Mestres da capoeira voltaram a ter o pleno direito de ensinar sua cultura, independentemente de serem formados em Educação Física (Foto: Marcello Casal Jr/ABr) |
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Leopoldo Gil Dulcio Vaz
em 5 de Junho de 2016 às 16:18.
05/06/2016 - 16:18
Sobre o ensino da Capoeira, enquanto conteúdo da Educação Física Escolar, portanto Curricular!!! e enquanto atividade física a ser ministrada, já me posicionei em várias ocasiões. Uma delas, por ocasião da defesa de tese de doutorado de uma das maiores autoridades brasileiras da nossa Capoeira: Mestre Falcão:
Publicado no Jornal do Capoeira, em 2006 – tem dez anos e tão atual…
CRÔNICAS
22/05/2006
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O VÔO DO FALCÃOMudanças de paradigma no ensino da Capoeira?
O VÔO DO FALCÃO
Jornal do Capoeira – http://www.capoeira.jex.com.br
Edição 74 – de 21 a 27 de Maio de 2006
Leopoldo Gil Dulcio Vaz
Professor de Educação Física
Mestre em Ciência da Informação
CEFET-MA – Maranhão – Maio/2006
Abriu-se, na CEVCAPO – lista de discussões sobre a Capoeira do Centro Esportivo Virtual http://www.cev.org.br – uma polêmica apresentada por Aníbal Brito acerca da produção acadêmica de Mestre Falcão, colaborador de nosso “Jornal do Capoeira”.
“Quem acompanha a produção a respeito da temática capoeira, deve ter lido o artigo do professor Falcão no Livro Didática da Educação Física I, em que o mesmo sistematiza o conhecimento fundamentado na perspectiva crítico-emancipatória, mais recentemente o professor Falcão foi orientado pela prof. Celi Taffarel e aprofunda sua discussão na abordagem critico-superado [ra], fundamentada em princípios marxistas. Gostaria de saber se alguém desse grupo acompanha essa “transição” do pensamento do professor Falcão, ou entende que a discussão de fundo entre crítico-superadora (marxismo)[1] e crítico-emancipatoria (fenomenologia[2]), é menos importante!!! Quais as diferenças entre abordar a capoeira por um ou outro viés??? Como deve se dar esse dialogo lá na UFSC, em que se encontra o prof. Falcão e o próprio Kunz?
Alguém da UFSC aí? Quem na escola procura trabalhar com alguma dessas abordagens?”.
Eraldo Brito (KPTA) assim se posicionou, em resposta:
” Interessante a preocupação do Aníbal sobre a mudança de perspectiva do Professor Falcão. Só não sei se há alguma confusão sobre a sua abordagem estar mais voltada às teorias gerais da educação ou, especificamente, à educação física. Se for o segundo caso, o II SENECA é uma oportunidade ímpar de se questionar ao próprio Falcão como se deu essa mudança e, mais importante, o porquê dela.
Particularmente, não sei se posso classificar nas minhas aulas de educação física, tomando como conteúdo emergente a capoeira, em uma ou outra perspectiva. Trabalho com a capoeira por meio do elemento lúdico, apoiado nas idéias de Paulo Freire sobre autonomia e exercício de liberdade no processo pedagógico, Vygotsky e sua ZDP na aprendizagem infantil e na construção socializada de conhecimento.
A capoeira possui uma infinidade de temas que podem ser trabalhos nas aulas, inclusive extrapolando para fora da escola como: a sua história e identificação importantes para a formação do povo brasileiro e da própria história nacional, a musicalidade e o ritmo, os movimentos e suas possibilidades de superação e interação, o própria dinâmica do jogo da capoeira como expressão de linguagem corporal e comunicação, o jogar “com” e não “contra” etc. etc. etc. São muitas as possibilidades…
Agora, não sei se consigo classificar o método de ensino pelo qual tento materializar conhecimento (capoeira como conceito espontâneo e, na escola, aproximação com o conceito científico) em alguma dessas perspectivas. É só”.
O próprio Falcão entrou na discussão, esclarecendo que “Realmente houve, de minha parte, uma transformação (ampliação, melhor dizendo) na minha perspectiva teórica.”. Ainda mais, esclarece ser:
“…importante dizer que no campo epistemológico se instaura um intenso debate teórico, a partir de diferentes perspectivas que provocam tensão, resultando em conseqüências nem sempre alvissareiras. Dentre os argumentos que propagam a morte do sujeito até os que se apresentam incrédulos em relação as metanarrativas, podemos verificar um certo colapso (crise) de paradigmas, pautado pela fragmentação teórica, cujo relativismo absoluto impossibilita qualquer pretensão de consenso.
Diante desse labirinto epistemológico, tenho adotado a perspectiva gramsciana que sugere a incorporação, de forma subordinada, das formulações mais elaboradas à “Filosofia da Práxis” (materialismo histórico-dialético[3]). Não se trata de uma mera substituição de uma teoria por outra. A realidade concreta atual vem demonstrando claramente que a perspectiva do conflito no interior da sociedade capitalista continua atual e nos impele a pensar na perspectiva de sua superação. “Daí a pertinência do materialismo histórico-dialético para a explicação e transformação da realidade.”.
