Extraterrestre de mim mesmo!

Queria mudar de registo; estou cansado de anotar desabafos e observações sobre os factos. Muita gente passa por eles e fecha o nariz; eu não resisto a meter lá o meu, para catar e desmascarar o encoberto. Provavelmente, os amigos também estão fartos daquilo que persisto em dizer e escrever.
Dava-me, pois, jeito que a pequena glândula da consciência deixasse de funcionar, ao menos durante algum tempo. Talvez a inquietude agressiva se ausentasse das palavras e reações. Mas… não há nada a fazer; não me corre água nas veias, nem tal chapéu vai bem à minha cabeça!
Acresce que não sei quantos anos vou viver. Por isso não me posso consentir o luxo de os deixar passar, esperando que as avaliações e os julgamentos fiquem macios, como sucede com o vinho. Tenho imperiosamente que tomar posição e dar testemunho aqui e agora. Para piorar o quadro, não consigo agir confinado no redil de qualquer credo ideológico; os meus olhos e passos volvem-se para os horizontes axiológicos. São eles o alfaiate da toga universitária, feita com o espesso tecido do espírito livre; e este é, por definição, áspero e intransigente.
Sempre que ouço e leio discursos e textos oficiais sobre a universidade hodierna, fico estarrecido com o léxico que enche bocas e páginas, e deixa vazia a alma. É dose para cavalo! Não aguento tanto ‘empreendedorismo’, ‘fundraising’ e ‘outsourcing’, tantas patentes, ‘startups’, ‘spin offs’ e oportunidades de negócio, tantos consórcios e redes, tanto arroto e exibicionismo de números, tanta ‘competitividade’ e vaidade, tanta contabilidade de ‘papers’ da treta, tanta invocação e veneração de ‘rankings’, tanta bazófia, manhosice e prosápia de fariseu, tanto foguete e tanta festa de celebração da rendição ao bárbaro fanatismo neoliberal. E nem um vocábulo sobre a grave doença da universidade: a decadência intelectual e o apagamento da obrigação de formar pessoas de verdade, autenticamente humanas!
Não, não quero engrossar a lista dos sujeitos ocos e insinceros. Sinto-me extraterrestre de mim mesmo. Serei eu o culpado por esta crise de identidade?!

 

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