsável por bombear o sangue com maior intensidade, chega a ser 20% maior do que o de uma pessoa comum, afirma Karina Hatano, médica da seleção brasileira de natação.
Esse aumento acontece por hipertrofia no músculo do coração, deixando-o mais forte e resistente. É diferente do aumento causado por patologias como a doença de Chagas, por exemplo, quando o coração incha, mas suas paredes ficam finas.
Enquanto uma pessoa sedentária bombeia cinco litros por minuto, o coração do maratonista chega a 30 litros, seis vezes esse número. O sangue oxigena mais partes do corpo graças à maior quantidade de vasos sanguíneos no atleta.
No repouso, o coração do atleta parece hibernar, por precisar bater tão pouco para manter o corpo irrigado. Chega a 40 batidas por minuto, enquanto o normal para adultos é entre 60 e 100 batimentos.
VOLUME MORTO
Assim como o coração, o pulmão também é mais eficiente, mas por um mecanismo diferente. Os atletas utilizam uma área conhecida como volume morto, região do órgão na qual as trocas gasosas não se efetuam completamente.
Indivíduos que não praticam esportes de alto rendimento utilizam na respiração a parte mais baixa do pulmão, explica o médico Gustavo Magliocca, também da seleção brasileira de natação. O atleta se diferencia ao conseguir utilizar mais áreas da parte superior do sistema respiratório, realizando mais trocas de ar.
As trocas gasosas ocorrem em pequenas estruturas na ponta do bronquíolos, os alvéolos pulmonares. Nos superatletas a quantidade de alvéolos ativos é maior, o que garante mais espaço de contato para a oxigenação do sangue, aponta o fisiologista do esporte Paulo Roberto Correia, da Unifesp.
MUITA ENERGIA
Seja qual for a modalidade, um atleta precisa de energia de sobra para desempenhar suas atividades. Uma outra adaptação permite que o oxigênio chegue a mais partes do organismo.
As protagonistas aqui são as mitocôndrias, que geram energia para o organismo ao quebrar as moléculas de oxigênio. Nos atletas, elas vão crescendo até o ponto de se dividirem em duas.
O processo permite que o número de mitocôndrias na fibra muscular de um atleta seja até dez vezes maior, afirma Renata Rebello Mendes, nutricionista que presta consultoria para a seleção brasileira de ginástica rítmica. Essa maior quantidade faz o músculo ter maior capacidade de extrair energia do oxigênio.
Mitocôndrias, coração maior e uso do volume morto do pulmão não são suficientes para produzir um superatleta. Influenciam também o psicológico e a estrutura para treinamentos. “Chega na frente quem tem o melhor conjunto da obra”, diz Magliocca, médico da seleção.
Após o fim da carreira, os benefícios permanecem. O atleta conserva uma boa memória celular mesmo depois de aposentado, além do controle da frequência cardíaca. O fisiologista Paulo Roberto Correia, que é ex-atleta e disputou os Jogos de Moscou e Los Angeles, relata facilidade em desempenhar atividades cotidianas, como subir uma escada, mesmo 32 anos após a sua última Olimpíada.
SUPERSEXO Ansiedade e treinos extenuantes diminuem libido de atletas
JÚLIA ZAREMBA
MARIANA FREIRE DA EDITORIA DE TREINAMENTO 02/06/2016
No começo do namoro, explicar como é “esse negócio de ser atleta” foi complicado para o pugilista Patrick Lourenço, 22. “A namorada vinha me dando carinho, eu dizia que estava cansado, e ela já achava besteira, que eu tinha feito alguma coisa na rua ou por aí”, ri.
Classificado para disputar sua primeira Olimpíada, no Rio de Janeiro, ele conta que a rotina de treinos chega a ser tão pesada em algumas épocas que não sobra energia para muito mais do que dormir. Sexo, nem pensar. Após cinco anos de namoro, a namorada do atleta está mais compreensiva.
“Em semana de treino muito intenso, não consigo ter tesão nem querer sentir prazer. Só penso em descansar, até porque quase tudo me estressa.”
Evitar sexo nessa época também é recomendação do treinador. No boxe, a inspiração vem do clássico Rocky Balboa, que tinha um técnico ranzinza que repreendia quando o atleta transava antes dos treinos. “Os técnicos dizem que as namoradas deixam as nossas pernas fracas. É bom evitar”, conta Patrick.
Os prejuízos à vida sexual acontecem quando existe exagero no esporte, diz a psicóloga e terapeuta sexual Margareth dos Reis. “A energia é uma só. Quando ela não é distribuída adequadamente, vai faltar para alguma área.”