Eu mesmo respondi à lista, referindo-me à mudança de paradigma[4] – podemos assim dizer? – apontada nos escritos de Falcão devem-se à mudança de orientação acadêmica – Celi é marxista – dai a guinada… [mas lembrem-se, o problema de Marx sempre foi o Capital – melhor dizendo, a falta dele…] não podemos olhar o mundo com os mesmos olhares de sua época; os tempos são outros e, como disse Fukuiama, a historia terminou, o capitalismo triunfou sobre o socialismo e o único estado que conseguiu, sob certa forma, viver em um regime comunista, foi um estado de direita: Israel com seu kibutz…
Mas o que tem isso com o ensino da capoeira? já tentaram discutir essas teorias para o ensino da capoeira, com, por exemplo, o formado Donaldson em Maracassumé-MA? ou o professor que ensina capoeira num quilombo, a 18 quilômetros de Guimarães, também no Maranhão?
Afinal, de que estamos falando? As teorias referidas são partes da linguagem específica da educação – e da educação física. A grande maioria dos que “militam” na Capoeira como transmissores do conhecimento – mestres, contramestres, instrutores e monitores – nos diversos locais de ensino da capoeira, não são formados nem em educação, muito menos em educação física – conforme preconiza a lei. A imensa maioria tem como formação acadêmica formal, quanto muito, o ensino médio (antigo segundo grau). Daí levantar uma discussão sobre teorias ou concepções do processo ensino-aprendizagem só tem razão se se der dentro da academia, e excluindo a maioria dos “professores de Capoeira”… Trata-se, assim, de um processo de exclusão, exclusões daqueles que não tem o conhecimento específico dos que freqüentaram a academia e, especificamente, só compreensível pelos da área da educação – o substantivo está acima do adjetivo.
Está-se falando das abordagens sobre a cultura no campo da Educação Física. Suas características específicas aparecem nos anos 1980, quando surgem preocupações em analisar como as práticas corporais humanas estão impregnadas de valores hegemônicos que contribuem para a manutenção da sociedade capitalista.
O paradigma cultural representou uma tentativa de dar um novo enfoque à Educação Física, executando, ao mesmo tempo, uma resignificação e a inserção de novas práticas corporais que constituem o universo dos conteúdos a serem trabalhados. O uso da referência cultural abre espaços para que a intervenção da Educação Física se baseie não mais, ou não somente, nos estudos do treinamento esportivo, da aprendizagem motora ou do desenvolvimento humano, mas sim, ou também, como aponta Bracht (1997), nos pressupostos sociofilosóficos da educação crítica. Uma das conseqüências desse movimento renovador foi a criação de perspectivas pedagógicas preocupadas em fazer uma análise do papel social da educação numa sociedade capitalista.
Nesse contexto, as perspectivas crítico-superadora e crítico-emancipatória compreendem que as formas do movimentar-se humano (com destaque para o esporte) reproduzem os valores e princípios da sociedade capitalista (BRACHT, 1999).
A Crítico-Superadora tem como referencial teórico o materialismo histórico-dialético e seus autores se identificam como “Coletivo de Autores” – Carmen Lúcia Soares, Micheli Ortega Escobar, Lino Castellani Filho, Elizabeth Varjal, Celi Zülke Taffarel e Valter Bracht – e foi apresentada na obra intitulada “Metodologia do Ensino de Educação Física” (1992); faz uma crítica ao modelo de Educação Física pautada na aptidão física e no tecnicismo com uma postura de forte crítica social; essa teoria defende a formação de sujeitos autônomos e conscientes de sua condição histórica e capaz de interferir na realidade.
A teoria crítico-superadora trata da cultura corporal numa proposta que possibilita interpretar e estabelecer relações dos conhecimentos com as possíveis mudanças sociais, do ponto de vista das classes trabalhadoras. Os conceitos fundamentais desta teoria são: identidade de classes, solidariedade substituindo o individualismo, cooperação confrontando a disputa, distribuição em confronto com a apropriação, liberdade de expressão dos movimentos e negação à dominação do homem pelo homem.
Já a Crítico-Emancipatória tem como referência Elenor Kunz, e faz uma crítica à Educação Física tradicionalista e está embasada nas ciências humanas e sociais – anos 90. Esta teoria tem como objeto de estudo o movimento humano utilizando-se de uma forma de ensino denominada “didática comunicativa”; são conceitos fundamentais desta teoria: subjetividade, a relação identidade pessoal/identidade social, a questão do sentido/significado, a preocupação com a dicotomia mente/corpo e natureza/cultura.
