FUTEBOL, CARTÃO VERMELHO E ARMAÇÃO

Nonato Reis 

A ideia do jogo surgiu em Belém, por ocasião de um encontro anual do Projeto Rondon que definia a política de comunicação do órgão. Para lá foram representantes de todas as coordenações estaduais na região. A representação do Maranhão era formada por mim, Nilson Amorim, Neto Hadad e o coordenador Mateus Neto. Hadad, metido a jogador de futebol, entrosou-se logo com os peladeiros do Rondon do Pará e tratou de acertar uma partida em São Luís entre as duas coordenações.

 
O jogo foi marcado para as vésperas do Natal e três meses antes não se falava mais em outra coisa. Hadad agia como se fosse dono do time. Escolheu os atletas a dedo (a maioria perna de pau), definiu as posições de cada um, idealizou as camisas e mandou confeccionar o material. Originalmente ele seria o camisa 10, aquele jogador com a função de organizar e criar as jogadas de ataque. O Professor Mateus, sempre lúcido, vez por outra nos chamava a atenção. “Meninos, vocês precisam treinar. Cuidado para não darem vexame”.

 
Um fato inusitado mudaria o roteiro daquele acontecimento. Na surdina Hadad contraiu núpcias, e próximo do jogo ainda encontrava-se em lua de mel, o que comprometia o seu condicionamento físico. Então decidi que o camisa 10 seria eu, que, aliás, tinha muito mais habilidade com a redonda do que ele.

 
Disse-lhe com ar de professor: “Como você não está bem das pernas, é melhor que atue fixo na frente, perto do gol, ‘na banheira’. Aí, quando a bola sobrar limpa é só você empurrá-la pra rede e correr para o abraço”. A contragosto Hadad aceitou, mas não se daria por vencido, e isso eu só fui saber quando a bola finalmente rolou.

 
Certo de que aquele jogo seria uma bela vitrine para que eu mostrasse o futebol de toque refinado de que me julgava possuidor, reuni a família (pai, mãe, irmãs, tios, primos e até vizinhos) e intimei-os para que fossem assistir aquele grande evento esportivo, que teria como arena o campo do 24º Batalhão de Caçadores.

 
Bola rolando, a torcida vibrante, no primeiro lance eu coloquei Hadad, como se diz na gíria futebolista, “na cara do gol”, só ele e o trave, porque o goleiro eu havia abatido com um drible desconcertante. Disse “faz, Hadad!”. Qual nada. Na hora de bater na bola as pernas de Hadad tropeçaram uma na outra e o homem desabou, no que poderia ser uma rara imagem para o “Inacreditável Futebol Clube”.

 
Veio o segundo lance, eu driblei dois zagueiros, com um movimento de cintura tirei o goleiro e toquei a bola mansamente para Hadad, quase na linha do gol. Por incrível que pareça na hora do chute ele pisou na bola e se chocou contra o poste direito, o que motivou a primeira entrada em campo do socorro médico.

 
O juiz da partida, gente de Hadad, era um sujeito branquinho e barrigudo, que apitava sorrindo e gesticulando com as duas mãos, à semelhança do saudoso “Margarida”. Após o segundo gol perdido e com os olhos faiscando de raiva, Hadad cochichou alguma coisa no ouvido de “Margarida”, que eu não consegui decifrar, mas depois disso, não podia mais pegar na bola que ele apitava falta. Bastava a bola vir na minha direção e o sujeito já trilava o apito. Aquilo foi me torrando a paciência. A essa altura perdíamos por 2 X 0. O relógio girava e Hadad abusava de perder gol.

 
Uma bola cruzada da direita sobre a pequena área me alcançou livre e eu cabeceei certeiro no canto esquerdo do goleiro. “Caixa!” Corri para comemorar com a família, parentes e aderentes. Porém o juiz não apenas invalidou o gol, sob alegação de impedimento, como ainda me aplicou um cartão amarelo por excesso de comemoração.

 
Aquilo era demais. “Porra, meu, onde foi que você aprendeu a apitar?”. Ele não disse nada. Apenas retirou o cartão do bolso e mostrou-me o vermelho. Eu corri para dar-lhe um tabefe, mas Hadad e Nilson me agarraram pela cintura e me arrastaram até a beira do gramado, para o meu desencanto e tristeza da torcida.

 
Meu pai, profundo conhecedor das malandragens do futebol, foi quem me consolou. “Esquenta não, meu filho. Estava tudo armado”. Hadad até hoje faz troça comigo. “Reis, que papelão! Levar pai, mãe, irmãs, papagaio e periquito pra te verem ser expulso de campo”. Com o perdão da dona Francisca, “filho da puta”!

 

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