O esporte não leva a uma disfunção sexual propriamente dita, ressalta Margareth. “Mas pode interferir em algumas fases da resposta sexual, como a libido, a excitação, e até mesmo o orgasmo.”
A ex-nadadora Flávia Delaroli, 32, sofreu o problema na pele. Antes de competições importantes, a atleta, que já participou de duas Olimpíadas, preferia não se relacionar sexualmente com o marido, com quem está casada desde os 18.
“O atleta passa muito tempo do ano fisicamente extenuado. Tem gente que, quando está estressado, acha o sexo relaxante. Poxa, eu achava uma merda”, confessa.
Ficar ou não em abstinência antes das provas dependia do nervosismo que sentia, explica. Quanto mais ansiosa, mais se fechava.
Cada atleta reage à sua maneira. O nadador Guilherme Guido, 29, que competiu em Pequim-2008, e se prepara para os jogos do Rio, tem uma regra: sete dias sem sexo antes de competir.
“Quando tem disputa importante, a gente não dá motivos para um ter desejo pelo outro”, comenta Guido, casado há quatro anos.
É mais uma superstição, admite. “Você não gasta muita energia durante o sexo. Mas, psicologicamente, está guardando uma energia vital que pode fazer diferença no final da prova.”
É necessário abrir mão de muita coisa para alcançar um bom resultado, afirma a pugilista Andreia Bandeira, 29. “Depois, lá pra frente, a gente pode brincar, pode fazer o que quiser, ” diz ela, que vai para a primeira Olimpíada.
Durante o tempo do treino, o estresse é tão grande que prefere se abster. “Se está ali no ato e a pessoa mete uma falha, dá uma esfriada. Cabeça de atleta não é fácil.”
E o tempo de abstinência pode ser benéfico quando está no ringue, segundo ela. “Tem alguma coisa ali que quer sair.” Quanto mais nervosa, mais explosiva.
A tática de Andreia não funciona para o judoca Victor Penalber, 25, que também vai disputar os jogos do Rio. “Eu gosto muito da parte estratégica do judô. Se eu fico muito tempo sem ter relação sexual, bate um pouco de raiva. Não me faz bem. Quanto mais calmo estiver, melhor pra mim.”
Para ele, o sexo tem muitos pontos positivos, mas não há brechas para excessos. “Manter uma relação sexual tranquila, ter as horas de sono que precisa pra descansar, com certeza faz bem.” Por precaução, no entanto, Penalber diz que não tem relações na véspera da luta.
Para evitar riscos, o nadador Henrique Rodrigues, 25, que disputou os jogos de Londres-2012, e está classificado para os do Rio-2016, prefere se preservar por até dez dias.
Quando passa a preocupação com o campeonato, a vontade é grande, e a energia da piscina vai para a cama. “O esporte te deixa sempre à flor da pele, então, por mais simples que seja a coisa, você quer se sair bem.”
CONSEQUÊNCIAS FÍSICAS
Em esportistas mulheres, os efeitos negativos do esporte de alto rendimento na vida sexual são mais acentuados do que em homens devido à maior probabilidade de distúrbios hormonais.
A carga excessiva de treinamento somada a uma má alimentação pode levar à queda dos níveis de estrogênio, um dos hormônios sexuais femininos.
O distúrbio pode diminuir a libido feminina. Esportistas de modalidades que exigem um tipo físico magro ou que têm notas subjetivas são as mais vulneráveis.
O menor nível de estrogênio também pode causar ressecamento vaginal, afirma a ginecologista do Comitê Olímpico do Brasil, Tathiana Parmigiano. “Não necessariamente vai mexer na libido, mas ela talvez tenha mais dor [durante o sexo]. Com isso, menos vontade.”
Para a saúde masculina, o esporte, mesmo de alto nível, traz consequências positivas, segundo Eduardo Bertero, chefe do Departamento de Andrologia da Sociedade Brasileira de Urologia.
“O pênis se comporta como um vaso sanguíneo. O exercício físico melhora a circulação. E uma melhor circulação faz bem para a saúde peniana”, afirma.
Ainda assim, há riscos. Em esportes de arranque e parada, como futebol e tênis, os homens podem ter traumas nos testículos devido ao movimento brusco. O uso de protetor ou de shorts especiais justos ao corpo evitam esse possível dano.
