E A “CARIOCA”?[1]

 

Continuemos com a “carioca”. Buscando as origens da Capoeira no Maranhão[2], encontrei referencia à prática da “carioca”. Fora proibida, em Código de Posturas de Turiaçú[3], do ano de 1884:

1884 – em Turiaçú é proclamada uma Lei – de no. 1.341, de 17 de maio – em que constava: “Artigo 42 – é proibido o brinquedo denominado Jogo Capoeira ou Carioca. Multa de 5$000 aos contraventores e se reincidente o dobro e 4 dias de prisão”. (CÓDIGO DE POSTURAS DE TURIAÇU, Lei 1342, de 17 de maio de 1884. Arquivo Público do Maranhão, vol. 1884-85, p. 124).

 

Em conversa com Mestre Mizinho, ele informa que em uma de suas apresentações em Cururupu[4] um senhor – já idoso e negro – disse que praticava aquela brincadeira, mas a conhecia como “carioca”, não como “capoeira”.

Em aula da disciplina “História do Esporte no Maranhão” referi-me à capoeira e à carioca. Um dos alunos disse-me que o avô, ex-estivador no Portinho, dizia-lhe que já praticara muito aquelas ‘brincadeira’, mas era chamada pelos estivadores de “carioca”.

A prática de Capoeira por estivadores é confirmada por Mestre Diniz, nascido em 1929, quando lembra que “na rampa Campos Melo, quando eu era garoto, meu pai ia comprar na cidade e eu ficava no barco. Eu via de lá os estivadores jogando capoeira”.

Também em Codó, entre os antigos, a capoeira é denominada de “carioca”.

Soares (2005) [5], em “Capoeira no Pará: resistência escrava e cultura popular, 1849-1890”, ao referir-se a acontecimentos na Corte, comparam-o às situações vividas em Belém, no ano de 1849. Refere-se, mais adiante, a recente trabalho de Vicente Salles (A defesa pessoal do negro: a capoeira no Pará, 1994) [6] que revela a antiguidade da capoeira paraense, seu enraizamento, sua proximidade com a capoeira praticada no Rio de Janeiro e Bahia, e sua peculiaridade regional.

Soares (2005) [7], se referindo a acontecidos nos anos de 1890, discorre:

“Sintomático também em Belém, muito precocemente, também fosse palco da Carioca, como nos mostra ofício […] descreve uma patrulha na região de Ver-O-Peso: ‘estive em patrulha […] quando vimos alguns indivíduos pulando jogando carioca.” [8]

 

Para Albuquerque[9], o êxito da economia paraense atraiu para a região amazônica, entre 1890 e 1910, trabalhadores nordestinos e imigrantes europeus, principalmente portugueses. A interação entre esses trabalhadores levou à incorporação pela capoeira paraense de armas próprias às lutas portuguesas, assim como golpes e hábitos dos capoeiristas baianos, cearenses e pernambucanos. No Rio de Janeiro, essa convivência entre negros, imigrantes pobres e migrantes de diversas regiões do país nas ocupações braçais, principalmente na estiva, ampliou, ainda mais, os tipos sociais que praticavam capoeira. Entre os praticantes estavam portugueses, espanhóis e italianos que trabalhavam no porto, operários nordestinos, soldados, brasileiros brancos e pobres. Não eram apenas os negros que podiam ser facilmente identificados como capoeiras pelo andar gingado, as calças de boca larga e a argolinha de ouro na orelha, sinais de valentia.

Soares (2005) considera que a repressão desencadeada em 1890, a criminalização no novo código penal da República, teria obrigando os praticantes a encontrar novas formas de dissimulação, para ocultar-se da atenção das autoridades. Nos últimos anos do século XIX, no Rio de Janeiro teria aparecido a chamada Pernada Carioca, que consistia de golpes da capoeira tradicional, como a rasteira, camuflados em nova roupagem.

Miltinho Astronauta, ao referir-se à Pernada de Sorocaba[10], na Capital Paulista, e à outra “espécie de capoeira”, a Tiririca, comenta que, aparentemente, com a repressão de algumas manifestações (ai inclui-se a Capoeira, o Batuque e até mesmo a Religião Candomblé), o povo era obrigado a mascarar suas práticas, mudando formas de execução e nome de tais práticas.  Refere-se ainda ao Folclorista Alceu Maynard Araújo (1967) que relata que foi encontrada capoeira no interior paulista entre o final do século XIX e início do século XX. Trata-se de levas de capoeiras soltas nas pontas dos trilhos da Sorocabana, que tinha como destino final a cidade de Botucatu. Na verdade eram capoeiras desterrados do Rio em conseqüência do Código Penal de 1890 [11].

Na Bahia, o batuque era o escalão inicial para a capoeira; no Rio de Janeiro, era e é a pernada, banda ou batuque a forma de ataque e defesa preferida pelo carioca; no Maranhão, a punga, associada ao tambor de crioula, parece preencher a mesma função. Já no Recife, a capoeira, desaparecida em conseqüência de vigorosa reação policial, se transfigurou no passo.[12].

Soares (2005) [13] considera que a identificação da ‘capoeira’ como ‘carioca’, simplificação de ‘pernada carioca’ acontece pela dissimulação dos praticantes para fugir aos rigores da repressão do chefe de polícia Sampaio Ferraz, quando da criminalização da prática da capoeira, pelo Código de 1890.

