Educação física tenta não ser só bate-bola, mas ambição é excessiva

REINALDO JOSÉ LOPES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A proposta para o ensino de educação física presente na segunda versão da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), divulgada pelo Ministério da Educação, peca pelo excesso de ambição.

É louvável o esforço de evitar que a disciplina fique limitada a bate-bolas informais na quadra da escola, como costuma acontecer em muitos lugares, mas fica difícil evitar a impressão de que os responsáveis pelo currículo proposto tentaram abraçar o mundo.

A base prevê que os alunos sejam apresentados às mais diferentes modalidades esportivas, do handebol ao vôlei, passando pela bocha.

O esboço do programa propõe ainda atividades “de aventura”, como trilhas em parques; o aprendizado e valorização de brincadeiras regionais e ligadas à tradição folclórica; diferentes tipos de dança, também com enfoque nas manifestações populares e tradicionais; ginástica sem e com aparelhos; e a prática de esportes que valorizem a herança africana e indígena do país, como a capoeira e a huka-huka (luta ritual dos povos nativos do Xingu).

Por maior que seja a boa vontade e o nível de conhecimento do professor (o qual, aliás, precisaria realmente alcançar níveis enciclopédicos diante de tanto conteúdo), é muito improvável que ele conseguisse lidar com todos esses itens de forma satisfatória ao longo de apenas um punhado de aulas semanais, mesmo que os temas fossem trabalhados ao longo de todos os anos do ensino fundamental, como diz a proposta.

É preciso esclarecer que essa imensa diversidade de temas está prevista só para o ensino fundamental, porque quase não se detalha no documento o conteúdo previsto para os anos do ensino médio, os quais, por conta da obsessão com o vestibular, muitas vezes já deixam de lado naturalmente a educação física.

De qualquer modo, mesmo que as atividades tivessem uma distribuição mais gradual, incluindo os três últimos anos antes da chegada ao ensino superior, ainda seria muita coisa.
objetivo

O ponto mais negligenciado na elaboração de um currículo ambicioso talvez tenha sido a necessidade de dar vários passos para trás e se perguntar, afinal, qual o objetivo do ensino de educação física.

Os gregos antigos, por exemplo, enxergavam a prática de esportes com uma etapa indispensável da preparação militar dos jovens. Obviamente, não é o caso aqui.

Infográfico: Base Nacional Curricular

   

Calendário

26.jun.2014 – Plano Nacional de Educação é sancionado; lei prevê que o governo crie proposta de base curricular em até dois anos

16.set.2015 – MEC apresenta a 1ª versão do documento e abre consulta pública; as áreas de história e gramática geraram polêmica

15.dez.2015 – Ministério inicia análise das contribuições recebidas na consulta pública

3.mai.2016 – MEC divulga 2ª versão da base e a envia ao Conselho Nacional de Educação e a representantes de Estados e municípios

jun. a ago.2016 – Texto está sendo debatido nos Estados e deve ser devolvido ao MEC até agosto

ago a nov.2016 – Um comitê gestor vai revisar a base (ensinos infantil e fundamental) e debater o ensino médio

nov.2016 – O objetivo é ter a versão final até essa data (para infantil e fundamental), mas não há previsão de quando ela começa a valer

1ºsem.2017 – MEC deve definir a base curricular do ensino médio, após aprovação de projeto de lei no Congresso que prevê um novo formato para a etapa

Queremos aulas de educação física de qualidade para formar uma nova geração de atletas olímpicos? Queremos combater o espectro cada vez mais próximo de uma epidemia de obesidade entre crianças e adolescentes?

Respostas claras a essas perguntas ajudariam a espantar aparente falta de foco de que o documento padece em sua versão atual. Nada contra o estímulo ao esporte como um fim em si mesmo, é claro, mas não dá para evitar questões sobre o propósito da prática quando falamos de política de Estado.

Além desse problema de fundo, chama a atenção a relativa falta de conexão entre os conteúdos de educação física e os de outras disciplinas -esses possíveis elos, ao menos, não são mencionados no texto proposto pela BNCC.

Não parece fazer muito sentido falar de dança sem o envolvimento dos professores da área de educação artística (e de música, embora sejam raríssimas as escolas brasileiras, em especial as públicas, nas quais existe algum tipo de instrução musical formal).

Do mesmo modo, uma integração mais clara entre os exercícios na quadra da escola e as aulas de ciências e biologia, unindo o teórico e o prático para explicar os benefícios da atividade física, também seria salutar.

 

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