Em atletas do ciclismo de longa distância, o selim da bicicleta comprime a região do períneo do homem e, consequentemente, afeta os nervos e vasos sanguíneos penianos. “Repetidamente, isso poderia prejudicar a ereção desse indivíduo.” A queda na oxigenação do músculo do pênis é a causa da impotência, que afeta 4% dos competidores.
SUPERJOVENS Adolescentes trocam festa e estudo por chance de competir na Olimpíada
IGOR UTSUMI
LUISA LEITE DA EDITORIA DE TREINAMENTO 02/06/2016
Marcelo Costa já está de pijama na hora em que seus amigos chegam a uma festa de debutante. Precisa descansar. Ao amanhecer, quando a balada estiver terminando, o rapaz de 16 anos estará de pé. Até o fim do dia vai atirar 350 flechas como parte do treino para a Olimpíada.
Marcelo é um dos jovens que trocaram prazeres e aflições da adolescência pela tarefa espinhenta de competir na Rio-2016.
Nada de festas. É preciso treinar muito. “Fico bolado por perder festa. Depois penso: Beleza. Eles estão lá hoje, mas posso estar na Olimpíada amanhã”, diz o integrante do time olímpico de tiro com arco.
Por seu sonho, ele sacrificou o surfe, seu hobby, para evitar lesões, e obteve uma grade especial de estudos.
Como acorda para treinar às 5h30 e só para às 21h, as atividades escolares se restringem a trabalhos nos fins de semana. Não tem aulas. Vai ao colégio somente para fazer provas, como prevê a legislação.
Casos como o de Marcelo Costa repetem-se em várias categorias nos Jogos Olímpicos. Na mais recente, em Londres-2012, foram 101 atletas com 16 anos ou menos -quase 1% do total de competidores.
A idade mínima para competir varia de acordo com a modalidade. Menores de 20 anos não podem participar da maratona, por exemplo, enquanto atletas de 14 podem estar nos saltos ornamentais.
Algumas das principais atletas olímpicas se destacaram ainda jovens. Em 1976 a romena Nadia Comaneci, aos 14 anos, foi a primeira a conseguir um 10 na prova de ginástica artística. Em 2016, uma das principais apostas do Brasil é também ginasta: Flávia Saraiva, de 16 anos.
A pouca idade potencializa o risco de lesões, afirma Moisés Cohen, médico e professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). “O jovem tem especificidades nas articulações e na flexibilidade que levam a riscos maiores de lesão”, diz Cohen.
Ainda em formação, as articulações do jovem são mais flexíveis, o que pode ajudar no esporte, mas movimentos não convencionais podem machucar.
Marcelo, do tiro com arco, ouviu do médico no ano passado que estava com uma bursite “de alguém que tem 60 anos”.
A ginasta britânica Catherine Lyons, 15, deve ficar fora dos próximos Jogos em razão de uma fratura no pé por estresse. “Devido às lesões, é difícil até traçar metas para a minha carreira”, disse.
Além dos riscos físicos, há problemas psicológicos para esses jovens. “Quando se submete uma criança precocemente ao treinamento intensivo e à competição, observamos a desestabilização emocional de um ser que ainda está incompleto”, afirma Katia Rubio, psicóloga e professora da Escola de Educação Física e Esporte da USP.
A atleta da canoagem Ana Sátila, por exemplo, diz que a falta de maturidade influenciou seu desempenho na Olimpíada de 2012. Tinha 16 anos, a mais jovem atleta da delegação brasileira.
Ela foi eliminada nas classificatórias. “Estava muito deslumbrada e tinha até medo de competir.” Ana estará nos Jogos de 2016.
RECOMPENSA
O esporte de alto rendimento, se causa tantas privações e dor, traz também recompensas. “É uma grande satisfação fazer coisas que outros não conseguem. É incrível receber cartas de fãs, que são crianças às vezes”, diz Catherine Lyons.
“Desde pequena, meu sonho é participar de uma Olimpíada”, afirma a mesatenista Bruna Takahashi, 15. Ela treina de segunda a sábado há seis anos, integra a equipe brasileira principal e tem grande chance de ser convocada para os Jogos do Rio.
Já viajou para quase todos os continentes pela seleção. “Só falta a Oceania”.
Por já competir com os adultos, ela sente o peso da “cabeça de gente mais velha”. Em seu quarto rosa, rodeada de bonecas, ela afirma que “com algumas coisas, eu ainda sou criança”.