Gil Velho coloca que a capoeira do século XIX morre com o advento da República. Inimiga da capoeira, ela chega com uma proposta de reformas sociais e urbanas, criticando a organização e a expressão popular da sociedade brasileira, principalmente no que diz respeito à mestiçagem étnica e cultural. Sua proposta alternativa seria baseada no modelo cultural europeu republicano – e positivista – e qualquer coisa que estivesse fora desses princípios era desconsiderada:

Essas mudanças alteraram os nichos e a geografia culturais da cidade. Espaços de expressões culturais foram perdidos, desarticulando a forma de organização urbana e quebrando a dinâmica interativa das comunidades que a compunham. Assim, com a alteração de elementos essenciais do contexto social da capoeira, o processo que a personalizava se alterou. Desaparecidas, as maltas são substituídas pela solitária figura do malandro. Malandro é um indivíduo e a malta, um grupo social.  (CAVALCANTI, 2008) [14].

Mas seis anos antes (1884) aparece sua proibição no Código de Posturas de Turiaçú – Lei 1342, de 17 de maio de 1884 -, e já identificada como “o brinquedo denominado Jogo Capoeira ou Carioca

 

 

 

 

 

[1] VAZ, 2009, obra citada.

VAZ, Leopoldo Gil Dulcio. Chronica da capoeira(gem); A Carioca. In XIII CONGRESS OF THE INTERNATIONAL SOCIETY FOR THE HISTORY OF PHYSICAL EDUCATION AND SPORT; XII BRAZILIAN CONGRESS FOR THE HISTORY OD PHYSICAL EDUCATION AND SPORT – ISHPES CONGRESS 2012 , Rio de Janeriro, 9 a 12 de julho de 2012… Coletâneas…

[2] VAZ, Leopoldo Gil Dulcio. Capoeira/Capoeiragem no Maranhão. In DACOSTA, Lamartine Pereira da (editor). ATLAS DO ESPORTE NO BRASIL. Disponível em

http://www.atlasesportebrasil.org.br/textos/181.pdf; http://www.atlasesportebrasil.org.br/textos/192.pdf

http://www.cefet-ma.br/publicacoes/artigos/atlas/ATLAS%2004%20-%20PUNGA%20DOS%20HOMENS.doc

http://www.capoeira.jex.com.br/noticias/detalhes.php?id_jornal=13170&id_noticia=629

http://www.capoeira.jex.com.br/noticias/detalhes.php?id_jornal=13170&id_noticia=905

http://www.cefet-ma.br/publicacoes/artigos/atlas/ATLAS%2004%20-%20PUNGA%20DOS%20HOMENS.doc

http://cev.org.br/comunidade/maranhao/debate/a-carioca-inicio-estudo

http://colunas.imirante.com/leopoldovaz/category/capoeira/

[3] Turiaçu, antiga vila, foi elevado à condição de cidade e município pela lei provincial nº 897 de 11 de julho de 1870. http://pt.wikipedia.org/wiki/Turia%C3%A7u

[4] Cururupu é um município do estado do Maranhão, fundado em 3 de outubro de 1841. http://pt.wikipedia.org/wiki/Cururupu

[5] SOARES, Carlos Eugênio Líbano. Capeira no Pará: Resistência escrava e cultura popular (1849-1890). In COELHO, Mauro Cezar; GOMES, Flávio dos Santos; QUEIROZ, Jonas Marçal; MARIN, Rosa E. Acevedo; PRADO, Geraldo (Org). MEANDROS DA HISTÓRIA: trabalho e poder no Pará e Maranhão, séculos XVIII e XIX. Belém: UNAMAZ, 2005, p. 144-160.

[6] SALLES, Vicente. A DEFESA PESSOAL DO NEGRO: A CAPOEIRA NO PARÁ. Micro-edição do autor, 1964, citado por SOARES, 2005, op. Cit.

[7] SOARES, 2005, obra citada. p. 144-160.

[8] (AE. Secretaria de Segurança Pública. Autos-Crimes, 22/09/1892).

[9] ALBUQUERQUE, Wlamyra Ribeiro de. UMA HISTÓRIA DO NEGRO NO BRASIL, nota enviada por Javier Rubiera para Sala de Pesquisa – Internacional FICA el 8/19/2009, disponível em http://www.ceao.ufba.br/livrosevideos/pdf/uma%20historia%20do%20negro%20no%20brasil_cap09.pdf

[10] CAVALHEIRO, Carlos Carvalho. Pernada de Sorocaba. In JORNAL DO CAPOEIRA, 29 de outubro de 2004, disponível em http://www.jornalexpress.com.br/noticias/detalhes.php?id_jornal=13170&id_noticia=3

[11] MILTINHO ASTRONAUTA, CAPOEIREIRO Capoeira, Pernada & Tiririca na Terra da Garoa in http://www.jornalexpress.com.br/noticias/detalhes.php?id_jornal=13170&id_noticia=713

[12] CARNEIRO, Edison in Folguedos Tradicionais disponível em  http://www.capoeira-infos.org/ressources/textes/t_carneiro_capoeira.html

[13] SOARES, 2005, obra citada,  p. 144-160.

[14] CAVALCANTI, Gil. Do lenço de seda à calça de ginástica. Ter, 17 de Junho de 2008 16:44 Gil Cavalcanti (Mestre Gil Velho), disponível em http://portalcapoeira.com/Publicacoes-e-Artigos/do-lenco-de-seda-a-calca-de-ginastica

 

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