Além dessas, existem outras concepções, tais como a Concepção de aulas abertas (Reiner Hildebrandt e Ralf Laging) apresentada no livro Concepções Abertas no Ensino da Educação Física. Esta teoria foi importante, num determinado momento da história do ensino da Educação Física – anos 80 – pois rompeu com a perspectiva metodológica tecnicista e fez uma crítica à aptidão física como única forma de tratar a Educação Física. O aluno ganhou destaque no processo ensino-aprendizagem, enquanto o professor assumia o papel de simples mediador.
Na Sistêmica, a referência é Mauro Betti, 2002, fundamentada em um modelo sociológico que apresenta a cultura física como o foco do ensino da área, apresentando uma grande crítica à forma de ensino relacionada à educação do movimento e pelo movimento. O autor apresenta três princípios a serem considerados: (1) Princípio da não exclusão: discute que os conteúdos e métodos da Educação Física devem incluir a totalidade dos alunos, (2) Princípio da diversidade: que os conteúdos do programa de educação física ofereçam variedade de atividades, a fim de permitir ao aluno escolher criticamente, de forma valorativa, seus motivos-fins em relação às atividades da cultura corporal de movimento e (3) Princípio da alteridade: fez com que os pesquisadores de campo se defrontassem com o outro, o diferente, o exótico, o distante.
Outra teoria, a Cultural/Plural, que tem como referência Jocimar Daólio, fundamentada na antropologia, influenciados principalmente por Marcel Mauss e Clifford Gueertz, defende que a Educação Física deve se pautar no conceito de cultura, por entender que a cultura representa todas as manifestações corporais humanas e tem significados diversos em cada grupo específico, podendo ser apresentada aos alunos como forma de representação da diversidade cultural. As atividades físicas, por si só, não têm sentido, se não forem analisadas, trabalhadas e criticadas a partir de suas manifestações culturais, relacionadas ao corpo e ao movimento humano. Busca-se uma proposta pedagógica que forme sujeitos capazes de decidir com autonomia, dialogar junto à sociedade com clareza e coerência, refletir sobre sua condição humana e lutar por dignidade e condições melhores de vida.
Será que alguém que não esteja “nacademia” pode entrar na discussão? O Laercio já dizia que somente dominaremos uma tecnologia se dominarmos sua linguagem. Na Capoeira, é importante que os “de fora” possam incorporar a linguagem dos “de dentro”, mas isso somente acontecerá se, de ambas as partes, houver uma integração e, sobretudo, interesse em ouvir “o outro”.
Onde você se localiza? Na sua metodologia de ensino, da capoeira – em qual das teorias acima você se enquadra?
Leopoldo
Desde o Maranhão
Na foto estão Mestre Falcão (Florianópolis, SC) & Mestra Paulette (Campinas-SP), durante o II SENECA
[1] Marxismo é o conjunto das idéias filosóficas, econômicas, políticas e sociais que Marx e Engels elaboraram e que mais tarde foram desenvolvidas por seguidores. Interpreta a vida social conforme a dinâmica da luta de classes e prevê a transformação das sociedades de acordo com as leis do desenvolvimento histórico de seu sistema produtivo (http://pt.wikipedia.org/wiki/Marxismo)
[2] A Fenomenologia, nascida na segunda metade do século XX, a partir das análises de Franz Brentano sobre a intencionalidade da consciência humana, trata de descrever, compreender e interpretar os fenômenos que se apresentam à percepção. O método fenomenológico se define como uma volta às coisas mesmas, isto é, aos fenômenos, aquilo que aparece à consciência, que se dá como objeto intencional. Seu objetivo é chegar à intuição das essências, isto é, ao conteúdo inteligível e ideal dos fenômenos, captado de forma imediata. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Fenomenologia)
[3] Propõem uma história que não mais seja baseada em indivíduos, mas sim nas classes e nos interesses que representam. Bem como a relação destas faz gerar de forma dialética a construção dos novos modelos de sociedade, de produção, de pensamento. Fazer-nos pensar em como estas relações fazem com que grandes homens podem ser consfiderados meros objetos da história e da luta entre classes ao invés do contrário (http://pt.wikipedia.org/wiki/Materialismo_dial%C3%A9tico)
[4] Paradigma é a representação do padrão de modelos a serem seguidos. É um pressuposto filosófico matriz, ou seja, uma teoria, um conhecimento que origina o estudo de um campo científico; uma realização científica com métodos e valores que são concebidos como modelo; uma referência inicial como base de modelo para estudos e pesquisas. Na filosofia grega, paradigma era considerado a fluência de um pensamento, pois através de vários pensamentos do mesmo assunto é que se concluia a idéia, seja ela intelectual ou material, depois dela realizada surgiam outras idéias até chegar a uma conclusão final. Pensar que a idéia inicial, tanto a intelectual como a material, é o paradigma da conclusão final demonstra uma incoerência com o que de fato ocorre, pois não conta com a inspiração e os diversos fluxos de pensamento.Em Lingüística, Ferdinand de Saussure define como paradigma o conjunto de elementos similares que se associam na memória e, assim, formam conjuntos. O encadeamento desses elementos chama-se sintagma. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Paradigmas)
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