O atleta do tiro com arco Marcelo Costa, 16, treina no Rio de Janeiro (RJ) – Lígia Roca/Folhapress
Lesões mais recorrentes no esporte de alto rendimento Basquete Boxe Ciclismo Corrida* Futebol Ginástica Judô Natação Tênis Vôlei*Como o atletismo envolve muitas modalidades, a reportagem optou por restringir a pesquisa à corrida
Fontes: Roberto Dias Bastista Pereira, doutor em ciências da saúde pela Unifesp, e “Epidemiology of injury in Olympic sports” (Epidemiologia das lesões nos esportes olímpicos), de Dennis J. Caine, Peter Harmer, e Melissa Schiff. Chichester, Wiley-Blackwell, 2010.
SUPERGENES Clubes usam genética para melhorar rendimento e reduzir lesões
GABRIEL RIZZO
RODRIGO MENEGAT DA EDITORIA DE TREINAMENTO 02/06/2016
Os atletas que todos idolatram por nunca se cansarem e por correrem como poucos têm mais do que raça e determinação. O segredo da força, do fôlego e da resistência pode estar no núcleo das células. Lá fica o DNA, que define como vai ser o corpo humano.
Alterações genéticas podem fazer o sangue levar mais oxigênio, os músculos aproveitarem melhor a energia e os competidores serem mais resistentes ao cansaço. Além disso, o genoma define o formato do corpo, como as pernas longas e finas dos maratonistas.
Avaliando os genes, cientistas trabalham para melhorar o desempenho de profissionais ou identificar aptidões esportivas de jovens.
Clubes de futebol, como Cruzeiro e Flamengo, usam a análise genética para prevenir lesões e adaptar o treinamento. O time carioca mapeou em janeiro deste ano os genes do elenco. O fisiologista do Cruzeiro, Eduardo Pimenta, avalia a genética de atletas no clube desde 2008.
A partir de nove genes, ele identifica se os jogadores têm características para atividades que exigem mais força ou resistência e personaliza a carga de treinos. Assim, atletas sem a genética ideal para movimentos de explosão, por exemplo, evitam lesões.
O fisiologista ressalta que o mapeamento genético não serve para direcionar atletas para posições ou modalidades. “A genética não vem para excluir ninguém do esporte. Vem para fazer com que o atleta renda mais.”
“A genética não vem para excluir ninguém. Vem para fazer com que o atleta renda melhor.”
Eduardo Pimenta – Fisiologista do Cruzeiro
No Flamengo, a análise é feita em parceria com a empresa da geneticista Lia Kubelka. A pesquisadora acredita que já é possível usar diagnósticos genéticos, desde que com cuidado. “Temos mais perguntas do que respostas, mas já temos muita informação disponível. É uma ferramenta fundamental [para melhorar o rendimento esportivo].”
Iniciativa semelhante é o projeto Atletas do Futuro, que analisa quatro genes associados ao desempenho esportivo e é coordenado por João Bosco Pesquero, professor de medicina da Unifesp.
Mais de 800 atletas de alto rendimento do país tiveram a mucosa bucal colhida para que fosse montado um banco com informações genéticas, como o ex-tenista Gustavo Kuerten e a ex-jogadora de basquete Hortência.
A exemplo de Pimenta, Pesquero indica se os atletas têm potencial para atividades de força ou de resistência. Mas, ao contrário do fisiologista, diz que o conhecimento pode apontar para que modalidades os atletas são mais aptos.
Um esportista pode ter genes ligados ao bom desempenho em maratonas, que exigem fôlego, ou em corridas curtas, que pedem explosão.
Pesquero quer aplicar o método em crianças no início das atividades físicas. Assim, seria possível direcioná-las para certos esportes.
Mas há cientistas céticos quanto a essa possibilidade. Pesquisador do Instituto do Coração, Rodrigo Dias questiona a análise de um pequeno número de genes -o corpo tem cerca de 27 mil- para traçar o perfil do atleta.
Cada característica humana é modelada por centenas de genes, e alterações em um deles podem ser anuladas por outros, diz. A consequência é uma grande margem de erro.
ANÁLISE DE TODOS
Um caminho mais seguro envolve a análise de todos os genes do atleta, afirma Dias. O pesquisador faz isso no projeto DNA do Atletismo Brasileiro, que pretende ler o genoma de 500 competidores. Entre eles, estão Jadel Gregório, ouro no salto triplo do Pan do Rio-2007, e Duda, atual bicampeão mundial de salto em distância.
O programa surgiu em 2015 em parceria com a Confederação Brasileira de Atletismo e não há previsão de prazo para divulgação dos resultados.
Embora a genética favorável aumente as chances de bom desempenho, só o DNA não garante a performance.
A disciplina nos treinos e o ambiente têm papel fundamental, afirma Rodrigo Vancini, pesquisador da Universidade Federal do Espírito Santo. “O Neymar não nasceu Neymar. Ele tinha predisposição para o futebol, mas também uma história de vida e ambiente propícios.”
“O Neymar não nasceu Neymar. Ele tinha predisposição para o futebol mas também uma história de vida e um ambiente propícios”
Rodrigo Vancini – Pesquisador da Universidade Federal do Espírito Santo
A trajetória dos atletas paulistas Paulo Roberto e Luiz Fernando de Paula ilustra como os genes não explicam tudo. Gêmeos univitelinos, têm DNAs semelhantes, mas desempenhos distintos.
No início dos anos 2000, os dois fizeram um exame e constataram que a musculatura de Paulo era ideal para provas de longa distância, enquanto a de Luiz era boa para as curtas. “O doutor falou: ‘Você não vai conseguir ser um bom maratonista, mas seu irmão vai'”, conta Luiz.
Paulo está convocado para a maratona da Rio-2016 e espera alcançar uma posição melhor que o oitavo lugar em Londres-2012. Luiz, que não havia se classificado para Londres, deixou de correr e virou o treinador do irmão.
Ele diz, porém, que o bom desempenho não vem só da predisposição genética. “Para ser atleta não adianta ser bom, tem de ser maluco. Tem que acreditar que é o melhor.”
PERGUNTAS E RESPOSTAS O que os especialistas dizem sobre genética e esporte?A genética influencia no desempenho de um atleta?
Sim. Inúmeros genes agem para definir as características do corpo humano. Um atleta que tem um biotipo mais adequado para determinada modalidade sai na frente dos que não têm, e isso é definido pela genética. Alterações no genoma também podem modificar o funcionamento do corpo, como na oxigenação dos músculos ou na queima de energia.
Existe um único gene que garante alto desempenho no esporte?
Não. A combinação de vários deles pode fazer com que um atleta se sobressaia mas também não é garantia de sucesso.
Para ser um grande atleta, é necessário ter genética diferenciada?
Não. Há casos de atletas que, mesmo sem as características típicas do esporte, alcançam bom desempenho. Em modalidades que exigem várias ações, como futebol e vôlei, é difícil mensurar a influência genética. Entretanto, em atividades que envolvem movimentos repetitivos, como a corrida, os genes têm papel mais determinante.
Os genes, sozinhos, garantem o sucesso?
Não. Os genes podem fazer com que um atleta tenha um corpo mais adequado para determinado esporte, seja menos suscetível a lesões ou tenha maior capacidade respiratória, por exemplo. Entretanto, o treino, a influência do ambiente e condições culturais e socioeconômicas também têm papel importante.
É possível usar a genética para descobrir atletas de ponta?
Não. Com os estudos no estágio atual, não se pode prever se alguém vai ou não atingir alto nível. Alguns especialistas acham que é possível, entretanto, descobrir em que tipos de esporte o atleta tem mais chances de se destacar. Quanto maior for a quantidade de genes analisados, mais precisa será a avaliação.
Equipes e atletas já usam conhecimentos em genética?
Sim, principalmente para montar treinamentos personalizados de acordo com as características de cada atleta. Existem empresas que fornecem testes genéticos para profissionais e amadores. Entretanto, alguns pesquisadores acham que ainda não existem evidências suficientes para a aplicação prática.
Fontes consultadas: Franklin Rumjanek (professor da UFRJ), João Bosco Pesquero (professor da Unifesp), Lia Kubelka (geneticista), Rodrigo Dias (pesquisador do InCor – USP) e Rodrigo Vancini (professor da UFES). (GR E RM)
SUPERTRAINEES Veja bastidores da elaboração deste especialEste material multimídia sobre os superatletas foi produzido pela 60ª turma do Programa de Treinamento em Jornalismo Diário da Folha.
A produção envolveu os 15 trainees e levou quatro meses para ser finalizada.
Ana Luiza Albuquerque, Antonio Dominguez, Carolina Muniz, Everton Lopes, Gabriel Rizzo, Guilherme Caetano, Guilherme Zocchio, Júlia Zaremba, Igor Utsumi, Luisa Leite, Luiza Olmedo, Mariana Freire, Phillippe Watanabe, Rodrigo Menegat e Vanessa Henriques integraram a turma.
O programa tem o patrocínio da Odebrecht, Philip Morris, Boticário e Friboi.
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